Crítica: Protagonista negra de Malhação começa humilhada por loira racista

Aline Dias é Joana, a protagonista negra de "Malhação" - Foto: Caiuá Franco

Aline Dias é Joana, a protagonista negra de “Malhação” – Foto: Caiuá Franco

Por Miguel Arcanjo Prado

A novela juvenil da Globo, “Malhação”, estreou nova temporada nesta segunda (22), com o subtítulo “Pro Dia Nascer Feliz”, copiado do hit do Barão Vermelho que serve de trilha de abertura. Mas, o foco ficou na nova protagonista, a talentosa e bela Aline Dias.

Em 21 anos de programa (sim, 21 anos), pela primeira vez (sim, primeira vez) uma atriz negra ocupa papel central. Porém, a notícia não foi bem recebida pela comunidade negra, que fez barulho na internet, sobretudo depois que a profissão da personagem foi divulgada: faxineira.

Muitos acusaram a Globo de reforçar o racismo, em vez de enfrentá-lo; repetindo estereótipos sociais racistas na trama.

E foi um Brasil racista que surgiu nesta nova “Malhação”. Um lugar onde brancos se divertem em parque aquático e academia, enquanto negros servem para limpar a sujeira.

Ah, claro, na trama os negros também servem para ser humilhados, vítimas de falas racistas.

Mesmo em um Brasil onde negros ocupam cada vez mais novos lugares na estrutura social, os roteiristas da Globo ainda preferem enxergá-los aptos apenas para papéis subalternos. Parece que, na cabeça dos novelistas, salvo raríssimas exceções, atores negros não podem ser médicos, advogados, engenheiros, críticos, jornalistas ou empresários.

Em 66 anos de televisão no Brasil, infelizmente, ainda é possível contar nos dedos quando atores negros viveram personagens de classe média ou alta. “A Próxima Vítima”, de Silvio de Abreu, no já longínquo 1995, com sua família de classe média negra formada por Antonio Pitanga, Zezé Motta, Camila Pitanga e Lui Mendes, até hoje parece caso isolado.

Aline Dias é a faxineira Joana, protagonista de "Malhação" - Foto: Caiuá Franco

Aline Dias é a faxineira Joana, protagonista de “Malhação” – Foto: Caiuá Franco

Faxina e racismo

A nova “Malhação” começou com imagens paradisíacas de Morro Branco, no Ceará, com direito a merchandising do famoso parque aquático local, que foi citado no texto e serviu de cenário para boa parte do capítulo.

É lá que Joana, a protagonista, faz faxina.

Na primeira cena racista exibida, a moça foi indicada pelo chefe, por “saber falar bem com as pessoas”, a ir advertir o casal branco Bárbara (Bárbara França) e Gabriel (Felipe Roque), cujos beijos lascivos estavam passando do ponto para um lugar público.

Joana fez o que o chefe mandou com toda a educação do mundo. Mas, logo, foi chamada pela já vilã loira de “menina de recado”, antes de ouvir: “Volta lá para sua faxina, vai”.

O galã loiro de olhos claros ouviu tudo de forma covarde e omissa. Só depois que Joana saiu, resignada com a humilhação, é que ocorreu ao rapaz chamar a namorada de preconceituosa.

E o sofrimento da protagonista não parou por aí. Quando esta resolveu ir à praia com as amigas, a parte de cima do biquíni da colega foi levada pela onda. Logo, um fofoqueiro de plantão foi contar ao padrasto da garota que ela estava “se exibindo” por aí.

Quando chegou em casa, lugar onde só encontra amor na figura da avó, papel da sempre doce Ilva Niño, Joana precisou enfrentar acusações mentirosas do padrasto, interpretado por Jackson Antunes, sempre ótimo como homens truculentos.

É interessante notar que a protagonista negra não tem sequer o direito de ter uma família negra. Tanto seu padrasto quanto sua avó são brancos. Num país cuja maioria da população é negra, na novela negro é peixe fora d’água em um mundo de brancos.

E o capítulo continuou com o padrasto-feitor tirando o cinto para açoitar Joana, que, pela primeira vez, reagiu, dizendo que não vai aceitava que nenhum homem encostasse nela. Ainda bem, porque do jeito que as coisas caminhavam, só estava faltando mesmo amarrá-la em um tronco e iniciar a sessão chibata.

Diante do que foi exposto no primeiro capítulo, não há o que se comemorar no fato de uma atriz negra protagonizar a nova temporada de “Malhação”. Há sim, e muito, o que se lamentar e refletir. Quem sabe um dia autores e produtores de novela consigam enxergar além do gasto modelo racista herdado do velho Brasil escravocrata. Só nos resta torcer para que este dia chegue logo. Porque já estamos em 2016.

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