Fórum de Tiradentes divulga Carta de Tiradentes 2025 com inúmeras demandas do audiovisual

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Enviado especial a Tiradentes, Minas Gerais
Na noite desta quarta, 29 de janeiro, chegou ao fim a terceira edição do Fórum de Tiradentes, realizado de 25 a 29 de janeiro, durante a 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes, sob coordenação de Mário Borgneth e Raquel Hallak d’Angelo. O Blog do Arcanjo acompanhou a leitura da Carta de Tiradentes, fruto de intensos debates, e divulga o longo documento na íntegra, abaixo.

3º FÓRUM DE TIRADENTES
25 a 29 de janeiro de 2025
CARTA DE TIRADENTES 2025
Nós, profissionais de todos os segmentos do ecossistema audiovisual e de todas as regiões do Brasil, nos reunimos, mais uma vez, na cidade de Tiradentes, para realizar a terceira edição do Fórum de Tiradentes.
A conjuntura do audiovisual brasileiro se transformou bastante desde janeiro de 2023, quando inauguramos o Fórum de Tiradentes, sob o signo da esperança impulsionada pela eleição do Presidente Lula, da reconstrução do Ministério da Cultura e da Secretaria do Audiovisual.
Reconhecemos o ciclo positivo que vivemos, considerando a situação de desmonte encontrada em 2022, agravada pelos efeitos da pandemia da COVID-19, embora persistam profundas preocupações e demandas em todas as áreas da atividade audiovisual.
Ao longo de 2023 e 2024, novas conquistas e retomadas foram alcançadas no setor, com destaque para:
● A reconstrução dos mecanismos institucionais de governança, como os novos Conselho Superior do Cinema e Comitê Gestor do FSA, e a retomada de ações de fomento;
– A prorrogação da Lei do Audiovisual, a renovação das Cotas de Tela e a aprovação do Marco Legal do Fomento à Cultura;
– A realização da IV Conferência Nacional de Cultura e a formulação em curso do Plano de Diretrizes e Metas do Audiovisual;
– A articulação do Governo Federal com estados, municípios e Distrito Federal para a execução da Lei Paulo Gustavo e da Política Nacional Aldir Blanc;
– A retomada de programas de exportação, o estabelecimento de novos acordos de cooperação internacional e os avanços para a formação de uma Film Commission Nacional;
– O desenvolvimento do modelo de governança para implantação da Rede Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros para a futura criação do Programa Nacional de Preservação Audiovisual;
– A retomada de parceria com o Ministério da Educação para a elaboração do Programa Nacional de Cinema na Escola, entre outras ações; e
– A cooperação com o Ministério da Indústria, Comércio e Serviços, que resultou na inclusão do audiovisual no Conselho Nacional de Desenvolvimento da Indústria e no Programa Nova Indústria Brasil, em curso.
Em 2025, a Mostra de Tiradentes traz como tema “Que Cinema é Esse?”, de forma a explorar a diversidade cinematográfica brasileira, a partir do pressuposto da construção de uma “soberania imaginativa”. Essa diversidade, que nos confere expressão e significado, deve constituir o foco das políticas públicas, e consideradas nas dimensões políticas, culturais, sociais e econômicas.
Hoje, o reconhecimento da complexidade que abrange os segmentos de Produção, Distribuição e Circulação, Exibição e Difusão, Formação e Educação, Pesquisa e Preservação, tem encontrado ressonância no processo liderado pelo Ministério da Cultura, visando a formulação do Plano de Diretrizes e Metas do Audiovisual, atualmente em construção.
O Fórum de Tiradentes, enquanto espaço de diálogo democrático entre os diferentes setores do ecossistema audiovisual, e destes com o Estado e a sociedade, propõe a construção de uma ampla mobilização e pactuação em favor de uma política de desenvolvimento do audiovisual brasileiro.
