Entrevista de Quinta – Regina Duarte, atriz

Regina Duarte estrela peça Raimunda Raimunda no Teatro Raul Cortez - Foto: Francisco Cepeda/AgNews

Por Miguel Arcanjo Prado

Regina Duarte é nossa. É como se fosse alguém da família. Que a gente quer bem.

Aos 50 anos de carreira, grande parte dela na TV, e 65 de vida, ela resolveu ficar perto do público no teatro mais uma vez. Estrela e dirige a peça Raimunda Raimunda, do autor piauiense Francisco Pereira da Silva, que estreia nesta quinta (18), para convidados, no Teatro Raul Cortez, em São Paulo, onde cumpre temporada de sexta a domingo até 16 de dezembro.

É uma grande montagem. Regina contracena com oito atores, que interpretam 22 personagens em 24 cenários e usam 45 figurinos. Mas diz que não se cansa.

Com jeito meigo de menina, a atriz recebeu o Atores & Bastidores do R7 para esta Entrevista de Quinta especial. Falou de muitas coisas: da peça, da vida, da relação com a internet, com o novo tempo da TV e da vida, da paixão pela literatura e ainda se colocou disponível para interpretar o que Manoel Carlos quiser na última novela do autor.

Leia com toda calma do mundo:

Miguel Arcanjo Prado – Seu mais recente papel na TV foi a Clô, em O Astro. Estávamos sentindo falta de você ter um papel à altura. Lembro pensei: a Regina tem de matar o Salomão Hayalla… E você o matou.
Regina Duarte – Foi maravilhoso e surpreendente. Achava que iria fazer um trabalho para uma minoria. Porque às vezes entrava até meia-noite. Mas fiquei surpreendida de ver a quantidade de audiência. Fiquei muito feliz. Ela entrava arrebentando, com dramaticidade. Depois, foi ficando engraçada. Os autores gostavam de escrever para ela.

Miguel Arcanjo Prado – E a crítica também gostou da Clô…
Regina Duarte – [risos] Sim, vocês jornalistas, os internautas… Foi um presente. E foi justo no ano que iniciei as comemorações dos 50 anos de carreira, porque comecei em 1961, no teatro amador, em Campinas, fazendo o palhaço em O Auto da Compadecida.

Miguel Arcanjo Prado – Pois é. Você começou com um texto nordestino. Agora, faz um texto de um piauiense.
Regina Duarte – Digo que o Francisco Pereira da Silva é da mesma família literária que o Ariano Suassuna. Engraçado, nada foi planejado. O espetáculo tem um humor nordestino, uma malícia ingênua. Ele se passa nos anos 40 e 50. Tem um ar mambembe, de cirquinho, um Bye Bye Brasil [referência ao filme de Cacá Diegues] que não existe mais, mas que faz parte da minha infância.

Regina Duarte faz pose - Foto: Francisco Cepeda/AgNews

Miguel Arcanjo Prado – Vem aí mais para frente a última novela do Maneco. Você espera estar nela?
Regina Duarte – Eu realmente adoro o Maneco, estou superdisponível. Topo uma participação se ele quiser, porque sei que ele já tem a Helena. Vai ser a Júlia [Lemmertz]. Mas topo qualquer coisa, porque gosto dele e sempre fui apaixonada pelo texto do Maneco.

Miguel Arcanjo Prado – Regina, como você lida com as redes sociais como Facebook e Twitter?
Regina Duarte – Eu não tenho nada disso. O povo escreve tudo assim, né [gesticulando]. Tudo pequenininho.

