Morre atriz Nydia Licia aos 89 anos em São Paulo
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Morreu, aos 89 anos, em São Paulo, a atriz Nydia Licia, neste sábado (12), vítima de um câncer no pâncreas.
O velório acontecerá na manhã deste domingo (13), entre 8h e 12h, no Teatro Sérgio Cardoso (r. Rui Barbosa, 153, Bela Vista, São Paulo). O enterro está previsto para as 14h do domingo no Cemitério Israelita do Butantã.
Nydia foi um dos nomes mais importantes da história do teatro brasileiro.
Além de ter trabalhado no célebre TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), criou sua própria companhia, que marcou os palcos paulistanos com montagens inesquecíveis.
Ela também foi atuante no teatro de qualidade para crianças e ainda no ensino das artes cênicas.
Ao fim da vida, dedicou-se também a contar a história do teatro brasileiro em livros já fundamentais, como Ninguém se Livra de Seus Fantasmas.
Italiana no Brasil
Nydia Licia Quincas Pincherle Cardoso nasceu em Trieste, Itália, em 30 de abril 1926. Filha de um médico e de uma crítica musical, ambos de origem judaica, transfere-se em 1939 com a família para a cidade de São Paulo, devido ao avanço do fascismo na Europa.
Segundo o Memória das Artes da Funarte, aos 13 anos sente-se adaptada ao novo país, e estuda em bons colégios. Primeiro no rigoroso Dante Alighieri e depois no Mackenzie, onde se sente mais à vontade pelo clima de camaradagem e liberdade. Durante a Segunda Guerra termina o ginásio e emenda o clássico, sempre cantando ao participar dos shows colegiais. Na dúvida entre estudar medicina ou química, opta por trabalhar.
Com a doença do pai a situação fica difícil, e assim arruma emprego no Consulado Italiano como secretária do cônsul. Mais tarde, ao frequentar um curso de história da arte ministrado por Pietro Maria Bardi, é selecionada como sua assistente para trabalhar no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Começo no teatro e TBC
Ao mesmo tempo, começa a ensaiar com Alfredo Mesquita a montagem amadora de À Margem da Vida, de Tennessee Williams, realizada pelo Grupo de Teatro Experimental (GTE) em 1947. Nessa montagem, faz sua estreia no teatro (é também a estreia deste texto no Brasil) ao lado de Marina Freire e Abílio Pereira de Almeida. No mesmo ano, realiza no Grupo Universitário de Teatro (GUT), na USP, O Baile dos Ladrões, de Jean Anouilh, com direção de Décio de Almeida Prado.
Em 1948 o grupo é absorvido pelo Teatro Brasileiro de Comédia. Sob direção de Adolfo Celi, substitui Cacilda Becker, então grávida de quatro meses, na primeira montagem profissional do TBC, Nick Bar, de William Saroyan, realizada no ano de 1949.
Em 1950, como titular (fazendo um espetáculo desde o início), aparece em Entre Quatro Paredes, de Jean-Paul Sartre, ao lado de Cacilda, Carlos Vergueiro e de seu futuro marido Sérgio Cardoso. A seguir entra em Os Filhos de Eduardo, de Marc-Gilbert Sauvajon; A Ronda dos Malandros, de John Gay; A Importância de Ser Prudente, de Oscar Wilde; e O Anjo de Pedra, de Tennessee Williams, montagem que consagra Cacilda como intérprete.
E não para mais: começa a fazer o Teatro das Segundas-Feiras, trabalhando assim os sete dias da semana. Só encontra uma folga para se casar com Sérgio Cardoso, em 1950; no dia seguinte, já estão trabalhando no TBC. Ainda grávida, faz as duas versões de Antígona, de Sófocles e de Anouilh, até 15 dias antes do nascimento de Sylvia, filha do casal.
Rio e televisão
Permanece no TBC até 1952, quando se transfere para o Rio de Janeiro com o marido e a filha para integrar a Companhia Dramática Nacional. Ensaia três peças ao mesmo tempo, com a família hospedada na casa de Procópio Ferreira.
É dirigida por Bibi Ferreira em A Raposa e as Uvas, de Guilherme Figueiredo. Com direção de Sérgio, participa de A Falecida, de Nelson Rodrigues, e do premiado espetáculo A Canção do Pão, de Raimundo Magalhães Jr.
Em 1953 vai fazer televisão na TV Record, e integra o elenco de dois programas: O Personagem no Ar e Romance. No ano seguinte, alimenta o sonho de ter a própria companhia com o marido e para isso funda a Empresa Bela Vista, partindo para a reforma do antigo Cine-Teatro Espéria, no Bixiga. Enquanto a obra anda com todas as dificuldades possíveis, montam Lampião, de Rachel de Queiroz, no Teatro Leopoldo Fróes, sob a direção de Sérgio Cardoso, que também é o protagonista da peça. A montagem transforma-se em retumbante sucesso.
