Teatro de Contêiner mobiliza artistas pela sua permanência após ação da GCM

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Com a força de agentes da GCM (Guarda Civil Municipal), incluindo o uso de spray de pimenta, a Prefeitura de São Paulo começou a executar, nesta terça (19), a ordem de despejo do Teatro de Contêiner Mungunzá, gerido pela Cia Mungunzá, e da ONG Tem Sentimento, do terreno e prédio que ocupam na região da Luz/Santa Efigênia, no centro da capital paulista, pertencentes ao município. Com palavras de ordem e pedindo apoio do público, os artistas resistem no espaço, onde realizam assembleias junto a movimentos sociais. A Prefeitura diz que já ofereceu dois terrenos legalizados para a transferência do Teatro de Contêiner e que os artistas não aceitaram as propostas. O poder público municipal indeferiu a prorrogação em 120 dias do prazo de permanência dos artistas no local, que vence às 23h59 desta quinta (21).

Após a ação dos agentes da GCM, que rapidamente viralizou nas redes sociais, com imagens dos atores Sandra Modesto e Marcos Felipe sendo imobilizados, centenas de artistas, sobretudo do teatro paulistano, foram para o Teatro de Contêiner. O local tem programação cultural intensa e amplamente reconhecida na região da antiga cracolândia há quase uma década. Lucas Beda, integrante do Teatro de Contêiner, definiu como “processo violentíssimo” a ação dos agentes municipais. “A gente tá chamando as pessoas para virem à programação do teatro, o Negras Melodias, no dia 21, a partir das 18h”, avisou, dizendo que manterão a programação na data em que se finda o prazo estabelecido pela Prefeitura para a saída dos artistas do local. O grupo ainda articula a presença da ministra da Cultura, Margareth Menezes, em um ato na próxima semana.
A ação da GCM no Teatro de Contêiner repercutiu inclusive internacionalmente, com uma manifestação de artistas brasileiros da coletivA ocupãção no Festival Daurillac, o grande evento de teatro de rua da França: “O Teatro de Contêiner é um teatro de resistência no centro de São Paulo, e por isso nós gritamos o Teatro de Contêiner resiste”, disseram os artistas brasileiros, fartamente aplaudidos pelo público presente na abertura do evento francês.

Ordem de despejo
A ordem de despejo foi emitida pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e a notificação foi enviada ao Teatro de Contêiner no dia 6 de agosto, e o prazo venceria nesta quinta (21). Os artistas haviam pedido mais 120 dias de prorrogação, o que foi indeferido pela Prefeitura. O subprefeito da Sé, Marcelo Vieira Salles, afirma no documento que o prazo é “improrrogável sob pena de implementação da gradação coercitiva”, como começou a ocorrer nesta terça.
O terreno ocupado pelo Teatro de Contêiner fica entre as ruas General Couto Magalhães, rua dos Gusmões e rua dos Protestantes, bem próximo da Estação Julio Prestes e da Sala São Paulo. O Teatro de Contêiner e a Prefeitura de São Paulo estão neste impasse pelo terreno desde agosto de 2024.
O Teatro de Contêiner afirma que tem atividades programadas até o fim de dezembro, contemplado pelo 41º Fomento ao Teatro da própria Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo e também com execução de dois ProAC, o fomento do Estado de São Paulo.

O que diz a Prefeitura de São Paulo
Em nota, a Prefeitura de São Paulo afirma que ofereceu duas alternativas de terrenos legalizados e maiores que o atual para o Teatro de Contêiner, um na rua Conselheiro Furtado, perto da Praça da Sé, e outro na rua Helvétia, perto do Minhocão. A Prefeitura ainda diz que as alternativas não foram aceitas pelos artistas e informa que concedeu mais de R$ 2,5 milhões ao Teatro de Contêiner por meio de apoio municipal.
A Prefeitura de São Paulo pretende fazer moradias populares no atual terreno ocupado pelo Teatro de Contêiner, com a construção de duas torres de apartamentos, em projeto entre Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB) e Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). [veja nota completa da Prefeitura ao fim do texto]

Teatro de Contêiner é polo cultural na região da antiga cracolândia
Fundado em 2016 e inaugurad em março de 2017 como um complexo cultural de conteineres instalado no terreno localizado na então cracolândia, o Teatro de Contêiner, conduzido pela Cia Mungunzá de Teatro, abrigou na última década não só espetáculos de teatro relevantes como também shows musicais, números de dança e de circo, encontros da classe artística e festivais, além de fazer um trabalho social com pessoas em situação de vulnerabilidade social, inclusive com doação de alimentos durante a pandemia a esta população.

