O Auto do Fim do Tempo recria Velho Testamento nos tempos atuais

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
A peça O Auto do Fim do Tempo cria uma parábola dos dias atuais ao imaginar como seria o Velho Testamento escrito nos anos 2020 . Com dramaturgia de Fernanda Zancopé e direção de Dante Passarelli, a peça do Manás Laboratório de Dramaturgia utiliza um coro para contar 12 histórias sobre culpa, guerra, poder, fome e julgamento de um estado que não sabe que está em guerra, em um mundo em estado de esgotamento. A temporada de vinte apresentações acontece entre os dias 1º de setembro e 4 de novembro, às segundas e terças, às 21h, na sede do Manás, na Rua Treze de Maio, 222, Bixiga, São Paulo (compre seu ingresso).

A dramaturga Fernanda Zancopé partiu da ideia de imaginar como seria o Velho Testamento escrito nos anos 2020 – quais histórias estariam lá? – inspirada por uma leitura de Leandro Karnal que defende esse texto milenar como obra artística e mítica, capaz de registrar um modo de vida. Com essa ideia em mente e com observações do cotidiano, Zancopé escreveu 12 histórias sobre culpa, guerra, poder, fome e julgamento. “São relatos de situações ordinárias, tanto na esfera privada quanto na pública. Elas também tratam de relações interpessoais e dilemas econômicos”, explica.
As narrativas são transmitidas ao público por meio de um coro formado por Eduardo Leoni, Fernando Aveiro e a própria Fernanda Zancopé.

O diretor conta que a oralidade e a fisicalidade são centrais na condução do espetáculo. “Utilizamos dispositivos de coralidade físicos, vocais e cênicos para criar uma paisagem urbana que evoca uma procissão, uma tribuna, um show de música, uma peça teatral e outras tantas situações que apresentam um local em guerra que não sabe que está em guerra. É uma experiência sensorial”, explica Dante Passarelli.
Sinfonia teatral
Organizada em quatro grandes movimentos, como em uma sinfonia, a encenação representa a jornada da Heroína, uma menina que testemunhou todos episódios narrados e vai propor uma saída para aquela sociedade violenta. “Ela está tentando se reconectar à terra, ao ancestral”, diz Passarelli.
Cada movimento é guiado por um tema. O primeiro trata de culpa e julgamento; o segundo, de trabalho, fome e família; o terceiro é focado nas instituições; e o quarto é dedicado às reflexões da Heroína.

A mudança entre os atos é marcada por três elementos fundamentais: as projeções em vídeo de Vic Von Poser, a luz de Aline Santini e o trabalho corporal do elenco.
A diretora de movimento Ana Paula Lopez desenvolveu com o elenco fisicalidades que transitam entre mais fluida ou mais “pesada” e “dura”, a depender das temáticas abordadas.
Com a intenção de aproveitar todo o espaço do teatro de três andares, o cenógrafo Fernando Passetti construiu uma grande torre central rodeada de televisores, sugerindo um espaço industrial e contemporâneo.
Há também a preocupação em evocar temas bíblicos, mas a partir de uma relação com o quadro “Jardim das Delícias”, de Hieronymus Bosch. Por isso, para um dos atos, foi montado um chão verde com maçãs. O figurino também reflete essa mescla entre oposições de sagrado e profano, antigo e contemporâneo.
Todos esses elementos são costurados pela trilha sonora de Ale Martins. A música é dinâmica e reforça as emoções vistas em cena.
“Nossa intenção foi utilizar o auto medieval para abordar o fim do mundo como o conhecemos. Tudo se transforma, já nos ensinou a lei da dialética. Deparamo-nos, assim, com o ímpeto de seguir caminhando. E então, faz-se o caminho”, afirma Passarelli.
Manás Laboratório de Dramaturgia
Manás Laboratório de Dramaturgia é um núcleo de pesquisa em escrita cênica autoral criado em 2019, que nasceu entre as aulas do CPT de Antunes Filho, quando Dante Passarelli e Fernanda Zancopé se reuniam para discutir e escrever dramaturgia. O primeiro trabalho foi “Uma Cena de Amor para Francis Bacon”, texto de Fernanda, dirigido pela dupla, apresentado entre 2020 e 2021, contemplado pelo ProAC-LAB. O segundo foi “Por Um Pingo”, texto de Dante, também dirigido pela dupla, que estreou no Centro Cultural São Paulo em 2024, contemplado pelo Premio Zé Renato, indicado ao Prêmio Shell na categoria “Melhor Dramaturgia” e ao Prêmio Arcanjo em Teatro Contemporâneo. Além das peças teatrais, desde então ambos desenvolveram pesquisas de mestrado na USP e na UNICAMP, respectivamente, buscando sempre expandir o diálogo com a sociedade através de aulas abertas, debates e oficinas de criação. A investigação do Laboratório é voltada para criação de textos dramatúrgicos originais encenados a partir de colaborações artísticas definidas a cada projeto. A partir de 2025, o grupo tem sua sede própria no Teatro Manás Laboratório, na Rua Treze de Maio 222 no Bixiga.
FICHA TÉCNICA
Dramaturgia: Fernanda Zancopé
Direção: Dante Passarelli
Elenco: Eduardo Leoni, Fernando Aveiro e Fernanda Zancopé
Cenografia: Fernando Passetti
Desenho de Luz: Aline Santini
Trilha sonora: Ale Martins
Figurino: Rosangela Ribeiro
Visagismo: Leopoldo Pacheco
Videografia: Vic Von Poser
Direção de Movimento: Ana Paula Lopez
Produção: Anayan Moretto
Design gráfico: Renan Suto
Fotografia de divulgação: Jamil Kubruk
Operação de luz: Taiguara Chagas
Realização: Manás Laboratório de Dramaturgia
SERVIÇO
O Auto do Fim do Tempo
Data: 1º de setembro a 4 de novembro, às segundas e terças, às 21h
Local: Teatro Manás Laboratório – Rua Treze de Maio, 222 – Bixiga
Ingresso: R$50 (Inteira) e R$25 (meia-entrada)
Disponíveis no Sympla: https://www.sympla.com.br/produtor/teatromanaslaboratorio
Instagram: @teatromanaslaboratorio
Duração: 75 minutos
Classificação: 14 anos
Editado por Miguel Arcanjo Prado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige Blog do Arcanjo e Prêmio Arcanjo. Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Cultura pela USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, Folha, Ed. Abril, Huffpost, Band, Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra os júris: Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio do Humor, Prêmio Governador do Estado, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio DID, Prêmio Canal Brasil. Venceu Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio ANCEC, Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado.
Foto: Rafa Marques
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