Aline Negra Silva conta experiência na Polônia

A diretora e atriz Aline Negra Silva: ela representa o teatro brasileiro na Polônia – Foto: Divulgação

Por MIGUEL ARCANJO PRADO

Aline Negra Silva curte os últimos dias na Polônia. A diretora e atriz paulista faz intercâmbio no país desde 21 de outubro. A experiência internacional termina em 22 de dezembro e é uma promoção da SP Escola de Teatro, onde Aline estudou direção. Ela e Felipe de Oliveira, cenógrafo e figurinista, foram os selecionados. A partir do dia 19 deste mês, Aline apresenta a peça A Confissão de um Masoquista, de Roman Sikora, com sua direção. Cartazes da obra já estão espalhados pela cidade polonesa de Gniezno. O Atores & Bastidores do R7 pediu para a artista contar como está sendo sua experiência por lá. Veja só:

“A oportunidade de estar na Polônia como residência artística foi lançada pela SP Escola de Teatro no edital de chamamento para diretores teatrais e cenógrafos-figurinistas aprendizes desta instituição. Seriam escolhidos duas duplas, na qual uma dupla composta por um diretor e cenógrafo-figurinista ficaria no Brasil e outra seguiria para a Polônia.

A proposta desta residência é montar um espetáculo teatral chamado A Confissão de um Masoquista ou Labirinto do Mundo e Paraíso do Chicote, do dramaturgo checo Roman Sikora, no teatro polonês Teatr im. Aleksandra Fredy w Gnieznie, localizado na cidade de Gniezno, com atores e técnicos profissionais locais e outra no estúdio da SP Escola, em São Paulo, com outra equipe local. Ambas com estréia marcada para o dia 19 de dezembro deste ano.

Felipe de Oliveira e Aline Negra Silva: selecionados para intercâmbio na Polônia pela SP Escola de Teatro – Foto: Divulgação

O cenógrafo-figurinista Felipe de Oliveira e eu fomos selecionados para compormos o programa inaugural de artistas residentes do Teatr im. Aleksandra Fredy w Gnieznie com equipe formada por atores, técnicos e administrativo. Estes fazem parte do quadro de funcionários agenciados pelo Estado que, como em alguns países europeus, tem suas montagens teatrais subsidiadas pelo Estado que contribui com os recursos: físico, humano e financeiro.  Com o sucesso destas montagens, tornam-se repertório do teatro que, consequentemente, tem possibilidade duradoura em apresentar-se a um maior número possível de pessoas.

Diferentemente, no Brasil artistas e técnicos são profissionais autônomos munidos geralmente de CNPJ, na qual vivem em busca dos mesmos recursos, através do patrocínio, incentivos fiscais, apoio, contratações por instituições privadas ou públicas, prêmio edital entre outros. Aqui, na Polônia, os artistas e demais trabalhadores, não necessariamente precisam criar empresas para poder exercer seu ofício.

E minha experiência inicia-se a partir deste fator: a relação que estes profissionais têm com o teatro. Um emprego com duração de 08 horas ou mais de jornada de trabalho é algo para se pensar em relação ao ofício do artista: sua integridade criativa e respeito por sua profissão, bem como a dignidade em viver de seu ofício. Pergunto-me se isto funcionaria em nosso país e como poderíamos pensar em novas estruturas para isso. Mas isso já é outra conversa que devemos deixar para outro momento.

A próxima experiência é o contato com os artistas locais e sua forma de trabalho, o cristianismo e o sistema capitalista no país que fez parte da extinta URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Aproximo-me dos atores poloneses ao passo que compreendo o conhecido método de um dos maiores teóricos e sistematizadores do trabalho de ator, Constantin Stanislavski.

Muito utilizado pelas escolas de teatro, é por conseqüência base técnica de atuação para alguns atores não só no Brasil, mas também na Polônia. A partir deste momento entendo que o que tenho a propor e compartilhar aos atores como método de criação vai ser diferente da habitual na qual eles estão acostumados a trabalhar. Então me empenho para que as ações sejam e propositivas e férteis para ambos os lados.

Semelhanças

Essa novidade vem também com questões culturais e singularidades do povo polonês, bem como as pluralidades que tangem este país. Um povo que se assemelha ao brasileiro no quesito religioso cristão, sendo que a maior religião do país é a igreja católica tal qual no Brasil. O comportamento oriundo desta religião, bem como a introdução do capitalismo financeiro, pós-guerra fria, também são materiais interessantes para reflexão e análise no desenvolvimento do processo criativo.

A partir deste dado tento unir o estudo dos processos de atuação dos atores poloneses, sua cultura em constante transformação e mixar o que venho investigando sobre o trabalho do ator e sua autonomia na cena. Porque cada ator é um indivíduo criativo que pode manifestar suas inquietudes com o mundo; suas próprias fantasias, e seguir adiante com suas interpretações perante ao texto sugerido.

A partir desta conotação inicio o trabalho com os atores explorando elementos do Teatro Físico, através de duas abordagens: a primeira, tendo como ponto de partida a pesquisa sobre o movimento que destaque a expressão física do ator; e a segunda usando elementos da dança combinada com diferentes suportes de material tais como a projeção de vídeo, música e luzes.

 

A diretora Aline Negra Silva, durante ensaio com atores na Polônia – Foto: Divulgação

Masoquista e Mister M.