Miguel Arcanjo Prado – Mas como você lida com esse admirável e terrível mundo novo?
Regina Duarte – É exatamente isso. É admirável mesmo e terrível ao mesmo tempo. Tem de ter muito cuidado, porque roubam o nosso tempo mais do que seria preciso. Tem de sobrar tempo para a leitura, para conviver com pessoas. Tem de ir para o ar livre. Tenho um pouco de medo disso tudo que vem aí, se não tiver cuidado e atenção para isso. Não tenho as redes sociais, mas já fui viciada no Instagram, tirando foto do sapato, do pé. Absurdo! [risos] Hoje estou muito mais seletiva, entrando menos. [pensativa] É que eu vejo coisas interessantes no Instagram, ele me educou a ter um olhar poético sobre as coisas, a natureza, objetos, cenários…

Miguel Arcanjo Prado – A série Malu Mulher foi um marco. Tem uma cena na qual você a Christiane Torloni conversam na cozinha sobre o personagem do Dennis Carvalho, seu ex-marido e atual namorado dela. Aí a Malu entra numa viagem, fala que tem 33 anos e não fez nada ainda, que tinha vontade de ser artista… [interrompendo] Você se lembra de quem é o texto?
Miguel Arcanjo Prado – É do Maneco. O episódio se chama Com Unhas e Dentes.

Regina Duarte –

Regina Duarte – É a cara dele mesmo!
Miguel Arcanjo Prado – Eu me lembro que, quando vi pela primeira vez a cena, no DVD, fiquei de cara com o tempo que ela tem, que hoje não existe mais na TV.
Regina Duarte –
Isso! Tem uma com a Lúcia Alves que também é assim. A Malu está ciúme, porque o Pedro Henrique está namorando alguém. É aniversário dela e ele manda flores. Aí ela bebe e fica ela e a Lúcia Alves. Tem uma cena só de mulheres falando sobre a vida, sobre o amor… Olha, eu sinto falta desse timing. Ontem, a [jornalista] Monica Bergamo me perguntou do que eu tenho saudade e eu não sabia. E agora, com você falando isso, eu descobri. Eu tenho saudade de um timing. Você falou um negócio que eu tenho saudade, muita. Uma não preocupação com o ritmo. Ser aberto às interpretações e aos sentimentos do jeito que eles vêm.

Miguel Arcanjo Prado – Às vezes uma conversa de cozinha demora…
Regina Duarte – Sim, demora. Você fala… Eu não falo nada… Depois você fala “é…” Aí tem o silêncio. Isso eu sinto saudade porque não existe mais. Você acha que se fizer uma pausa maior o telespectador levanta e vai para cozinha tomar um café. Isso não é verdade. Com a pausa você não sai! Era nisso que os autores deveriam voltar a acreditar. Você não sai! [enfática]

Regina Duarte é Raimunda Raimunda nos palcos - Divulgação

Miguel Arcanjo Prado – Vamos falar da sua peça, Raimunda Raimunda. Você fez 35 novelas, mas só dez peças de teatro. Porque o teatro é algo temporão em sua vida?
Regina Duarte – Faço teatro quando sinto que o texto tenha a ver com o momento que estou vivendo. É uma opção bacana. Não faço teatro por fazer. Faço para me equipar melhor como atriz para a vitrine que é a TV. O teatro me dá o tempo de busca.

Miguel Arcanjo Prado – Por que resolveu dirigir também?
Regina Duarte – Porque conversei com três ou quatro diretores e não senti neles o mesmo entusiasmo que eu estava. Um me disse: “Eu não sei dirigir essa peça”. Eu falei: “Você sabe, se você sair das suas férias”. Claro que tive ajuda da diretora assistente, a Amanda Mendes, que organizou os planos de trabalho. Fez uma ponte entre meus delírios criativos e a equipe. Ela ficou hospedada em minha casa.

Miguel Arcanjo Prado – Quando começaram a trabalhar?
Regina Duarte – Desde maio. Terminei o filme Gata Velha Mia, do Rafael Primot, em abril e mergulhei na peça. Até emagreci. Eu emagreci porque me apaixonei. O apaixonado se alimenta da paixão. Eu me doei inteiramente. Além do Rio, já fizemos Fortaleza e Salvador, antes de chegar em São Paulo.

