Crítica: Cubanos se destacam na 8ª Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo de São Paulo

 

Cena da obra cubana Talco, do Argos Teatro, destaque da Mostra Latino-americana de Teatro de Grupo

Por Miguel Arcanjo Prado

Durante seis dias São Paulo respirou as artes cênicas produzidas na América Latina, durante a 8ª Mostra Latino-americana de Teatro de Grupo, que terminou no último domingo (21), no Centro Cultural São Paulo.

Onze grupos de sete diferentes países apresentaram-se para o público paulistano em sessões gratuitas e representaram a diversidade do teatro feito nesta região do Planeta. Cada qual trouxe uma obra com sua visão de mundo, sua arte, seu recado, em um teatro marcado por muita opinião.

Argos Teatro: representante cubano em SP

Os cubanos do Argos Teatro foram, sem dúvida, o grande destaque. A peça Talco – Um Drama de Tocador apresentou atuações precisas em harmonioso conjunto formado pelos atores Waldo Franco, José Luis Hidalgo, Alexander Díaz e Rachel Pastor. Juntos, revelaram o submundo das drogas e da prostituição de uma Havana que mistura calor e decadência.

O diretor Carlos Celdrán (leia entrevista) potencializou a história com flashbacks e fez aposta certa no talento de seus intérpretes. A obra é forte, densa e bem construída. O alto nível artístico a coloca entre o melhor do teatro latino-americano, com personalidade própria e, claro, excesso de charme, como costumam ser os cubanos.

Hermanos argentinos: riso sem barreira do idioma

Argentinos fazem rir
Outros que conquistaram o público com simpatia de sobra foram os argentinos Cristian Palácios e Juan Manuel Caputo, a dupla da peça Alonso y Aguirre – Perdidoss em El Inframundo, da Cia. Nacional de Fósforos. A montagem infantil – que teria funcionado melhor em um horário da tarde – fez rir os espectadores paulistanos de variadas idades. Diante do talento dos rapazes para o humor, o público pouco se importou com a barreira do idioma – argentinos imitando um castelhano da Espanha – e mergulharam juntos na fantasia proposta pela obra sobre dois colonizadores picaretas com recursos simples e certeiros. Afinal de contas, o roteiro faz parte do passado de todos nós, latinos explorados por europeus ou norte-americanos.

Bandeira de Retalhos, de Sérgio Ricardo, narra resistência popular no Vidigal – Divulgação

Política e música do Nós do Morro
Os cariocas do grupo Nós do Morro investiram forte no discurso político, mas sem ser chatos, e também agradaram ao público paulistano com a montagem Bandeira de Retalhos, peça de Sérgio Ricardo dirigida por Guti Fraga e Fátima Domingues. Nada mais autêntico do que ver os artistas moradores da favela do Vidigal contarem seu próprio passado de ameaças de expulsão e opressão policial. Tudo feito em meio à boa música – também de Sérgio Ricardo – que conduz a história. A direção soube bem aproveitar o que cada ator poderia oferecer de melhor, criando um conjunto harmonioso e tocante. O público mergulha na simplicidade das atuações cheias de vontade e força. Apesar da longa duração, o espectador acompanha até o fim a saga daqueles moradores que buscam preservar o direito de moradia e de existência numa sociedade que os exclui. O grande achado da dramaturgia é dar este recado sem fazer maniqueísmos. Na peça, o pobre não é apenas o bonzinho oprimido pelo rico maldoso, mas pode ser também vilão, porque é gente também.

Paraibanos conquistaram plateia de SP com interior

Simplicidade brasileira
Os paraibanos do grupo Coletivo Teatral Sertão Teatro abusaram da simplicidade genuína do interior do Brasil para conquistar a plateia com o espetáculo Flor de Macambira. A obra representou arquétipos de nosso interior, como a menina pura e o coronel inescrupuloso e sanguinário, gerando comunicação imediata com o espectador, que comentou a obra pelos corredores do Centro Cultural SP. A brasilidade evidente no espetáculo dirigido por Christina Streva – de figurinos impecáveis – encheu os olhos de quem viu.