Teatro Bela Vista
Em 15 de maio de 1956, depois de nove meses de ensaios, inaugura o novo Teatro Bela Vista com a montagem de Hamlet, de Shakespeare. O espetáculo foi um acontecimento. No repertório remontam A Raposa e as Uvas e apresentam, entre outras encenações, Henrique IV, de Luigi Pirandello; O Comício, de Abílio Pereira de Almeida; e Chá e Simpatia, de Robert Anderson, seu grande momento como atriz nos palcos. Por esse desempenho abiscoita diversos prêmios como melhor atriz, entre os quais o Governador do Estado, O Saci e a Medalha de Ouro da Associação Paulista de Críticos Teatrais (APCT).
Seguem-se as montagens de Amor sem Despedida, de Daphne Du Maurier (1958), e uma encenação de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, assinada por Sérgio, em concepção completamente diferente da famosa direção de Ziembinski.
Em 1959 atua em Lembranças de Berta, de Tennessee Williams, e Oração para uma Negra, de Faulkner, dividindo o palco com Ruth de Souza. Em 1960 desquita-se. Mesmo após a separação, continua a produzir teatro como produtora independente, tentando manter o teatro aberto, e contrata diretores como Alberto D´Aversa e Amir Haddad. Nessa fase dedica-se também a dirigir e a escrever.
Briga na Justiça
Uma ação movida pela Empresa Bela Vista tenta tirar-lhe o teatro. Com o apoio unânime da classe teatral, luta durante anos, até que consegue ficar com o teatro, ainda que sob condições as mais difíceis. Depois de um ano a polícia fecha o teatro.
Às vésperas da estreia de O Grande Segredo, de Édouard Bourdet (1961), vai para o Teatro de Alumínio com o espetáculo, e faz grande sucesso ao lado de Rubens de Falco e João José Pompeo no elenco. Entre 1960 e 1961 é representante dos empresários teatrais na Comissão Estadual de Teatro e no Serviço Nacional do Teatro e faz coproduções com Oscar Ornstein.
Em 1962 começa se dedicar ao teatro infantil e monta A Bruxinha que Era Boa, de Maria Clara Machado. Com a preocupação de motivar a criança para o teatro, realiza espetáculos bem-acabados e mantém um trabalho sério junto às escolas, ocupando um colégio de 800 lugares.
Torna-se por vários anos a grande mentora do teatro para crianças. Cria para a TV Cultura o Teatro do Canal 2 e apresenta o programa educativo Quem é Quem, produzindo em seguida, por quatro anos, Presença, até ser convidada para o cargo de assessora cultural da emissora. Produz programas musicais de alto nível, como concertos e especiais de música de câmara, e programas sinfônicos gravados no Theatro São Pedro e no Theatro Municipal.

Nydia Licia em A Raposa e as Uvas, de Guilherme Figueiredo, com direção de Bibi Ferreira – Foto: Cedoc/Funarte
Adeus, Bela Vista
Em 1971, vê-se obrigada a devolver o Teatro Bela Vista para seus proprietários. O Governo do Estado de São Paulo decide desapropriar o imóvel e reformá-lo, transformando-o no Teatro Sérgio Cardoso. Participa da cerimônia de inauguração em 13 de outubro de 1980, encenando Sérgio Cardoso em prosa e verso, sob a direção de Gianni Ratto.
Atua em televisão nas TVs Tupi, Paulista e Bandeirantes, participando de produções como Sublime Obsessão (1958), Eu Amo esse Homem (1964), Éramos Seis (1977), João Brasileiro, O Bom Baiano (1978) e Ninho da Serpente (1982).
Desses trabalhos dois momentos são especialmente marcantes. O primeiro em Eu Amo esse Homem na TV Paulista, novela de Ênia Petri, na qual faz uma psicanalista que se envolve com seu analisando, interpretado por Emiliano Queiroz. O segundo em Éramos Seis na TV Tupi, escrita por Rubens Ewald Filho e Silvio de Abreu, baseada no romance da Senhora Leandro Dupré, na qual vive uma tia rica que ajuda a pobre família formada por Nicette Bruno, Carlos Alberto Riccelli e Carlos Augusto Strazzer.
Cinema, aulas e livros
No cinema roda Quando a Noite Acaba, de Fernando de Barros (1950); Ângela, de Tom Payne (1951) e, recentemente, O Príncipe, de Ugo Giorgetti (2002).
Na década de 80 torna-se referência de qualidade na produção teatral dedicada ao público infantil na cidade de São Paulo. A partir de 1992 desenvolve, paralelamente, carreira pedagógica como professora no Departamento de Rádio e Televisão da Escola de Comunicação da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP, e no Teatro Escola Célia Helena, onde deu aulas de interpretação.
Desde 2002 dedicou-se a contar sua trajetória e a de seus contemporâneos em livros como Ninguém se Livra de Seus Fantasmas; Sérgio Cardoso: Imagens de Sua Arte; Rubens de Falco: Um Internacional Ator Brasileiro; e Leonardo Villar: Garra e Paixão.