Miguel Arcanjo Prado – E de que fala a peça?
Regina Duarte – A peça fala da busca de ser feliz na vida e das opções que a gente faz para isso. Estamos sempre diante de bifurcações nas quais paramos e temos de optar por um caminho. A peça me fez investigar as opções que fiz na vida em busca da felicidade.

Miguel Arcanjo Prado – Em quem você buscou referência para dirigir?
Regina Duarte – Sempre tive muita sorte na vida. Comecei no teatro com Antunes Filho. Na Excelsior, comecei com Walter Avancini. Na Globo, com o Boni e o Daniel Filho. Sempre recebi personagens emblemáticos de grandes autores e sempre fui dirigida por grandes diretores. Porque ator sem um bom texto e a confiança de diretores e produtores não faz nada. Fica fazendo peça no palquinho de casa para os amigos. Eu tive sorte, mas também não dei moleza. Eu me dediquei muito, varei muita madrugada. Posso me orgulhar disso. Meus personagens sempre propunham uma identificação muito grande com a mulher brasileira e também eram interessantes e atraentes aos homens. No teatro, já fui dirigida também por Paulo José, Gabriel Villela, Jô Soares e José Possi Neto. Com todos eles aprendi. Faço o que gosto e sou muito feliz. Tenho uma família linda e tive a sorte de cair nas graças de gente muito importante. Trabalho não me cansa. Se tivesse em casa sem fazer nada, estaria me arrastando.

Regina Duarte, de preto, posa com elenco de Raimunda Raimunda

Miguel Arcanjo Prado – Como lidou com o elenco jovem da peça?
Regina Duarte – Aprendi muito. Pude trocar. Dormia três, quatro horas por dia. Pensei: “Gente, virei o Chico Anysio”. Porque dizem que ele não dormia. Fidel Castro também dizem que é assim… [Pensativa] Tem uma figura no elenco que é o contestador. Tudo que eu falava no ensaio ele dizia: “não concordo”. Eu ficava aflita. Não conseguia ganhar. Aí falei com a Amanda Mendes, minha assistente de direção: “Esse menino vai me dar trabalho”. Aí ela respondeu: “É bom que ele dê. Porque o pior elenco é aquele que só diz amém”. Então, deixei ele contestar à vontade. E a melhor gargalhada do espetáculo quem me deu foi ele. Num dos ensaios trocamos, e ele fez a Raimunda. Ele fez uma coisa incrível que virou o grande momento do espetáculo. Só não vou contar quem ele é. Tem de ir na peça e tentar descobrir quem é o ator contestador [risos].

Miguel Arcanjo Prado – E a história de ser a namoradinha do Brasil?
Regina Duarte – Olha, eu tenho sempre dito que algumas coisas do passado não precisam voltar. O título é um carinho, mas não tenho mais nada dela. Que descanse em paz.

Miguel Arcanjo Prado – É verdade que você vai nomear um centro cultural em Franca, onde nasceu?
Regina Duarte – É isso mesmo. Vai ser na casa que nasci na vila militar. Estou vivendo um ano festivo. Nada foi planejado… Me perguntaram por que não fiz uma peça do Nelson Rodrigues, porque é centenário dele. Eu nem sabia que seria. Acho que vou fazer uma leitura… Sempre tive fascínio e medo do Nelson Rodrigues. Ai, que medo do Nelson! Ele mergulha em uma área que o ser humano tem aflição. Ele mexe com coisas obscuras. É o lado escuro da lua. Mas talvez esteja na hora de eu dar a volta na lua…

Miguel Arcanjo Prado – Você fica aflita nessa véspera de estreia?
Regina Duarte – Estou muito aflita. Igual criança fazendo aniversário e que fica pensando se os amiguinhos virão. Quero que a comunidade nordestina de São Paulo, que sei que é grande, venha em peso. Sou filha de cearenses. E quero todos os paulistanos venham também. Porque eu me considero paulistana. Sempre morei aqui [Regina mora no bairro dos Jardins] e vivi na ponte aérea para trabalhar no Rio. O paulistano é um público rápido, tem o racional mais forte. Mas na peça todo mundo relaxa e se diverte.