Assim, nesta terceira edição, o Fórum recebeu um conjunto de noventa profissionais de diferentes perfis, gerações, trajetórias e experiências, para realizar discussões a partir dos seguintes eixos centrais: a indústria e o papel estratégico dos pólos regionais; as ações de fomento para o setor; a emergência da pauta regulatória, especialmente para o VoD; a produção de dados e indicadores para qualificar as políticas públicas; e a pluralidade e a democratização do acesso.
Esse processo transversal permitiu a geração de um conjunto de proposições que será encaminhado para o Ministério da Cultura, em especial à Secretaria do Audiovisual e à Ancine, e para diversas instâncias federativas envolvidas com as políticas públicas, como os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Estados e Municípios, instituições representativas do setor, além de compartilhado com a sociedade.
O conjunto de proposições estará disponível em documento a ser publicizado. Entre as propostas para o encaminhamento no período de 2025 e 2026, destacamos as seguintes:
Revitalização da política nacional para o audiovisual
O Ministério da Cultura e a Presidência da República devem articular a mobilização do Executivo, Legislativo e Judiciário, estados, municípios, Distrito Federal e representações dos diversos segmentos do ecossistema do audiovisual para pactuar o apoio à revitalização da Política Nacional do Audiovisual, o desenvolvimento das formulações necessárias para estruturar e implementar o Sistema Setorial Nacional do Audiovisual e os desdobramentos programáticos do Plano de Diretrizes e Metas.
Governança e participação social
Promover a efetiva articulação de ações entre a Secretaria do Audiovisual, a ANCINE, o Conselho Superior de Cinema e o Comitê Gestor do FSA;
Implantar Câmaras Técnicas na Ancine e o Conselho Consultivo na Secretaria do Audiovisual com representação de todo o ecossistema do setor, além de formar a Comissão Tripartite, com representantes de estados, municípios, Distrito Federal e Ministério da Cultura, prevista no Sistema Nacional de Cultura.
Regulação do Vídeo sob Demanda – VoD
Avançar, com urgência, para a aprovação da regulação do VoD, a favor do setor e da indústria audiovisual brasileira independente e da soberania nacional. A articulação deve ser interministerial, envolvendo a ANCINE, liderada pelo Ministério da Cultura, encampada pela Presidência da República e de acordo com as proposições apresentadas pela Secretaria do Audiovisual neste Fórum.
Prorrogação da Lei do Audiovisual
Empreender os esforços necessários para a aprovação da Medida Provisória que prorrogou a Lei do Audiovisual no Congresso Nacional.
Marco Legal do Fomento à Cultura
Espelhar simplificações do Marco Legal de Fomento à Cultura nos regramentos e instruções normativas da Ancine, incluindo as demandas enviadas pelo setor durante a tramitação dessa regulação no Congresso Nacional.
Regulação dos Direitos Autorais
Avançar com as articulações necessárias para reconhecer, em lei, os direitos autorais de profissionais criadores do audiovisual brasileiro.
Desburocratização e revisão de direitos
Revisar as Instruções Normativas 158, 159, 119 e 126 que regram a execução orçamentária dos mecanismos de fomento, a classificação de nível das produtoras e a proponência dos projetos na ANCINE;
Revisar os direitos de contrapartida aos investidores que utilizem mecanismos de incentivo fiscal presentes nos artigos 3º, 3ºA da Lei do Audiovisual e artigo 39 da MP 2.228/01;
Revisar a proposta de Depósito Legal Universal para obras e registros audiovisuais, modificando a Lei 10.994/2004, promovendo descentralização e parametrização por meio de instituições estaduais e municipais.
Fundo Setorial do Audiovisual
Garantir o não contingenciamento dos recursos do FSA e aprovar na Lei Orçamentária da União recursos para investimentos não reembolsáveis e para o pagamento do agente financeiro;
Estabelecer calendário anual e plurianual dos editais;
Propor editais que contemplem a complexidade e a diversidade do mercado, com chamadas públicas distintas para atender a variedade de perfis dos agentes em todas as regiões, considerando as capacidades em desenvolvimento e as já instaladas;
Revisar critérios e métricas de avaliação dos editais;
Garantir no Plano Anual de Investimentos, recursos para todo o ecossistema do audiovisual e suas diferentes etapas da realização, com previsibilidade e continuidade anual, e especial atenção para o conteúdo infantil e infanto-juvenil.
