“Fiz o que pude, mas muito bem”, diz Edgard Navarro, homenageado na CineOP

O cineasta baiano Edgard Navarro chega aos 70 anos homenageado pela CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto: “Fiz o que pude, mas muito bem feito” – Foto: Leo Lara/Universo Produçao – Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo – UOL
ENVIADO ESPECIAL A OURO PRETO (MG) — “Foi como chegar ao pódio”, confessa o cineasta baiano Edgard Navarro em conversa exclusiva com o Blog do Arcanjo, no Centro de Convenções e Artes da Ufop, sobre ser o homenageado da 14ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, no momento em que celebra 70 anos de vida e 30 de seu emblemático filme “Superoutro”, de 1989.
“Comecei como um personagem azarão no cinema e me sinto como se tivesse vencido a corrida”, afirma o cineasta. “Nunca fiz uma carreira normal, com filmes para ganhar grana e serem sucesso de bilheteria. Não é pra mim. Não sou normal”, diz.
Ícone do cinema dito marginal, Navarro começou com o curta em Super-8 “Alice no País das Mil Novilhas” em 1976 e construiu uma filmografia aguerrida, feita sem concessões ao mercado e com forte recado de resistência artística no cinema.
Nela, se destacam títulos como “O Rei do Cangaço” (1977), “Superoutro” (1989), “Eu me Lembro” (2002), “O Homem que Não Dormia” (2011) e o recente “Abaixo a Gravidade” (2017).

Abraçado pela mulher, Mirian Brito Vale, e observado pelo amigo Juca Ferreira, o cineasta baiano Edgard Navarro é homenageado com o Troféu Vila Rica na 14ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, em Minas Gerais – Foto: Leo Lara/Universo Produçao – Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo – UOL
Na noite da última quinta (6), diante de um lotado Cine Vila Rica, em Ouro Preto, ele recebeu o Troféu Vila Rica das mãos do amigo de juventude Juca Ferreira, ex-ministro da Cultura e atual secretário municipal de Cultura de Belo Horizonte, que entregou a honraria ao conterrâneo a convite da Universo Produção, realizadora do evento. Foi aplaudido de pé.
Neste momento, muitas coisas passaram pela cabeça do cineasta baiano: “Foram muitos anos de uma luta solitária, um sonho inglório. Lembro do Evangelho que diz ‘buscai o Reino de Deus e o resto lhe será dado por acréscimo’. Eu me sinto assim em relação ao cinema com esta grande homenagem que recebo”, explica.

Edgard Navarro com o Troféu Vila Rica recebido na 14ª CineOP – Foto: Nereu Jr/Universo Produçao – Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo – UOL
Navarro conta que começou a carreira com vontade de falar coisas incômodas à sociedade. “Antes, preferia o cheiro do ralo, hoje, sou mais o cheiro da flor”, brinca, sobre a sabedoria adquirida ao longo das sete décadas de vida. “A yoga e a macrobiótica me ajudaram muito nesse processo”, conta.
No início, aos 26 anos, ele buscava “a contundência para balançar a humanidade”. Hoje, prefere “a luz, a bondade, a generosidade”, como quando faz questão de acariciar a cabeça deste jornalista durante a entrevista.
“Eu saí das trevas, hoje, quero a luz”, confessa. “Ser homenageado pela Mostra de Cinema de Ouro Preto dá sentido a tudo. Não foi porralouquice o que fiz. Tudo teve uma lógica própria, que essa homenagem me diz que estava certa”, avalia.

O cineasta Egard Navarro recebe os cumprimentos da mulher, Mirian Brito Vale, ao receber homenagem na 14ª CineOP- Foto: Nereu Jr/Universo Produção – Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo – UOL
Para ele, o reconhecimento é a prova de que seus filmes foram vistos e valorizados, sobretudo por olhares sensíveis ao seu discurso artístico. “O Jean-Claude Bernadet [crítico de cinema francês radicado em São Paulo e professor da USP] viu meu primeiro filme”, lembra ele, cultivador de diálogo também com a nova geração de realizadores e críticos de cinema.
“A grande virtude dos meus filmes é a sinceridade. É aquela máxima: Quer falar bem de algo? Fale de sim mesmo. ‘Ao falar da sua aldeia, você sempre se fala do universo'”, cita.
E conta uma grande influência em seu cinema: “Chico Buarque. Só de falar dele fico emocionado”, diz, com os olhos já vermelhos. Outras influências foram os cogumelos alucinógenos dos anos 1970. O cinema para ele foi uma espécie de tábua de salvação de um profundo mergulho na depressão. “Cheguei a pensar em suicídio… A marihuana me dava paranoia… Eu lutava o tempo todo para não enlouquecer”, recorda.
Entretanto, foi salvo pela arte. Sobre ter permanecido na Bahia, diz que isso foi fruto de uma atitude apaixonada. “Tinha um grande amor que não conseguiria viver sem, era dependente, mesmo. Então, fui conservador, fiquei”, fala, para logo emendar.
“Mas não me arrependo. Tem uma cena de ‘Superoutro’ que mostra isso quando se pergunta se o personagem está no Pão de Açúcar, se foi para a Globo. Eu não posso isso, não tenho munição, cacife, bala na agulh. Eu fiz o que eu pude sendo quem sou, mas fiz muito bem, disso posso me orgulhar”, conclui com um grande sorriso no rosto.

O cineasta baiano Edgard Navarro em Ouro Preto: ele é o homenageado da 14ª CineOP – Foto: Leo Lara/Universo Produção – Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo – UOL
*O colunista Miguel Arcanjo Prado viajou a convite da 14ª CineOP e da Universo Produção.