Jorge Feitosa faz sua primeira exposição em Paris

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
O artista rondoniense Jorge Feitosa faz sua primeira exposição individual em Paris, na França. A mostra inédita Viagem: Matéria, Rito e Memória Ancestral leva ao público europeu reflexões sobre identidade amazônica, ética global e sustentabilidade entre 23 e 28 de outubro, no espaço pop-up da Bianca Boeckel Galeria instalado, pelo segundo ano consecutivo, no 38 Rue des Gravilliers, no Marais, o bairro artístico da capital francesa. São apresentados 22 trabalhos produzidos entre 2012 e 2025, incluindo uma série inédita de pinturas, fotoperformances, esculturas e um objeto, além de projeções de performances registradas em vídeo por Feitosa entre 2012 e 2013.

A exposição Viagem: Matéria, Rito e Memória Ancestral, , propõe um gesto de inversão histórica: se no século 19 artistas e naturalistas europeus cruzavam o Atlântico em busca da imagem exótica de um “Novo Mundo”, o artista Jorge Feitosa faz o caminho oposto e apresenta ao público francês reflexões sobre identidade amazônica, memória ancestral e sustentabilidade.

Amazônia presente na obra
Feitosa substitui em suas pinturas a tinta industrial por substratos de argila retirados do Rio Madeira, em Porto Velho (RO), sua terra natal. Escolha que, para além do propósito formal e pictórico, envolve decisões políticas, espirituais e afetivas.
“A cor terrosa que domina a maior parte de minhas obras carrega o peso literal e simbólico da terra. Um gesto de pertencimento e denúncia que reafirma a inseparabilidade entre corpo, território e memória”, explica Feitosa.
Nas fotoperformances produzidas em 2017 a territorialidade também se manifesta por meio de seu corpo. Coberto de argila e adornado com penas, espinhas e escamas, o artista realiza uma fusão literal entre o humano e o natural. Um gesto performático que adquire a dimensão de rito, instaurando experiências de simbiose e transmutação.
As contradições entre natureza e civilização, riqueza e descarte também estão evidentes em suas esculturas. Em uma das obras em destaque na mostra parisiense que integra a série Kintsugi (2024), fragmentos de ossos de peixes amazônicos são recobertos por folhas de ouro, tensionando o valor simbólico e econômico da matéria a partir da inspiração na técnica japonesa de restauro de cerâmicas quebradas com o uso de metais preciosos, processo que valoriza as cicatrizes como parte das história dos objetos, fazendo com que restos e fragmentos se transformem em permanência e encontrem novas formas e sentidos.
“As esculturas da série Kintsugi dialogam com a memória do garimpo no Rio Madeira na década de 1980, quando o ouro brilhava em dentes e vitrines, enquanto a extração devastava o ambiente e ameaçava populações ribeirinhas que dependiam do peixe para sobreviver. Entre memória, perda e reinvenção, as obras refletem sobre o que se rompe, o que permanece e o que pode renascer”, explica Feitosa.
Em outro trabalho – único objeto que compõe a mostra – o artista enquadra uma antiga cédula de mil cruzeiros com a imagem do explorador Cândido Rondon ladeada com a representação idealizada de um casal indígena Karajá. O contraste entre as figuras, um “herói nacional” e seus semelhantes folclorizados, expõe distorções da narrativa histórica oficial. O dinheiro, propõe Feitosa, torna-se um espelho incômodo das hierarquias de memória e esquecimento.
Eixo fundamental de concepção da mostra, o artista pretende que Viagem: Matéria, Rito e Memória Ancestral seja um convite ao público para uma jornada de introspecção e reflexões sobre confrontos éticos globais que, superados, possibilitem novas formas de se relacionar com a natureza, fazendo com que o legado controverso de antigos viajantes possa se transformar em um apelo contemporâneo por um olhar mais consciente e respeitoso sobre o Brasil e seus povos originários.
“Creio que a unidade do conjunto de obras dessa exposição, que reúne mais de uma década de criações, se estabelece por conexões temáticas, por meio de assuntos que norteiam minha trajetória, sobretudo a questão da imagem, da ancestralidade e de uma materialidade muito ligada à Amazônia e minha relação com o Rio Madeira, a fauna e a flora de Rondônia. Independentemente do suporte, essas temáticas estão sempre presentes no meu trabalho”, conclui Feitosa.
SOBRE JORGE FEITOSA
Jorge Feitosa nasceu em 1969 na cidade de Porto Velho, capital de Rondônia. Filho de pai marceneiro e mãe costureira, aos 17 anos veio para São Paulo morar com sua irmã mais velha. Em 2009 obteve formação livre em fotografia pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), onde atuou junto a um coletivo de fotógrafos no livro Luz Marginal Procura Corpo Vago, e em 2013 se graduou em Artes Visuais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Utiliza como linguagens a performance, a fotografia e o vídeo. Sua pesquisa trata de questões ligadas à identidade, deslocamento, enraizamento e morte, além de possuir forte ligação com a floresta Amazônica. Seu trabalho procura discutir uma concepção ampliada entre as forças que interferem na constituição das subjetividades do indivíduo contemporâneo e sua relação com a natureza e com a cultura. Em 2016, realizou sua primeira individual NAVEGAR ES PRECISO Ino Centro Provincial de Artes Plástica y Diseño de La Habana, Cuba. Com seu trabalho de performance, participou das seguintes mostras: Verbo 2022 – Mostra de Performance Arte (16ª edição); t, na Galeria Vermelho; Presença Permeável, no Paço das Artes; #MOVIMENTA2, na Galeria Mezanino; Festival La Plataformance – Resistência em Rede e Documento Vivo, na Oficina Cultural Oswald de Andrade; e Performa-Projetos Curados, na SP-Arte. Participou, ainda, das coletivas Foto-Performance, na Oficina Cultural Oswald de Andrade, e Mappa Dell’arte Nuova – Imago, na Fondazione Giorgio Cini, na Itália. Seu trabalho também integra os acervos do MUna – Museu Universitário de Artes do Instituto de Artes da Universidade Federal de Uberlândia (IARTE/UFU) e do MAR – Museu de arte do Rio (Rio de Janeiro/RJ).
SERVIÇO
Viagem: Matéria, Rito e Memória Ancestral
exposição individual de Jorge Feitosa
Período de visitação: 23 a 28 de outubro de 2025
Vernissage: 23 de outubro, das 19h às 22h
Local: Bianca Boeckel Galeria – 38 Rue des Gravilliers, Marais, Paris, França
Editado por Miguel Arcanjo Prado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige Blog do Arcanjo e Prêmio Arcanjo. Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Cultura pela USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Três vezes eleito um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, Folha, Abril, Huffpost, Band, Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra os júris: Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio do Humor, Prêmio Governador do Estado, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio DID, Prêmio Canal Brasil. Venceu Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio ANCEC, Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado.
Foto: Rafa Marques
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