★★★★ Crítica: Invejosa, série argentina da Netflix, é um espelho cômico das neuras que impedem a felicidade

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
★★★★
INVEJOSA
Avaliação: Muito Bom
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Série argentina na Netflix
A série argentina Invejosa (Envidiosa, em espanhol) é um espelho cômico das neuras que impedem a felicidade, criando a protagonista que é antagonista de si mesma, em interpretação deslumbrante pela atriz Griselda Siciliani. A série, que já tem três temporadas disponívels na Netflix e prepara a quarta e última temporada, é uma agitada comédia, que oferece um precioso percurso pela psique da mulher moderna.
Griselda Siciliani encarna Victoria, uma decoradora prestes a cruzar a fatídica linha dos 40, que entra em desespero diante dos sonhos ainda não cumpridos, sobretudo casar, ter filhos e morar em uma casa em um rico condomínio. Não é que Victoria seja má; ela é, antes, vítima de uma patologia social exposta com desarmante franqueza: a inveja. Esta série, escrita com astúcia por Carolina Aguirre e produzida por Adrián Suar, tem o mérito de não maquiar as sombras, recusando-se a justificar as cavernas que todos abrigamos, um diferencial que a eleva acima do clichê.
A estrutura da narrativa é um dos seus pilares mais robustos. Os 12 episódios da primeira temporada desenrolam-se com uma agilidade que faz a série quase aditiva.

A série opera um movimento sutil e inteligente ao utilizar a sessão de terapia de Vicky (o vínculo desopilante com a psicanalista Fernanda, interpretada com perspicácia por Lorena Vega) como um portal cênico. Não custa lembrar que Buenos Aires é a cidade com mais psicólogos por habitante no mundo. A câmera migra do divã para as cenas recriadas, transformando o consultório em um palanque para flashbacks esclarecedores. Este recurso é uma ponte engenhosa que confere leveza à exposição de um sentimento pesado, costurando confissão e ação.
Esteticamente, Victoria é apresentada com uma intencionalidade arquetípica: uma espécie de Barbie madura, banhada em rosa-choque, que evoca a Susanita de Quino, a amiguinha conservadora de Mafalda que sonhava com uma vida moldada e convencional. É um visual que funciona como um disfarce para a turbulência interna, um artifício estético que sublinha a descompensação entre a fachada e o interior.

Elenco talentoso
O protagonismo absoluto de Griselda Siciliani é sabiamente temperado por um elenco de notável calibre. O contraponto oferecido pelo sutil Esteban Lamothe, o vizinho sensato e amigo de contenção, é a âncora humana que impede Vicky de naufragar no próprio caos, compondo um dos mais belos vínculos da série e que acaba ganhando cada vez mais protagonismo com o desenrolar da mesma. Mesmo que Victoria tenha de competir com a colega de trabalho do rapaz, a imigrante chinesa interpretada por Débora Nishimoto. Vicky ainda compete com outra mulher, Bruna, a belíssima e jovem namorada brasileira do ex de Vicky (Martin Garabal, na pele do típico homem pamonha). Vivida pela baiana Milla Araújo, Bruna é daquelas personagens que impõe uma agradável leveza, que faz contraponto necessário à neurose constante da protagonista.

A série também mostra a importância da amizade sincera, com o grupo das fiéis amigas de Victoria, interpretadas por Bárbara Lombardo, Marina Belatti e Violeta Urtizberea, às quais se somam, na rede de contenção, sua irmã, vivida por Pilar Gamboa — casada com o bonachão interpretado por Adrián Lakerman —, e sua jovial mãe, papel de Susana Pampín. Todas excelentes atrizes. Para completar o elenco, ainda há o chefe galã tóxico de Vicky, vivido por Benjamin Vicuña, que esconde a mulher, interpretada por Leonora Balcarce.

Crítica social
Invejosa mostra o ridículo da busca incessante por por validação externa, enquanto a vida passa. Victoria tem uma ferida mal curada do passsado, o abandono do pai, e busca se afirmar a todo instante. Seu comportamento, uma manipulação não-maliciosa e uma autossabotagem desesperada, é o reflexo de um sistema nervoso em alerta, buscando a qualquer custo provar-se digna. Por medo de ser rejeitada, ela mesma destrói tudo. Por mais que a série tenha uma abordagem cômica muito bem escrita e atuada, tudo isso não deixa de ser triste e melancólico. A expectativa de uma possível evolução de Vicky, ainda que tropeçante, é o que nos mantém cativos à série, torcendo por seu redescobrimento, ainda que, a cada capítulo e trapalhada, com menos fé. Será possível Victoria abandonar de vez o vício na própria loucura?
Invejosa
(série da Argentina na Netflix)
Depois de resolver várias inseguranças do passado, Vicky está em uma fase de mudanças e novos desafios, diante de um mundo de possibilidades. Embora sua relação com Matías esteja mais estabelecida, esse amor exige que ela encare várias questões: a vida de casal, os ciúmes, a maternidade e a oportunidade de avançar profissionalmente em um ambiente competitivo. Assim, o que parecia ser um período de estabilidade vai se transformar em uma jornada de emoções e contradições, em que Vicky precisa descobrir que lugar seus desejos ocupam… mas sem perder o equilíbrio.














Editado por Miguel Arcanjo Prado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige Blog do Arcanjo e Prêmio Arcanjo. Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Cultura pela USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Três vezes eleito um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, Folha, Abril, Huffpost, Band, Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra os júris: Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio do Humor, Prêmio Governador do Estado, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio DID, Prêmio Canal Brasil. Venceu Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio ANCEC, Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado.
Foto: Rafa Marques
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