Crítica: Vingança, o Musical faz amor rimar com dor

Vingança, o Musical está no Centro Cultural Banco do Brasil por R$ 6 – Foto: João Caldas

Por Miguel Arcanjo Prado

O mérito maior do espetáculo Vingança, o Musical, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, é trazer à baila o cancioneiro popular criado pelo gaúcho Lupicínio Rodrigues (1914-1974), marcado por boemia, amantes e traições, e descortinar para as novas gerações um comportamento social que já deixou de existir, pelo menos nos grandes centros urbanos.

Num País que tem boa parte da classe média (a nova e a antiga) que se deslumbra com qualquer coisa que tenha um carimbo norte-americano, ver valorizada a obra de um compositor nosso em um musical é realmente motivante.

A atriz Anna Toledo assumiu a difícil missão de transformar em dramaturgia as canções deixadas pelo compositor, em uma minuciosa seleção entre as centenas de músicas deixadas pelo artista. Aliás, Lupicínio Rodrigues fez de sua vida parte fundamental de sua obra.

Menino de infância pobre em Porto Alegre, cidade onde sempre viveu, mergulhou profundamente na vida boêmia – tanto que foi dono de vários bares -, nas paixões fugazes e no sofrimento advindo destas.

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Seu maior sucesso é a triste e doce Felicidade, composição de 1932 que o transformou em estrela eterna da música popular brasileira. A execução singela da canção é um dos mais belos momentos do espetáculo. Outra pérola de seu cancioneiro é Nervos de Aço, imortalizada na voz de Paulinho da Viola, também presente na montagem.

E é neste ambiente notívago tão caro a Lupicínio que Toledo ambienta a história que costura as canções: três triângulos amorosos cujo vértice é o embate entre a irmã casada e senhora digna com a irmã mulher da noite. A ironia da vida marca o encontro das duas na disputa pelo mesmo homem, o marido da primeira.

Um Brasil pré-bossa nova se descortina na montagem. Brasil no qual a música se confundia com dor de cotovelo. País onde homens mantinham uma senhora honesta em casa e uma amante na rua. Um mundo de gente que ainda não havia conhecido o amor, o sorriso e a flor trazidos por Antônio Carlos Jobim, Vinícius de Moraes e João Gilberto.

Apesar do acerto no pano de fundo, a dramaturgia da produção, feita com esmero pela Morente Forte, muitas vezes é óbvia, o que dá uma cara de novelão melodramático à montagem.

A direção de André Dias peca pelo mesmo simplismo, denotando certa falta de criatividade. Apesar de ser uma produção com menos recursos, quando comparada aos grandes musicais da Broadway costumeiramente em cartaz na cidade, o diretor poderia ter conduzido melhor seu elenco, as cenas e as movimentações no tablado.

Fábio Namatame, que costuma impressionar com os figurinos que faz, desta vez deixou o elenco pesado e balofo demais, sobretudo os homens. Uma silhueta mais justa poderia dar mais elegância à montagem ambientada nos anos 1950, época conhecida como os Anos Dourados. 

No elenco, Andrea Marquee é o destaque, com uma interpretação segura e debochada da empregada/cantora de bar Linda, cujo sonho é ser uma estrela do rádio. A personagem serve de elo de ligação entre os personagens e é quem provoca o desfecho da história, merecidamente. Além disso, Marquee canta como ninguém. 

Luciano Andrey, ator saído da EAD da USP e que no ano passado protagonizou a superprodução Priscilla – Rainha do Deserto, é subaproveitado pela direção, mas cumpre, com competência, o boêmio contraventor Alves. Outro com interpretação simples e eficiente é Sérgio Rufino, que defende seu personagem, Orlando, o dono do cabaré, com toda a certeza de quem sabe que menos é mais.

Por outro lado, falta força à personagem Maria Rosa, a irmã prostituta, interpretada por Ana Carolina Machado, que quase chega lá com sua protagonista. Jonathas Joba, na pele de Liduíno, homem casado apaixonado pela amante, vai no inverso da maioria do elenco e abusa do histrionismo. Para completar, Anna Toledo convence como a dona de casa abnegada, sofredora e vingativa Luzita.

Se a direção geral é irregular, Guilherme Terra acerta na direção musical, com elenco afinado e arranjos criativos para composições tão emblemáticas de nosso cancioneiro, executadas por seu piano, o violão de Jeferson de Lima e pela percussão de Ricardo Berti.

Apesar das observações, Vingança, o Musical consegue envolver a plateia e transportá-la para um mundo que já não existe mais, mundo embalado pelo samba-canção no qual amor rima com dor. Como, antes, tinha de ser. 

Vingança, o Musical
Avaliação: Bom
Quando: Terça a quinta, 20h. 90 min. Até 4/7/2013
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, Metrô São Bento ou Sé, São Paulo, tel.0/xx/11 3113-3651)
Quanto: R$ 6
Classificação etária: 16 anos

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1 Resultado

  1. Felipe disse:

    Primeiramente, parabéns pelo belo texto! Você estava inspirado, Miguelito! Estava realmente imerso num momento poético. E corroboro seu pensamento – muito acertado – de parar com esse deslumbramento ridículo com tudo o que é americano. O Brasil é muito rico culturalmente e é interessante ver iniciativas como VINGANÇA, O MUSICAL conseguindo fazer o resgate de nosso cancioneiro.

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