Crítica: Nova Dubai e os olhos excitantes de Gustavo Vinagre

O cineasta Gustavo Vinagre - Foto: Matheus Rocha/Divulgação

O cineasta Gustavo Vinagre, diretor do filme Nova Dubai – Foto: Matheus Rocha/Divulgação

Por LÉO KILDARE LOUBACK*
Colaboração especial, em Belo Horizonte (MG)

Queria perder a virgindade com minha avó, diz o menino Gustavo Vinagre. Ele mesmo, o diretor. Diretor não, ator. Pornô? Estão dizendo por aí que sim. Nem é.

Eu olho para os olhos da cidade em expansão através dos olhos dele. Aqueles olhos. Só falar deles daria uma nova Dubai.

Ouvi conselho e fui ali ver o filme polêmico do menino de São José, que fala japonês e filma a si mesmo em cenas de sexo explícito em locais públicos, ao ar livre.

Sim, confesso que esperava ver qualquer entediante e pretensiosa versão Cocky Boys de Lars von Trier. Nem foi. O filme Nova Dubai é outra coisa. Só quem viver poderá saber.

O corpo do menino é exposto, é aberto e ousado até demais para quem vem do interior, mas nada parece difícil, tudo flui quando ele direciona os olhos para a cidade que também o habita.

Cidades-monstros tentando engolir à força nossos corpos e dissipar nossos desejos. Ai, menino corajoso, parece até que veio do sertão. Nem veio.

Mas é preciso coragem para realizar audácias desse porte no País da Hipocrisia onde ele vive, país em processos prévios e claros de ruína do espírito.

Gustavo me parece só. Fazendo filmes como hai kai, trazendo tudo ali. Ele é. Só. Só isso.

Em certo momento da película – que linda, a palavra película, pele – o narrador diz que o corpo não faria algo que ele não foi produzido para fazer. E fica simples assim. Basta para emocionar.

Kurosawa dizia algo sobre movimento e emoção. Motion X Emotion. É preciso pouca coisa para mover o movie, e Gustavo move disso para dentro de mim, perpassando as minhas emotions também irrelevantes frente à escassez dos tempos e ao devoramento dos espaços.

Olho para o menino, me vejo só e sem uma gota de lágrima. Nem compaixão. Ele não quer isso da gente. Ele só quer ser ele, ali, nos mirar profundo e contar seus segredos sórdidos.

O menino de olhos de ser-tão tem trinta anos e insiste em chamar de média-metragem seu filme longo, longo, que se expande em nós por largas horas após o fim.

No início da exibição, quando eu ainda me preparava para não acreditar em absolutamente nada, ele se ajoelhou e fez um pacto de verdade comigo. E cumpriu.

Léo Kildare Louback - Foto: Paulo Raic/Divulgação

Léo Kildare Louback – Foto: Paulo Raic/Divulgação

*LÉO KILDARE LOUBACK é ator, diretor, dramaturgo e tradutor de alemão radicado em Belo Horizonte, Minas Gerais. É mestrando em Estudos da Tradução pela Universidade Federal de Santa Catarina, especialista em Performance pela Faculdade Angel Viana e licenciado em Português e Alemão pela Universidade Federal de Minas Gerais, com intercâmbio na Universidade de Hamburgo, Alemanha.

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