Matías Ferreyra, do filme argentino Una Casa Con Dos Perros, celebra destaque na CineBH: ‘Apaixonado pelo Brasil’

O cineasta argentino Matías Ferreyra, do filme Una Casa Con Dos Perros, durante participação na 19ª CineBH © Leo Fontes Universo Produção Blog do Arcanjo 2025

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo

Enviado especial a Belo Horizonte

O filme argentino Una Casa Con Dos Perros foi um dos destaques entre o público e a crítica especializada durante a 19ª CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte, realizada pela Universo Produção entre 23 e 28 de setembro na capital de Minas Gerais. Seu diretor, o jovem cineasta argentino Matías Ferreira, 37 anos, conversou com o jornalista Miguel Arcanjo Prado sobre participar de seu primeiro festival cinematográfico no Brasil. Ele falou sobre seu elogiado filme e também comentou a situação complicada que vive o cinema na Argentina. Leia a entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo.

Miguel Arcanjo Prado – Como você teve a ideia de fazer Una Casa Con Dos Perros?
Matías Ferreyra –
No princípio eu tinha vários quadrinhos com notas que eu havia recoletado durante muito tempo, por vários anos. E eu comecei a sentir a necessidade de fazer um filme, que é algo que eu sempre quis fazer. Talvez é realmente para o que eu estive no cinema. Então, de repente, encontrei nesses quadrinhos um universo possível. E algo que me interessou muito, que era um universo familiar atravessado por uma crise, pelo olhar da infância. E uma nota particular que dizia que a família tradicional pode ser um lugar perigoso para crescer. E eu senti que isso era algo que. Eu tinha a potência suficiente para transformar-se em um filme. E, além disso, me interpelava muito por minha própria experiência de vida, por quem eu sou, por minha identidade e por como foi crescer também em uma família que foi se acomodando um pouco a isso, a aceitar que também eu podia ser diferente em muitos aspectos, pela sexualidade, pela identidade, pelos meus gostos. Então, acho que esse foi o ponto mais originário do meu filme.

Miguel Arcanjo Prado – Seu filme me fez recordar a obra de Lucrecia Martel, porque você também conseguiu fazer um cinema de estado, um cinema de atmosfera. Ela é uma inspiração?
Matías Ferreyra –
A mim, Lucrecia Martel, me encanta. Minha proximidade com o cinema tem muito a ver com ter visto seus filmes. Acho que minha geração é uma geração que aprendeu ou se aproximou do cinema graças aos cineastas como Lucrecia. Mas ela não foi uma referência direta. Acho que algo de tudo o que ela gera com seus filmes impregna meu trabalho, porque eu gosto muito, e também porque acho que tem uma visão em relação à vida do interior do país, à idiosincrácia dessas famílias que vivem em bairros de trabalhadores, longe da capital, onde tudo chega um pouco depois, um pouco mais tarde. Há certas lógicas que, dentro da organização social familiar, que talvez estejam mais arraigadas, que são mais difíceis de remover, à diferença da capital, que é onde talvez, por influência do exterior, sempre está mais permeável às tendências do resto do mundo. Então, eu acho que um pouco disso faz com que a o filme tenha uma semelhança [com a obra de Lucrecia Martel]. E algo que me interessou muito era poder construir uma sensação de suspense, como uma atmosfera em que em qualquer momento poderia chegar a apresentar algo inesperado, mal, negativo e, no entanto, como que isso esteja rodeando o filme, mas que não chega a acontecer. Acho que isso pode ser o que faz o meu filme e os filmes de Lucrecia Martel muito familiares.

O cineasta argentino Matías Ferreyra, do filme Una Casa Con Dos Perros, durante participação na 19ª CineBH © Leo Fontes Universo Produção Blog do Arcanjo 2025

Miguel Arcanjo Prado – Muitas vezes o cinema argentino é centrado em Buenos Aires e na classe média e elite portenha. Seu filme traz uma outra identidade argentina, que o mundo muitas vezes não conhece. Como se sente em relação a isso?
Matías Ferreyra –
Para mim é sempre conflictivo abordar esse tema, porque eu estou em uma tensão entre dois opostos, como a necessidade de representar o lugar também de onde eu vim, sem buscar 100% fazer isso. Em realidade, isso simplesmente se filtra no meu trabalho, porque eu sou de Córdoba. A coisas que fazem a identidade, ou que podem ser mais estruturais na identidade cordobesa, estão presentes no meu trabalho. Porque trabalho com os realizadores de lá, com os atores de lá. Mas, eu me resisto um pouco à etiqueta de cordobês, no sentido de que eu acho que a identidade às vezes pode ser uma armadilha quando nega outras coisas, quando legitima algo, mas anula outras coisas. Eu acho que a Córdoba é muito mais complexa, muito mais diversa do que só isso. Então, é certo que o filme tem uma vida particular, que é a vida do interior do país, e eu gosto que também isso se comece a pensar como parte do nacional, mas não diria estritamente que é um filme que se separa de um lugar para contar o cordobês.