Política Nacional Aldir Blanc – PNAB
Garantir a destinação de recursos para o audiovisual de acordo com as demandas locais, contemplando todo o ecossistema audiovisual;
Fortalecer a participação de agentes e entidades locais do setor no estabelecimento de diretrizes para a execução da PNAB na área do audiovisual;
Organizar cartilhas com modelos de editais em colaboração com entidades nacionais e locais.
Regionalização
Aprimorar mecanismos de gestão das políticas federativas com a formação e atualização contínua de gestores, considerando as especificidades territoriais;
Estimular e fomentar coproduções regionais, e reativar o modelo de co-execução, bem como parcerias regionais coordenadas que também contemplem os demais elos do ecossistema.
Política Internacional
Aprofundar parcerias com a América Latina, Mercosul, países de língua portuguesa, União Europeia, África, BRICs e Oriente Médio;
Fortalecer a atuação internacional e ampliar os investimentos da APEX e Embratur para a inclusão de novos mercados e de pequenas empresas nos programas de exportação;
Retomar as ações “Programa de Apoio à Participação Brasileira em Mostras e Festivais, Mercados, Laboratórios e Workshops Internacionais” e “Encontros com o Cinema Brasileiro”, além de ampliar e criar novas ações;
Estimular a formação e especialização de profissionais brasileiros de diversas áreas com foco na internacionalização;
Promover destinos internacionais de forma a circular a produção audiovisual, com a presença em mercados estratégicos e ativação em parceria com a Rede de Film Commissions Brasileiras.
Distribuição e Circulação de Obras
Estimular a formação de públicos, no sentido da valorização do cinema brasileiro, da emancipação e da cidadania;
Avançar, junto ao MEC, com a implantação da rede de salas públicas junto às universidades e institutos federais de ensino, com atenção à política curatorial e de programação;
Criar um sistema oficial de dados e indicadores para a contabilização de audiência na circulação e difusão de obras em espaços não comerciais;
Exibição e difusão do audiovisual brasileiro
Criar uma base regulatória inclusiva, valorizar o ofício da curadoria, programação e crítica, aumentar a presença do audiovisual nas escolas, com foco na universalização do acesso.
Construir e implementar ações contundentes para aumentar o público nas salas de cinema.
Ampliação do circuito de salas de cinema
Ampliar os investimentos para a manutenção e ampliação do circuito de salas de exibição de natureza comercial e de difusão cultural, ampliando a cobertura territorial no Brasil;
Empenhar investimentos à difusão da produção brasileira independente e incentivar programações voltadas à formação de público junto às instituições de educação básica, técnica e superior e à rede de pontos e pontões de cultura.
Rede de Comunicação Pública e streaming público
Reforçar a integração da EBC no ecossistema audiovisual brasileiro e sua liderança no campo público de televisão;
Ampliar a participação da EBC em coproduções e licenciamentos de produção independente de todas as regiões do País, e estimular o relacionamento com distribuidoras independentes;
Revitalizar os serviços da TV Escola para alcançar todo o território nacional;
Efetivar a plataforma de streaming pública, garantindo a democratização do acesso ao conteúdo independente brasileiro e possibilitando a criação de trilhas pedagógicas.
Democratização do acesso à internet
Avançar no Plano Nacional de Banda Larga e avaliar formas de indução da circulação e acesso, em todo território nacional, para obras audiovisuais brasileiras independentes.
