Crítica: Horário Nobre empurra dois homens para o abismo

Antonio Destro e Paulinho Faria em cena na peça Horário Nobre, dirigida por Elisa Fingermann- Foto: Divulgação

Por MIGUEL ARCANJO PRADO

A dupla de artistas formada por Elisa Fingermann e Paulinho Faria tem como costume trazer propostas interessantes para os palcos paulistas com sua Cia. Contraponto. Ambos detêm um olhar sensível e inteligente para o mundo ao seu entorno.

A mais recente proposição é a intimista montagem Horário Nobre, em cartaz aos domingos, às 19h, no Estação Satyros, na praça Roosevelt [veja serviço completo ao fim].

Mais uma vez, Paulinho está em cena, desta vez acompanhado de Antonio Destro, sob direção de Elisa.

Em um teatro alternativo paulistano repleto de pós-modernidade e performatividade, chama a atenção a proposta realista da montagem, fazendo com que a mesma se destaque no contexto que a rodeia.

Sobretudo, por investir forte na atuação dos dois artistas no palco. Em vez de truques cênicos, há dedicado trabalho de atores na construção de seus personagens.

É interessante a proximidade entre público e atores, todos debaixo da lona do barraco onde se encontram os personagens, à margem da sociedade legitimada.

Os dois homens vivem juntos. O elo entre os dois não chega a ser descortinado por completo pela dramaturgia, mas, há um tensão no ar. Em alguns momentos, a ligação poderia ser até mesmo passar pela sexualidade —vide as paredes repletas de fotografias de mulheres nuas (tentativa de se provar uma masculinidade em questionamento?).

Paulinho Faria também assina o texto, que mostra os dois homens, numa noite, em seu paupérrimo barraco, quando um deles, o mais jovem (Paulinho), traz uma televisão quebrada.

O ímpeto do rapaz em consertá-la vai mexer com a ordem estabelecida até então.

O outro homem (Antonio) é mais resignado com a vida que tem: sustenta a casa, alimenta o companheiro e parece já ter deixado de sonhar com outras vidas possíveis: vive do mundo que tem, das migalhas de afeto violento que a relação complicada com seu companheiro lhe dá, só precisa dormir para começar um novo dia.

Os dois atores apresentam resultado crível de atuação — coisa, infelizmente, ainda rara em boa parte da cena paulistana, repleta de exageros e de um registro próximo ao escolar, coisa que não se passa nesta obra.

Ambos têm uma prosódia semelhante à de moradores de rua que muitos de nós evitamos cruzar pelas ruas da cidade. A proposta é tamanha que muitas frases soam em português ininteligível. Contudo, como em uma boa obra de teatro, o que as palavras escondem, os corpos revelam.

A direção aposta no teatro de estado proposto pela dramaturgia, investindo em silêncios que trazem tensão para os momentos de fala. Talvez trouxesse mais potência à obra, sobretudo no contexto sociopolítico do Brasil atual, apostar em uma virada dramatúrgica mais forte, descortinando a relação que une aqueles dois — há um ódio mútuo contido presente; qual sua origem?.

De todo modo, a encenação apresenta a banalidade com que se enxerga a vida do outro na obsessão de um consigo mesmo, com seu próprio desejo. Essa violência, que pode ser materializada ou não, está presente em boa parte das relações contemporâneas, independentemente de classe social. Muitos por aí agem como predadores que tiram do outro o máximo proveito e, diante de qualquer resistência, preferem destroçá-lo ao tentar a via do diálogo.

A peça da Cia. Contraponto mostra justamente isso, colocando a violência ali, tão perto de nós. Vale a pena passar por cima do outro para ter o que se quer? E a obra ainda dialoga com outro clássico do nosso teatro underground: Dois Perdidos Numa Noite Suja, escrita por Plínio Marcos em 1966.

Quase 50 anos depois, as coisas permanecem as mesmas (ou pioraram?), para desespero de todos nós.

Horário Nobre
Avaliação:
Bom
Quando: domingo, 19h. 60 min. Até 12/7/2015
Onde: Estação Satyros (praça Roosevelt, 132, metrô República, São Paulo, tel. 0/xx/11 9-8727-7338)
Quanto: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada)
Classificação etária: 16 anos

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1 Resultado

  1. Phillipe disse:

    Creio que, em certo aspecto, pioraram. Quando uma presidente eleita por um partido intitulado Partido dos Trabalhadores veta regras de aposentadoria que são contra os trabalhadores, realmente é a realidade brutal que nos esbofeteia a face. Se a esperta Rihanna lança o antenado “AMERICAN OXYGEN”, mostrando a face de uma nova “America” (?) – coisa de prepotência americana, já que existem ainda a Central e a do Sul e a do Norte não é apenas os EUA -, por aqui, medo e revolta. HORÁRIO NOBRE é um retrato do país. O homem resignado é o povo resignado, que aceita tudo calado, incluindo o agressivo aumento da energia elétrica. Espero que o outro personagem seja também o povo capaz de se rebelar e promover o “impeachment”. Há realmente muita dignidade nessa peça e, sem qualquer dúvida, eu a vejo como um retrato sociopolítico do Brasil atual.

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