Filme argentino Una Casa Con Dos Perros, de Matías Ferreira, é um dos destaques da 19ª CineBH – Divulgação Blog do Arcanjo 2025

Miguel Arcanjo Prado – Antes da exibição do seu filme na CineBH, você falou da situação complicada que vive atualmente o INCAA (Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales) da Argentina. Como está o cinema argentino neste momento?
Matías Ferreyra –
Bom, fazer cinema na Argentina está muito complicado, diria que praticamente não se pode fazer, exceto que o que está se produzindo por plataformas de streaming internacionais, tudo que vem como do sector privado. Mas o INCAA não está funcionando, está sob intervenção, está pausado, os projetos que estão pendentes das gestões prévias seguem o seu avanço dentro da gestão, mas vão muito mais lento, então isso gerou uma diminuição da quantidade de filmes em produção. E a situação não se ilumina. Então, eu tenho muita incerteza. E essa incerteza é muito angustiante, porque o que se põe em risco é a nossa própria fonte de trabalho e a possibilidade de continuar fazendo filmes. Então, não sei, espero que a história dê um giro inesperado, como costuma acontecer na Argentina, e também isso nos deixa um margem de esperança para que as coisas mudem e melhorem e possamos filmar mais, com mais diversidade, mais pluralidade de vozes, com mais fomento da parte do Estado. Porque, o pouco tempo que o Estado leva com o INCAA sob intervenção, deixou evidente que sem o Estado é impossível fazer filmes independentes. É necessário o apoio do Estado para poder fazermos mais filmes. E tmbém, inclusive, dialogar com o mercado, com o setor privado, mas não podemos fazer filmes sozinhos.

Miguel Arcanjo Prado – Matías, qual sua relação com o Brasil?
Matías Ferreyra –
Eu vim outras vezes, mas nunca a um festival de cinema, sempre foram a outras coisas. E posso te dizer que estou apaixonado pelo Brasil e por Belo Horizonte. Agora estou indo para o Rio, onde fico uma semana. Posso te dizer que os mineiros são um povo muito quente e receptivo, muito abertos, que compartilham com você sua cultura. Acabei de dizer a um dos jovens que, se eu não pudesse ir viver no México, que é onde eu tenho pensado ir viver, o Brasil também seria um grande destino, que é algo que eu estou pensando agora, depois de participar da CineBH. Também porque, bom, vocês estão em um momento muito rico, muito importante, com o governo de Lula e com tudo o que está acontecendo. Há muita produção audiovisual no Brasil, eu acho que entre os argentinos e os brasileiros temos uma certa amizade, como dois países que compartilham muitas coisas, então é muito agradável estar aqui, muito orgânico fazer redes com os profissionais do cinema daqui.

Miguel Arcanjo Prado – Você gostaria de fazer um filme no Brasil?
Matías Ferreyra –
Eu gostaria, sim. E seria muito bom!

O jornalista Miguel Arcanjo e o cineasta Matías Ferreyra na 19ª CineBH © Blog do Arcanjo 2025

Quem é MATÍAS FERREIRA
Diretor e roteirista. Formado em cinema pela Universidade Nacional de Córdoba. Atuou como roteirista tanto em animação quanto em ficção, em diferentes formatos. Trabalhou como roteirista no canal infantil Paka Paka e em projetos independentes do Estúdio OSA. Seus curta-metragens participaram de festivais como Annecy, Guadalajara, Prêmios Quirino, Prix Jeunesse, entre outros. Ainda como estudante, escreveu e dirigiu os curtas CAMPO SANTO (ficção em 16mm) e NOS(OTRXS). Em 2017, foi selecionado para uma bolsa de formação em roteiro em San Antonio de los Baños, Cuba. Seu longa de estreia é Una Casa Con Dos Perros (2025). @mati.grosello

O jornalista e crítico Miguel Arcanjo Prado viaja a convite da CineBH. Conteúdo produzido em parceria com a Universo Produção. Acompanhe a coberturra da Mostra CineBH!

Editado por Miguel Arcanjo Prado

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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige Blog do Arcanjo e Prêmio Arcanjo. Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Cultura pela USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Três vezes eleito um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, Folha, Abril, Huffpost, Band, Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra os júris: Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio do Humor, Prêmio Governador do Estado, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio DID, Prêmio Canal Brasil. Venceu Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio ANCEC, Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado.
Foto: Rafa Marques
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