Formação
Promover a formação audiovisual crítica e criativa, focada na democratização do acesso às obras brasileiras, com curadorias diversificadas e comprometidas com os Direitos Humanos;
Regulamentar a lei 13.006/14 a partir da articulação da proposta do Programa Nacional de Cinema na Escola com a Política Nacional de Educação Digital e a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas, para a constituição da memória e da imaginação na produção coletiva de conhecimento;
Garantir a qualidade na formação de educadores e agentes para todo o ecossistema audiovisual.
Preservação
Promover a ampla discussão, com representantes da sociedade civil organizada, redes e instituições do setor, sobre o modelo de governança para a estruturação da Rede Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros e do Programa Nacional de Preservação Audiovisual, para sua democrática implementação;
Garantir o financiamento, para as instituições de salvaguarda de patrimônio audiovisual nas cinco regiões do país.
Superação da precarização das relações de trabalho
Reconhecer a atividade dos trabalhadores da cultura com CNAE exclusivo;
Rever restrições para a contratação em regime CLT no regramento de prestação de contas.
Pesquisa e indicadores
Aprimorar parâmetros e metodologias para diagnósticos, mensuração e qualificação do ecossistema audiovisual brasileiro em colaboração com a Rede de Observatórios do Cinema, Audiovisual, Games e XR;
Garantir nos Arranjos Regionais a obrigação de realizar diagnósticos locais a partir de dados padronizados para o cumprimento da obrigatoriedade dos entes locais apresentarem relatórios do panorama audiovisual;
Garantir que o Ministério da Cultura articule com o IBGE a inclusão de dados relativos ao setor cultural na PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios contínua e na MUNIC – Pesquisa de Informações Básicas Municipais, especialmente no Suplemento Cultura.
Desenvolvimento econômico
Instituir Assessoria Especial de Desenvolvimento Econômico do Audiovisual junto à ANCINE, com a responsabilidade de operacionalizar e ampliar programas interministeriais;
Estender as linhas de financiamento para modernização e ampliação da infra-estrutura instalada no Brasil e adaptação e aperfeiçoamento de processos diante das novas tecnologias, bem como desonerar taxas de importação sobre equipamentos que não possuam similar nacional;
Promover o audiovisual brasileiro com investimento em filmes que tenham potencial para conquistar mercado e relevância nacional e internacional, além de promover uma campanha mundial de divulgação do cinema e do audiovisual brasileiro.
Campanha de informação e conscientização
Promover campanhas informativas periódicas para que a sociedade compreenda a importância do audiovisual brasileiro e das políticas culturais no fortalecimento da cidadania, bem como seu papel na geração de renda, receita e empregos.
Por fim, o Fórum de Tiradentes recomenda, frente aos graves retrocessos em prática no mundo, o compromisso com a defesa da soberania nacional, dos Direitos Humanos, da diversidade racial, de gênero e territorial brasileira.
Tiradentes, 29 de janeiro de 2025.
Mário Borgneth
Raquel Hallak d’Angelo
Coordenação Geral | 3º Fórum de Tiradentes
Alessandra Meleiro
Debora Ivanov
Tatiana Carvalho Costa
Coordenação Executiva | 3º Fórum de Tiradentes
Adriana Fresquet – GT Formação
Alessandra Meleiro – GT Observatórios
Cintia Domit Bittar – GT Produção
José Quental – GT Preservação
Lia Bahia – GT Distribuição
Márcia Vaz – GT Exibição
Coordenação GTs | 3º Fórum de Tiradentes
Participantes e integrantes do 3º Fórum de Tiradentes: https://mostratiradentes.com.br/forum/participantes/.
*O jornalista e crítico Miguel Arcanjo Prado viajou a convite da Universo Produção.
Editado por Miguel Arcanjo Prado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige Blog do Arcanjo e Prêmio Arcanjo. Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Cultura pela USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, Folha, Ed. Abril, Huffpost, Band, Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra os júris: Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio do Humor, Prêmio Governador do Estado, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio DID, Prêmio Canal Brasil. Venceu Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio ANCEC, Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado.
Foto: Rafa Marques
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