Miguel Arcanjo Prado – Bom, Regina, vamos terminando. Você quer falar mais alguma coisa?
Regina Duarte – Eu gostaria de aproveitar esse espaço que você está me dando para dizer que sou de uma geração que leu muito. A literatura é responsável pela qualidade da interpretação de toda uma geração de atores. Porque grandes autores mergulham no âmago do ser humano e descrevem com minúcia cada sentimento. Li Tolstói, Dostoievski, Eça de Queiroz, Jorge Amado, Machado de Assis, Adélia Prado…Por que eu estou falando isso? Porque me preocupa pensar num futuro onde a literatura não encontre espaço na vida moderna. Hoje temos muito espaço para informação, sem verticalizar nada. Você está de parabéns por este espaço. Temos de resistir a isso de alguma forma.

Regina Duarte conversa com o jornalista Miguel Arcanjo Prado - Foto: Adriana Balsanelli

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5 Resultados

  1. Gabriel Oliveira disse:

    A Regina Duarte é ótima, adorei sentir a presença dela aqui do meu lado. Foi essa sensação que sua entrevista causou-me. Um papo inteligente e que mostra a verdade que vivemos hoje. Não temos que nos prender a algo que nos rotule, assim como a Regina não é mais a “namoradinha do brasil” também temos de nos inovar, sem medo de perdemos nosso referencial. Porque a referência de nós pode ser um milhão de coisas, e não apenas uma.

  2. Luciana disse:

    Entrevista deliciosaaaaa…

  3. sa disse:

    Ela pode até não querer mais ainda é a namoradinha do Brasil sim, me lembro que uma epoca li na midia que queriam dizer que era Sandy nova namoradinha e ela mesma disse que não tinha passado o título para ninguem, o que acho ótimo. E digo mais ela ainda pode fazer Helena poís ainda está bonita e hoje em dias as senhoras estão cada vez mais ativas, namorando, além do que Julia é um tanto sem sal para o papel vai acabar mal asdim como a Helena de Tais Araujo. Se ela fizer um papel vai roubar a cena outra que merecia viver Helena era Lilia cabral mas a ultima deve ser Regina ótima entrevista, carinhosa, educada, elegante. Ela merece, nós também. Parabéns a ela e ao Miguel.

  4. Bruna Ferreira disse:

    Já é a segunda vez que eu leio a entrevista! Parabéns, Miguel! E a Regina é uma atriz maravilhosa. Quero vê-la no teatro e na próxima novela do Maneco. Beijos

  5. Carlos Luiz disse:

    Regina Duarte é e sempre será uma grande atriz. É bastante segura de si e inteligente. Ela se garante independente do que outras pessoas despeitadas falam dela. Se ela não fosse uma atriz talentosa e competente certamente não permaneceria a cinco décadas na mídia, principalmente, nos tempos atuais em que a competitividade é acirrada. Sendo assim, a sobrevivência dela como excelente atriz é graças a seu estudo, dedicação, ética e respeito com a profissão e colegas É claro que sempre aparecerão pessoas que não a admiram como profissional. É um direito de cada um. Esses usarão todos os argumentos possíveis para depreciar a imagem e desmerecer o trabalho dela como atriz, mas enfim, não dá para agradar a gregos e troianos. Para mim, aqueles que não fazem nada estão sempre dispostos a criticar os que fazem algo. Parece-me que esses detratores gostariam de ser ela, ter a fama, o ótimo salário e o status dela. Deveriam arriscar. Quem sabe não conseguiriam tal êxito nesse mundo de grande concorrência. Creio que não é para qualquer um. Digo o seguinte: Os ataques da inveja são os únicos em que o agressor, se pudesse, preferiria fazer o papel da vítima.
    Que Deus tenha misericórdia desses seres tão invejosos!

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