Baianos falaram do Massacre do Carandiru com vigor

Massacre do Carandiru
Outro espetáculo de forte teor social foi Salmo 91, com o grupo baiano Ateliê Voador Companhia de Teatro, sob direção de Djalma Thürler. Eles levaram ao palco o conhecido texto de Dib Carneiro Neto baseado na obra do médico Dráuzio Varella, já encenado na cidade. A obra dá vida, em monólogos interpretados por afinado elenco, formado por Fábio Vidal, Rafael Medrado, Duda Woyda, Lucas Lacerda e Lúcio Trancesi, a dez personagens mortos no Massacre do Carandiru, quando 111 presos foram assassinados por policiais militares no então maior presídio do País após uma rebelião. A montagem baiana é mais solta e menos técnica do que a paulistana de cinco anos atrás. Os atores do Ateliê muitas vezes não resistem e se comunicam diretamente com a plateia – fazendo do riso destes um respiro perigoso em meio a tanta tensão. Apesar disso, mantêm o peso do texto que busca lembrar que aquelas vítimas eram seres humanos, com tudo de bom e de ruim que isso significa. E a montagem ganhou ainda maior impacto por ser apresentada no mesmo dia em que policiais que participaram do crime foram condenados a mais de uma centena de anos de cadeia pela Justiça.

Mineiros fazem peça de Grace Passô: cenário contundente

Família mineira soterrada
Os mineiros do Teatro Invertido apostaram na história de uma família soterrada, criada por Grace Passô, na peça Os Ancestrais. O discurso social da montagem, mais forte no começo, acaba se misturando com os dramas pessoais dos irregulares personagens. O cenário de Fernando Marés se destaca, cheio de terra e sujeira, como metáfora do lixo social no qual aquela família está mergulhada. Apesar de alguns incômodos, sobretudo no final esperado e em algumas atuações sem viço, o espetáculo tem mérito: não tem medo de se arriscar.

Teatro Rabia: dramaturgia da fria Alemanha

Drama frio e saturado
Já os chilenos da Compañia Teatro Rabia ficaram devendo com o espetáculo Cara de Cuero, dirigido por Rodrigo Molina Meza. A montagem, apresentada no programa como uma reflexão sobre a violência do Estado pela força policial, não corresponde ao anúncio e acaba sendo um drama raso – e já saturado – sobre um casal decadente e alcoolizado, trancafiado por vontade própria em um apartamento. A dramaturgia fria e fraca, versão de um texto do alemão Helmut Krausser, pouco dialoga com América Latina, foco da mostra. Além disso, os atores Mirta Traslaviña Acosta e Herman Heyne derrapam em uma construção forçada de seus personagens e evidente falta de domínio de técnica corporal. Além disso, a máscara de couro utilizada pelo ator em boa parte da peça fez com que sua fala fosse ininteligível. Uma abertura maior na região da boca teria resolvido o problema.

Grupo peruano levou poesia ao palco do CCSP

Expandindo fronteiras
Os peruanos do Centro de Experimentación Escénica saíram-se melhor com o espetáculo Halcon de Oro – Q´orihuana. Um misto de teatro, performance e pantonima, o espetáculo revela – sem falas – os sentimentos e os desvarios de um ex-combatente trancado em um manicômio, interpretado pelo intérprete potente Rodolfo Rodríguez, que contracena com o preciso Alfredo Alarcón. A peça experimenta as fronteiras do teatro e as expande, sem fazer disso uma aventura artística egoísta, como nos cansamos de ver. Muito pelo contrário, pega o público pela mão e o leva junto naquela viagem. Aí, faz todo o sentido.

Diversidade no palco
A 8ª Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo ainda contou com as apresentações do equatoriano El Muégano Teatro, que apresentou Karaokê la Orquesta Vacía; do paulistano Mamulengo da Folia, com A Folia no Terreiro de Seu Mané Pacaru; e da porto-riquenha Cia. Taller de Otra Cosa, que levou ao palco a obra Coraje II. Com altos e baixos, o evento cumpriu sua função: mostrar o que os grupos latino-americanos de teatro andam produzindo, em uma chance única para o público paulistano dialogar com espetáculos e artistas de distintos lugares, cada qual com sua visão de mundo e seu recado artístico. Que venha a 9ª edição!

8ª Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo
Avaliação: Bom

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5 Resultados

  1. Felipe disse:

    Que bom para aqueles que são inteligentes de aproveitar essa oportunidade, porque não são todos os estados da federação que disponibilizam essas chances para o público!

    • Miguel Arcanjo Prado disse:

      Deveria ter um festival assim em todos os Estados, né? No seu tem algum festival de teatro, Felipe? Conte para gente!

  2. Felipe disse:

    Torço pelo HALCON DE ORO, do Peru.

  3. Felipe disse:

    Nunca ouvi falar. Pode ter ocorrido, mas esporadicamente. O que já houve – e tenho crédito para falar porque fui – foi um festival de filmes italianos clássicos (muitos ainda em preto-e-branco). Assisti a dois filmes, um deles com a Gina Lollobrigida. E neste ano haverá outro festival, mas de franceses.

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