Crítica: Inglesa brada contra estupro em The Rape of Lucrece no Festival de Curitiba

Dor que não vai: Camille O’Sullivan em The Rape of Lucrece: estrela no Festival de Curitiba – Foto: Keith Pattison

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Enviado especial do R7 a Curitiba*

Uma plateia concentrada quase por total, não fosse a espectadora que resolveu levar um bebê de meses à obra e precisou sair às pressas por conta do choro infantil, assistiu, emocionada, à atriz e cantora inglesa Camille O’Sulivan bradar contra o estupro.

Acompanhada de um virtuoso pianista, ela protagonizou a obra musical-dramática The Rape of Lucrece (O Estupro de Lucrécia), atração internacional mais esperada do Festival de Teatro de Curitiba, apresentada no Teatro da Reitoria nos últimos dias 4 e 5 de abril.

O tema, tão delicado e necessário de ser tocado, está mais do que atual por aqui. Já que o Brasil contemporâneo, apesar da revolução feminista e da posição da mulher no mercado de trabalho, ainda escancara um machismo retrógrado. Pensamento que permite que um quarto da população admita em pensar que uma mulher “merece ser atacada” por conta das roupas que veste.

Atriz interpreta vítima e seu algoz – Foto: Keith Pattison

Mas, quem pensa que o espetáculo é fruto de uma dramaturgia contemporânea se engana. A peça é baseada em um poema escrito em 1594 por William Shakespeare (1564-1616), adaptada por Elizabeth Frestone, a diretora, Feargal Murray, o pianista em cena, e Camille O’Sullivan, a grande estrela, em uma realização da Royal Shakespeare Company, de Londres.

O cenário é mínimo, mas iluminado com sensibilidade: apenas grandes quadros pendurados, o piano ao canto do palco e, ao redor, pilhas de papeis manuscritos que remetem à feitura da obra.

Nele, Camille dona de belíssima voz que será arranhada aos poucos pelo sofrimento de sua personagem, Lucrece, também dá vida de forma impressionante a seu algoz, Tarquin, que a estupra a mulher do oficial romano Collatine no meio da noite, tirando para todo o sempre sua vontade de viver.

A atriz consegue construir a dor da violação da qual sua personagem é vítima, explicitando a vergonha, o nojo, a culpa e a perda da dignidade da vítima, para sempre maculada por seu algoz. Em seu grito de dor está presente a dor de toda mulher maltratada pela força bruta de um homem, seja por meio de atos violentos físicos ou verbais. Ela representa a fragilidade feminina dilacerada.

A encenação cria uma situação comovedora de intimidade entre artista e público. O fato de a atriz estar ali, praticamente sozinha no palco, acompanhada apenas de sua música, faz com que a plateia tenha vontade de acalentá-la e livrá-la daquele sofrimento. Sofrimento este que, de fato, nenhuma mulher merece.

The Rape of Lucrece
Avaliação: Muito bom

*O jornalista Miguel Arcanjo Prado viajou a convite do Festival de Teatro de Curitiba.

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1 Resultado

  1. Phillipe disse:

    Sem sombra de dúvida, nenhum(a) mulher ou homem merece passar por essa dor. É um crime hediondo, que corretamente recebe forte reprimenda estatal, pois pode acarretar danos psicológicos severos. É um tema muito delicado e que deve ser tratado com respeito às vítimas, que merecem irrestrito apoio.

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