Artistas apoiam o Teatro de Contêiner
O Teatro de Contêiner recebeu apoio nas redes para sua permanência de nomes da cultura e da classe teatral. Considerada a maior atriz do Brasil, a indicada o Oscar Fernanda Montenegro chegou a escreveu uma carta pública ao prefeito Ricardo Nunes, pedindo a permanência do Teatro de Contêiner no local onde ele está.
Peço, com muita esperança, Sr. Prefeito, que o senhor repense o fechamento, o despejo do ‘Teatro de Contêiner Mungunzá’, na Rua dos Gusmões, 43, Bairro Santa Ifigênia, onde, como base, esse Grupo já ocupa esse endereço faz 08 anos. Trata-se de uma companhia de teatro altamente criativa. São 17 anos de atividades. Mais de 4.000 projetos realizados, tendo como base esta sede nesse bairro. É uma companhia teatral fundamental em São Paulo e no Brasil. O ‘Teatro de Contêiner Mungunzá’, permanecendo nesse endereço na cidade de São Paulo, é um sinal de renascimento desse bairro. Um espaço de comunhão humana.
Fernanda Montenegro
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Governo Federal faz nota em apoio ao Teatro de Contêiner
O Governo Federal divulgou nota em apoio ao Teatro de Contêiner, assinada pelo Ministério da Cultura e pela Funarte.
O Ministério da Cultura e a Funarte manifestam veemente repúdio à ação policial empreendida pela Guarda Civil Metropolitana de São Paulo para retirar artistas do Teatro de Contêiner e membros da ONG Tem Sentimento de um prédio anexo ao terreno onde ficava o muro que cercava a Cracolândia, na Luz, região central de São Paulo, na tarde desta terça-feira (19).
Em ofício, até agora sem resposta, enviado ao prefeito Ricardo Nunes pela ministra da Cultura Margareth Menezes e pela presidenta da Funarte Maria Marighella, foi solicitada a ampliação do prazo dado pela Prefeitura para o despejo do coletivo artístico de sua sede, de modo a permitir que os entendimentos iniciados junto à Superintendência do Patrimônio da União para a busca de um novo terreno pudessem resultar positivamente. Lamentamos que o uso da força tenha substituído a continuidade do diálogo em prol da arte e da cultura, que cumprem papel relevante junto à comunidade do centro da capital paulista por meio da atuação do Teatro de Contêiner, da Cia Mungunzá e da ONG Tem Sentimento.
Reforçamos nosso apelo para que o prazo seja ampliado e a negociação pacífica retomada com a maior brevidade possível.
Ministério da Cultura (MinC)
Fundação Nacional de Artes (Funarte)
Nota da Prefeitura de São Paulo
A Prefeitura de São Paulo divulgou a seguinte nota sobre o caso Teatro de Contêiner no fim da tarde desta terça (19).
A Prefeitura de São Paulo indeferiu nesta terça-feira o pedido de prorrogação por mais 120 dias do prazo para o Teatro de Contêineres deixar o terreno que, desde 2016, é ocupado irregularmente na Rua dos Protestantes, na região central. A decisão da administração ocorre um ano depois do início das negociações, em agosto de 2024. Desde então, foram oferecidas duas áreas para realocação do espaço cultural. Uma delas tem cerca de 900 metros quadrados, três vezes maior do que o espaço onde o teatro funciona atualmente. A administração reitera já ter aportado R$ 2,5 milhões em apoio às atividades do grupo.
Como mais uma forma de reafirmar seu compromisso com a cultura da cidade e com a manutenção do Teatro de Contêiner Mungunzá, nesta terça-feira (19), a Prefeitua ofereceu mais uma alternativa ao grupo: um terreno de 687 m2 na Rua João Passaláqua, altura do número 140, na esquina com o Viaduto Julio de Mesquita, no Bixiga, em uma região repleta de teatros e restaurantes.
A área hoje ocupada pelo grupo está dentro de um amplo projeto de revitalização da Prefeitura, incluindo a construção de habitações e área de lazer.
