Polícia interrompe teatro em Curitiba e leva som

Stefano Belo, do projeto Sextas Etruskas, da Selvática, em Curitiba: PM interrompeu o show e levou o equipamento de som – Foto: Francisco Mallmann

Por Miguel Arcanjo Prado

A Casa Selvática, sede da trupe teatral Selvática Ações Artísticas, em Curitiba, foi alvo de uma operação da Polícia Militar do Paraná na última sexta (14), que interrompeu o show do projeto “Sextas Etruskas” e levou o equipamento de som do grupo.

A ação fez parte da operação chamada “Patrulha do Sossego”.

Segundo o grupo, a PM chegou ao teatro às 21h28, quando acontecia o show do projeto “Sextas Etruskas”, capitaneado pelo artista Stéfano Belo.

Ainda de acordo com o relato do grupo, mesmo antes do horário legal de silêncio, que começa às 22h, a PM apreendeu o equipamento de som do grupo teatral. Gabriel Machado, produtor do grupo, precisou ir à delegacia assinar um termo circunstancial.

Esta não é a primeira vez que a PM do Paraná invade a Casa Selvática. O grupo já teve sua sede arrombada por policiais em janeiro deste ano.

A presença da PM na Casa Selvática aconteceu um dia antes de o artista paranaense Maikon K ser preso em Brasília durante uma performance.

Policiais em frente à Casa Selvática, em Curitiba, que foi invadida pelo Denarc em janeiro deste ano – Foto: Divulgação

Em comunicado sobre o ocorrido na última sexta (14), o grupo afirma que “a Casa Selvática é uma residência artística e um espaço compartilhado, que propõe atividades para o desenvolvimento de suas pesquisas e manutenção de um espaço vivo e criativo”.

O grupo ainda lembra que “tem feito um importante trabalho com discussões ligadas a gênero, sexualidade, liberdade das mulheres, discussões raciais e em relação aos corpos padronizados em uma cidade que canta a tradição”.

O comunicado ainda afirma: “Nós, artistas da Casa Selvática, nos posicionamos contrariamente a esse tipo de ação e operação, que busca, mais do que o sossego, amordaçar qualquer tipo de manifestação que possa desagradar a alguns paladares, como é o caso do espaço, que trata artisticamente das questões de cunho LGBTQIA+ na cidade de Curitiba”.

Os artistas da Selvática Ações Artísticas, um dos grupos teatrais de maior expressão no teatro curitibano – Foto: Divulgação

Os integrantes da Selvática ainda ressaltam acreditar “na festa, na arte e no exercício da liberdade, na criação de zonas autônomas como forma de pensar e fazer política”. E avisa: “Não iremos parar”.

“Não acreditamos em ditaduras, fascismos e conservadorismos de qualquer espécie. Respeitamos quem assim desejar desenvolver sua vida, mas informamos que a nossa está pautada em outros lemas”, fala a Selvática.

O grupo ainda lembra que “nos últimos anos” adaptou seus eventos para não ultrapassar com som alto “o horário acordado com os vizinhos, das 22 horas” e diz que estão sendo “perseguidos” por quem se sente “incomodado com as temáticas” que são desenvolvidas pelos artistas.

“Nós não iremos parar. Nós não iremos sair daqui. Somos um verso livre e não essa rima cínica”, conclui o grupo paranaense.

Lembra a ditadura

A prisão truculenta de Maikon K durante sua performance artística “DNA de DAN” no último sábado (15) e a operação na Casa Selvática na sexta (14) deixam a classe artística apreensiva. A presença de policiais em teatros lembra os tempos da ditadura.

Em 1968, a peça “Roda Viva”, dirigida por José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, com seu Teat(r)o Oficina teve uma sessão interrompida pelo grupo Comando de Caça aos Comunistas no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo. Os artistas foram espancados e o cenário, destruído. Depois, durante a turnê no Rio Grande do Sul, os artistas voltaram a ser perseguidos com violência por militares.

Também em 1968, a atriz Norma Bengell foi sequestrada por militares no momento em que chegava ao Teatro de Arena, em São Paulo, para apresentar a peça “Cordélia Brasil”, de Antônio Bivar.

Recentemente, o teatro tem sido vítima novamente de perseguição.

Em 2015, artistas do Teat(r)o Oficina precisaram depor no Fórum Criminal da Barra Funda. Ao fim, a Justiça decidiu que o diretor José Celso Martinez Corrêa, e os atores Tony Reis e Mariano Mattos Martins, eram inocentes na ação criminal movida pelo padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, de Anápolis, Goiás.

O padre havia acusado os artistas de crime contra seu sentimento religioso católico por conta de uma cena da peça “Acordes”, apresentada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 2012 a convite de alunos, professores e estudantes em greve contra a posse da reitora Anna Cintra, que havia ficado em terceiro lugar na eleição.

O padre goiano viu a peça pela internet, no YouTube. Sentindo-se ofendido com a cena na qual um boneco semelhante ao Papa Bento 16, que na obra inspirada em Bertolt Brecht representava a figura do autoritarismo, resolveu então processar criminalmente os três artistas do grupo Oficina, além da produtora da companhia teatral, Ana Rúbia.

Também em 2015, o artista circense Leônidas Quadra, intérprete do palhaço Tico Bonito, foi preso também durante uma apresentação em Cascavel, interior do Paraná, justamente porque policiais que viam a apresentação não gostaram das críticas à polícia feita na peça. O palhaço foi detido por “desacato à autoridade”.

Em 2016, a PM de Santos, litoral paulista, prendeu o ator Caio Martinez Pacheco durante a peça “Blitz – O Império que Nunca Dorme”, da Trupe Olho da Rua, que satiriza o poder do Estado. Os policiais que estavam presentes na praça onde a peça era apresentada não gostaram do uso da bandeira nacional no espetáculo.

Neste ano, a polícia paranaense fez duas operações na Casa Selvática, sede do grupo Selvática Ações Artísticas. A primeira foi em janeiro, quando a sede da trupe foi arrombada. A segunda, na última sexta (14), quando policiais apreenderam o equipamento de som do grupo durante uma apresentação artística.

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