Livro apresenta força do teatro negro na atualidade
O ator e pesquisador da UFMG Marcos Antônio Alexandre, estudioso do teatro negro – Foto: Matheus Soriedem
Por Miguel Arcanjo Prado
Um dos principais pesquisadores na atualidade do teatro brasileiro, Marcos Alexandre, ator e também professor doutor dos cursos de letras e teatro da Universidade Federal de Minas Gerais, se dedica especialmente ao teatro negro, com força cada vez maior no Brasil atual. O assunto norteia seu livro “O Teatro Negro em Perspectiva: Dramaturgia e Cena Negra no Brasil e em Cuba”, pela Editora Malê, que ele lança nesta sexta (3), às 19h30, no Teatro 171 (r. Capitão Bragança, 35, Santa Tereza), em Belo Horizonte. Ele conversou com o Blog do Arcanjo no UOL. Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado – O que o leitor vai encontrar neste seu livro?
Marcos Antônio Alexandre – Em primeiro lugar, o meu grande desejo de dar visibilidade à cena negra e a nossa cultura. A ideia é oferecer a minha contribuição para o entendimento e o debate sobre o teatro negro e os seus diversos lugares de enunciação e de fala. Por isso, o livro foi dividido em quatro partes em que faço, num primeiro momento, uma breve discussão sobre o tema, destacando o meu interesse por uma corporeidade negra (a ideia de um “corpo negro pulsante”, que busco observar na cena e na performance negra); logo analiso alguns trabalhos que foram concebidos a partir da estética do teatro negro em Belo Horizonte, Havana e Salvador; apresento a tradução que realizei da peça “Maria Antônia”, do dramaturgo e diretor Eugenio Hernández Espinosa, por acreditar tratar-se de uma obra que se aproxima muito com a dramaturgia e a cena produzida pelos artistas brasileiros; e por fim, apresento algumas entrevistas que me foram concedidas por artistas, diretores e pensadores que também têm a cultura negra como campo de interesse.
Miguel Arcanjo Prado – Quais pontos em comum você observou entre o teatro negro brasileiro e o cubano?
Marcos Antônio Alexandre – Numa primeira leitura, o que salta aos olhos é a presença da religião afrodescendente como presença comum nas dramaturgias e nas cenas. No entanto, logo se observa que, assim como a cena negra contemporânea brasileira tem apresentado, a religiosidade se apresenta como temática inerente, mas as peças não se centram apenas neste aspecto. Há em comum a singularidade de um teatro engajado, comprometido com as questões ideológicas dos negros, os preconceitos sociais, econômicos, identitários etc. Assim como o teatro negro brasileiro, o cubano quase sempre apresenta os sujeitos emergidos em seus diversos conflitos. Se em Cuba, ainda podemos observar uma forte relação com a religiosidade, no contexto brasileiro, hoje, a religião, às vezes, é utilizada como “pano de fundo” para tratar de outras questões e a cena contemporânea reforça os aspectos relacionados à sexualidade, ao “empoderamento” do corpo feminino, às temáticas de gênero e às corporeidades negras.
Livro de Marcos Alexandre liga teatro negro brasileiro ao cubano; na capa, o ator Denilson Tourinho na peça “Madame Satã” – Foto: Divulgação
Miguel Arcanjo Prado – Como você vê o renascimento do teatro negro no Brasil, com grupos fortes em lugares como Bahia, São Paulo e Belo Horizonte?
Marcos Antônio Alexandre – Para te responder tenho que fazer menção ao legado deixado pela Companhia Negra de Revistas (1926), com De Chocolat e Jaime Silva; pelo TEN – Teatro Experimental do Negro (1944), com Abdias Nascimento; e pelo TEPRON – Teatro Profissional do Negro (1970), com Ubirajara Fidalgo; que foram grupos imprescindíveis para consolidação do teatro negro e para a sua continuidade, fortalecimento e, principalmente, engajamento dos novos grupos que têm produzido a cena negra nestes pólos por você menciona. Os grupos que vêm se dedicado à cena negra nestes centros urbanos têm trazido novos questionamentos à cena negra. São propostas espetaculares que reivindicam distintos lugares de fala e visões socioideológicos dos negros, que trazem para reflexão linguagens cênicas múltiplas, fazendo dialogar, a título de exemplo, os sons dos tambores, com toda a sua função de religare, com os sons do funk, do rap, do samba, dando vazão às vozes periféricas que são evidenciadas e trazidas para a cena em visões múltiplas e polifônicas, temas como o silenciamento da mulher negra, os novos olhares para as questões de gênero e para as corporeidades trans, o cotidiano de jovens negros, seus desejos, conquistas e o contato e aproximação com suas ancestralidades.
Miguel Arcanjo Prado – Quem tem feito um teatro negro e tem chamado sua atenção atualmente?