Mesmo sendo a proprietária do terreno, a Prefeitura vem tentando neste último ano encontrar alternativas adequadas, por meio de um processo administrativo que trata da desocupação, com notificações, reuniões e tentativas de conciliação. Nesse período, a Prefeitura apresentou duas alternativas de terrenos regulares para a continuidade das atividades culturais: um na Rua Helvétia, nº 876, de 90 metros quadrados, mas com possibilidade de ampliação para 1.200 metros quadrados, e outro na Rua Conselheiro Furtado, nº 150, a poucos metros da Praça da Sé.
A Prefeitura de São Paulo, durante as negociações, colocou à disposição dois importantes centros culturais da cidade para que a companhia Mungunzá pudesse dar continuidade às suas apresentações até a instalação em outro endereço. Foram oferecidas as dependências do Centro Cultural São Paulo e da Galeria Olido.
O canal de diálogo continua aberto para a transferência do teatro a fim de dar início ao processo de revitalização da região. O prazo para desocupação do imóvel encerra-se em 21 de agosto de 2025, nesta quinta-feira, às 23h59. A partir desta data, a Prefeitura tomará as medidas cabíveis para retomar a área.
Em relação aos imóveis solicitados pela direção do Teatro – um na Rua Albuquerque Lins e outro na Rua Mauá -, a Prefeitura reitera que são áreas pertencentes ao governo do Estado, que já se manifestou pela impossibilidade de cessão pois estão em utilização. “Quanto à sugestão de utilização do Parque Jardim da Luz, trata-se de bem de uso comum do povo, vinculado à finalidade ambiental e de lazer, juridicamente incompatível com a instalação de equipamentos teatrais permanentes”, conforme trecho do ofício encaminhado ao Teatro Mungunzá.
Ao indeferir o pedido, a Subprefeitura da Sé argumenta que a prorrogação solicitada comprometeria o cronograma da política habitacional, de grande relevância social. “A Companhia foi notificada formalmente desde agosto de 2024 sobre a necessidade de desocupação, dispondo de prazo superior a um ano para planejar sua transição”, afirma a decisão. Além disso, ressalta que o grupo está nessa área “sem que jamais tenha havido cessão, permissão de uso ou qualquer título jurídico que legitime a ocupação”.
Segundo o site oficial, o TEATRO DE CONTÊINER MUNGUNZÁ é um complexo cultural e social, localizado no centro da cidade de São Paulo. Inicialmente pensado como “apenas um teatro”, sede da Cia. Mungunzá, hoje, além das apresentações teatrais e shows, é habitado por muitas linguagens, coletivos, movimentos e grupos. O Teatro de Contêiner atua no campo expandido da cultura. É um local onde se experimentam relações mais horizontais dentro do fazer artístico e da produção cultural. É um local aberto e poroso, sempre em conexão com seu entorno, um território marcado pela vulnerabilidade social. Ao longo de seus nove anos de atuação, o Teatro de Contêiner consolidou-se como um espaço raro, capaz de articular, de forma transversal, cultura, artes, lazer, economia criativa, direitos humanos, assistência social, saúde, educação e urbanismo.
Editado por Miguel Arcanjo Prado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige Blog do Arcanjo e Prêmio Arcanjo. Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Cultura pela USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, Folha, Ed. Abril, Huffpost, Band, Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra os júris: Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio do Humor, Prêmio Governador do Estado, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio DID, Prêmio Canal Brasil. Venceu Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio ANCEC, Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado.
Foto: Rafa Marques
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