E a próxima experiência que evidencio é a montagem do espetáculo “A Confissão de um Masoquista” que explora as camadas da perversão humana, na qual, procura o prazer na dor física e nas humilhações através da dominação. Quando se fala em masoquismo relacionamos diretamente ao contexto sexual de um grupo de padrões de comportamento determinados, mas o dramaturgo desta peça, Roman Sikora, nos apresenta algo mais profundo e interessante, que com bom humor, ironia e sarcasmo podemos ‘sacar’ que isto é uma metáfora sobre nós mesmos.

Ao refletir sobre atitudes de quando nós parecemos gostar de sofrimento ou de humilhação, nesta peça, percebemos que as questões levantadas vão além do universo privado de um homem comum e cruzam a fronteira do mundo real, narrados pelo protagonista Mr. M.

Mr. M. é nosso herói. E como todo herói, tem sua jornada, como bem escreveu Joseph Campbell em seu famoso livro “O herói de mil faces”. Nesta jornada é mostrada passo a passo a trajetória de um homem, na qual observa-se a transformação deste sujeito ‘comum’ em um herói. Mesmo com todas as “provações” que surgem no meio do caminho ele tem uma revelação. E é nesta revelação que começamos a trabalhar o conceito deste projeto.

Em sua mente, um Cavalo Antropomórfico revela, numa metáfora delirante, que o caminho para o prazer máximo enquanto masoquista, não será mais frequentando a grupos que destinam o mesmo interesse sexual e sim ao universo do trabalho. O Cavalo Antropomórfico torna-se seu mentor, ensinando-o como se tornar um bom equino e recriar um mundo para cavalos. Logo, o mundo se torna um grande estábulo para o nosso herói e para nós: o público.

Eis a grande metáfora que colocamos em cena: o mundo como um estábulo, na qual desejamos e sentimos prazer em trabalhar duro, como cavalos. Quem nunca trabalhou em condições precárias, ou ganhou muito pouco por muitas horas de trabalho? Ou sofreu algum tipo de abuso ou humilhação dentro do ambiente de trabalho? Se nunca trabalhou nestas condições, pelo menos conhece alguém nesta situação. E muitas vezes se permitiu trabalhar nestas condições criando desculpas, ou mostrando que não há soluções para mudanças. Realmente não há? Realmente devemos continuar a aceitar e nos permitir sermos escravizados por um sistema precário e desumano? Vivemos nossas pequenas tragédias, dando a elas o máximo de importância e nos esquecemos do entorno.

Gniezno, com a catedral da cidade, na Polônia: intercâmbio entre teatros polonês e brasileiro – Foto: Divulgação

Grandioso país

Pensando sobre estas questões, tentamos evidenciar as personagens e a situação de acordo com o que estamos passando contemporaneamente com a invasão da privacidade com os programas de TV tais como os reality shows. Assim a cenografia explora o campo do sensacionalismo televisivo tendo como “cenário” de TV um  estábulo. Neste programa é revelado as estruturas e camadas desta sociedade bem como as camadas da mente de Mr. M por meio de câmera ao vivo e vídeos que estão sendo projetadas em uma tela grande.

Enfim, estes são os contornos criados e vistos sob o ponto de vista de Mr. M, que oriunda sua crise em seu íntimo e transborda globalmente. Em outras palavras, seus sentimentos e experiências agora pertencem, não só a ele, mas também a toda a sociedade mundial.

E nesta possibilidade de intercâmbio vivencio e compartilho minhas experiências com demais pessoas na qual acredito ter a oportunidade de crescimento artístico-pessoal. Penso que este seja o melhor momento para descobrir novas linguagens e aprofundar minha pesquisa pessoal no encontro com novos costumes, tradições e linguagens artístico-culturais neste grandioso país que é a Polônia.

Aline Negra Silva

Ensaio de A Confissão de um Masoquista, dirigida por Aline Negra Silva na Polônia – Foto: Dawid Stube

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2 Resultados

  1. Phillipe disse:

    Confesso que li tudo com interesse até a parte “MASOQUISTA E MISTER M.”. Conversas e textos sobre perversão não me interessam. Ao contrário, desagradam-me profundamente. Só realmente terminei de ler o texto porque conheço o trabalho de Aline através do blog e a respeito muito. Digo mais: Aline se expressa maravilhosamente, é articuladíssima e é um prazer ler o que ela escreve, contudo esse tema (perversão) é um dos que, definitivamente, menos me interessam. Nesta semana, através do noticiário, vi que uma pessoa no Brasil alegou ter praticado cerca de 40 homicídios. Então, acho que já há perversão demais nos noticiários – que informam o que ocorre no mundo real – e, por opção, entre ir ver uma peça sobre perversão e ficar em meu lar, opto por permanecer em meu lar. Prefiro ir para a cozinha lavar louça. Mas respeito quem opta por ir ao teatro ver uma peça com esse tema, assim como respeito profundamente Aline e meu xará Felipe, que certamente deverão estar fazendo um excelente trabalho na Polônia. Se foram escolhidos, têm obviamente méritos e acredito que o Brasil está muito bem representado.

  1. 04/02/2016

    […] Em 2014, a diretora Aline Negra Silva fez intercâmbio na Polônia, quando dirigiu uma peça que foi premiada por lá, como contou na época ao site. […]

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