Marcos Antônio Alexandre – São muitos nomes a serem citados e sempre fica alguém importante de fora, portanto já me desculpo por algumas ausências que certamente lamentarei logo, de não ter citado. No entanto, no campo da dramaturgia, eu me identifico muito com os trabalhos de Allan da Rosa (“Da Cabula”), Anderson Feliciano com suas textualidades performativas, Cidinha da Silva (“Engravidei, Pari Cavalos e Aprendi a Voar sem Asas”), Fernanda Júlia (“Shirê Oba, a Festa do Rei, Egum”; “Deus e homem”; “Exu, a Boca do Universo”), Grace Passô (“Vaga Carne”), Chica Carelli, Marcio Meirelles e o Bando Teatro Olodum (“Áfricas”, “Bença”, “Cabaré da Rrrrraça”). Na cena, não posso deixar de citar os trabalhos de Aldri Anunciação (“Namíbia, não”); Alexandre de Senna e seus “Rolezinhos”; Benjamim Abras (“Kalandu”), um trabalho primoroso que, por falta de tempo, não pude apresentar e discutir no livro; Carlandréia Ribeiro; Cristiane Sobral; Cridemar Aquino; Danielle Anatólio (“Lótus”); Débora Almeida; Eda Costa, Evandro Nunes; Felipe Soares; Gil Amâncio, Lázaro Ramos (“O Topo da Montanha”); Maurício Tizumba; Mônica Santana (“Isto Não É Uma Mulata”); Pedro Amparo (“Violento”); Rodrigo de Odé; Rui Moreira; Sérgio Pererê; todos os integrantes da Cia dos Comuns, da Cia Espaço Preto; da Cia Fusion de Danças Urbanas (“Pai contra mãe”), da Cia Os Crespos, do Grupo dos Dez, da Cia NEGR.A, do Teatro Negro e Atitude; entre outros… e não posso deixar de mencionar a existência de dezenas de jovens atores e atrizes formados, ou em formação, pelo curso de Letras da FALE e pelo Teatro da EBA-UFMG (entre esses, vários alunos queridos com os quais tenho aprendido muito acompanhando os seus trabalhos e com discussões em sala, fóruns, debates) e pelo TU – Teatro Universitário da UFMG, que representam um grupo mais próximo de mim, mas sem deixar de mencionar os jovens formados pelo CEFART – Centro de Formação Artística e Tecnológica do Palácio das Artes. Todos vêm dando um novo fôlego para a cena local. Entre os citados, temos uma boa representação da importância de alguns nomes já consagrados e outros que despontam com trabalhos primorosos de pesquisa em textualidade e em linguagem cênica.
Miguel Arcanjo Prado – É verdade que você vai viajar depois do lançamento do livro? O que vai fazer?
Marcos Antônio Alexandre – Sim, viajo no domingo agora para Nova York. Estou afastado de minhas atividades acadêmicas (sobretudo, as administrativas e de ensino) para realização de um pós-doutorado que vou fazer em duas etapas: a primeira, até agosto, na New York University, no Instituto Hemisférico de Performance e Política, com a Diana Taylor; e a segunda, a partir de setembro e até fevereiro de 2018, no PPGAC da UNIRIO/NEPAA, com o Zeca Ligiéro, que são pesquisadores importantes no campo dos Estudos da Performance e com os quais venho compartilhando experiências desde o ano 2000, quando da realização do 1º Encontro de Performance idealizado pelo Instituto e que já está na sua 11a edição, que aconteceu, no ano passado, em Santiago do Chile. Nesta nova pesquisa de pós-doutorado, pretendo dar continuidade aos meus estudos sobre a performance (principalmente às performances negras) e as alteridades (performance e gênero).
Miguel Arcanjo Prado – Qual mensagem você manda aos artistas negros do teatro brasileiro?
Marcos Antônio Alexandre – Que continuem produzindo e investindo na criação de propostas dramatúrgicas e espetaculares (musicais, performativas, ritualísticas), que busquem formas de apresentar os seus trabalhos nos grandes centros, mas não se esqueçam de apresentá-los nas regiões periféricas. O trabalho de conscientização e de formação de público deve ser constante e realizado em todas as instâncias e espaços (teatros, galpões, quadras, escolas, centros comunitários, espaços alternativos etc.). Que possam sempre, e cada vez mais, fazerem-se presentes nos palcos com nossas corporeidades e textualidades negras. E fica o desejo de que o meu livro, possa, de alguma maneira, ser útil para seguir fomentando discussões profícuas sobre o teatro negro e, ao mesmo tempo, de ver a tradução que realizei de “Maria Antônia”, peça do cubano Eugenio Hernández Espinosa, sair do papel para os palcos sob a batuta de algum coletivo negro. Seria mais um sonho a ser concretizado, pois ainda tenho muitos…
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