Casa de Acervo.Oficina preserva memória do Teatro Oficina

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo

Três décadas de um precioso acervo que reúne figurinos, adereços e objetos de cena de peças lendárias do Teatro Oficina ganham preservação na Casa de Acervo.Oficina, projeto apoiado pelo ProAC, fomento da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo.

O espaço, inaugurado em 2023, promove agora a organização, catalogação e digitalização inédita de mais de 3 mil peças criadas pelo grupo fundado por José Celso Martinez Corrêa, contribuindo com estudos de pesquisadores e para a formação de novos artistas.

Localizado no bairro do Bixiga, em São Paulo, um sobrado de três pavimentos divididos em oito salas preserva um capítulo fundamental da história do teatro brasileiro. Somados figurinos, adereços e objetos de cena, a Casa de Acervo. Oficina reúne mais de 3 mil itens que marcam as últimas três décadas da companhia fundada por José Celso Martinez Corrêa (1937 – 2023), período em que foram encenados, entre outros, espetáculos emblemáticos como Hamlet (1993), Cacilda! (1998), Os Sertões: A Terra (2002), O Rei da Vela (2017) e Roda Viva (2019).

O espaço, que funciona a menos de 1km da icônica sede do Teatro Oficina projetada por Lina Bo Bardi e Edson Elito, foi criado para abrigar, preservar e organizar esse patrimônio cultural que hoje alimenta tanto a memória histórica quanto novas criações artísticas. Inaugurada em 2023, a Casa de Acervo.Oficina vem se consolidando como um núcleo de memória e pesquisa onde o passado e o presente dialogam. Figurinos usados em montagens históricas podem ser locados, reutilizados e até mesmo integrados a novas encenações, assegurando vitalidade à coleção.

Elisete Jeremias no Teatro Oficina © Rafa Marques Blog do Arcanjo 2025

“O acervo é fundamental não só pela memória, mas porque também alimenta as novas produções. Às vezes, um figurino criado décadas atrás continua a entrar cena. É um patrimônio vivo em expansão constante. Preservar esses itens é preservar um pedaço da identidade cultural e histórica do teatro brasileiro e do teatro paulista”, explica a diretora de cena e diretora-geral da Casa de Acervo.Oficina, Elisete Jeremias, que conta com um núcleo duro de sete artistas da CIA. Uzyna Uzona e a contribuição de dez profissionais e estudantes das áreas de Biblioteconomia e Museologia que integram a equipe de catalogação dos figurinos do Teatro Oficina.

Contemplada pelo edital ProAC 38/2024 da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, a Casa de Acervo.Oficina vislumbra agora novos horizontes de difusão da memória da companhia paulistana, graças à aprovação de um projeto intitulado Plano de Preservação e Catalogação do Acervo do Teatro Oficina. Com duração de 12 meses e encerramento em março de 2026, a iniciativa estabelece três eixos, detalhados a seguir:

Miguel Arcanjo e o ator do Teatro Oficina Victor Rosa com o boneco Zé Celso criado pelo Teatro dos Bonecos no Prêmio Arcanjo 2023 © Edson Lopes Jr. Blog do Arcanjo 2023

Preservação

Dentro deste eixo diversas atividades formativas estão sendo desenvolvidas. A primeira delas, uma Oficina de Conservação e Restauração de Têxteis ministrada por Cláudia Nunes, referência internacional da área que se tornou consultora do projeto. A partir dessa oficina a equipe pode aprofundar conhecimentos sobre os cuidados necessários para a preservação dos figurinos, acessórios e objetos do acervo e está realizando ações para colocar esse aprendizado em prática, como a confecção de itens para o acondicionamento adequado das peças da casa.

“Cláudia trouxe para nós não só técnicas, mas uma sabedoria de 40 anos de experiência em projetos de restauração no Brasil e fora do país. Ela já restaurou até mesmo um lenço de Dom Pedro II. O convívio com a Cláudia nos fez entender ainda mais a grandiosidade do trabalho que estamos realizando”, afirma o ator Victor Rosa, que integra o Oficina desde 2018 e é coordenador-geral do acervo.

Casamento Zé Celso e Marcelo Drummond com Renato Borghi ao lado do casal © Rafa Marques Blog do Arcanjo 2023

Catalogação

Neste eixo do projeto cada uma das peças de figurino do Teatro Oficina é identificada e catalogada pela equipe da Casa de Acervo.Oficina, utilizando a Plataforma Tainacan, uma ferramenta digital desenvolvida pela Universidade de Brasília (UnB) em parceria com o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e outras instituições.

Especialmente voltada para museus, bibliotecas, arquivos e outras organizações que possuem coleções de itens culturais, históricos, científicos ou artísticos, a Tainacan promove a preservação digital e o acesso gratuito ao patrimônio cultural pelo público. A equipe de catalogação conta com um grupo de participantes da oficina ministrada por Cláudia Nunes que está fotografando e preenchendo todas os formulários necessários sobre cada peça para inclusão no acervo digital.

“Estamos deixando um bem cultural para o futuro. Escolas de moda, estudantes de artes cênicas e pesquisadores poderão acessar esse material com informações completas, enriquecendo o estudo da linguagem da companhia”, defende Victor.

Figurino usado por Zé Celso como Antonio Conselheiro em Os Sertões faz parte do acervo © Divulgação Blog do Arcanjo 2025

Infraestrutura

Transformar uma casa em um ambiente que abriga um acervo requer uma série de ações cuidadosamente planejadas e executadas para preservar tanto a segurança do imóvel como dos itens da coleção. Para tanto, foram realizadas ações de adequação de segurança patrimonial e prevenção contra incêndios, além de espaços para a funcionalidade do trabalho das equipes de catalogação e coordenação. Para garantir a continuidade do trabalho após o término do projeto está prevista a criação de um plano de sustentabilidade econômica para o futuro da Casa.

Além dos três eixos de preservação física, outra vertente do projeto contempla a difusão da memória oral do Teatro Oficina em formato audiovisual por meio de um futuro canal de YouTube que veiculará entrevistas com figurinistas, criadores e atores que atravessaram décadas colaborando com as produções da companhia. Por meio dessas interações, croquis, programas de espetáculo e outros itens de coleções pessoais também passarão a integrar o acervo a partir de doações.

No perfil do Instagram @casadeacervo.oficina a equipe dirigida por Elisete destaca peças históricas, compartilha bastidores dos processos de triagem, organização e catalogação, apresenta documentos históricos e atualiza os seguidores sobre as novas ativações do projeto em andamento com o apoio do ProAC.

Elisete Jeremias e Cida Melo na Casa de Acervo.Oficina © Divulgação Blog do Arcanjo 2025

Trabalho Coletivo

O acervo de figurinos do Oficina começou a ser estruturado a partir de 1992, logo após o incêndio que atingiu o teatro e ao ao longo dos preparativos para a reinauguração com a montagem de Hamlet. Desde então, a preservação foi assumida de forma voluntária e orgânica pelos próprios artistas.

“Esse acervo só existe nas condições em que está hoje porque tivemos o empenho e a dedicação de muitos artistas e profissionais de cena, como Otto Barros e a camareira Cida Melo, que há mais de 25 anos cuida de tudo com uma orientação capaz identificar cada peça por nome de espetáculos, personagens e atores. Sábia, organizada e eficiente, ela é a grande responsável por esse patrimônio”, defende Elisete.

A própria dinâmica criada por Zé Celso para o Teatro Oficina, que tem como símbolo uma bigorna que remete à ideia de forja baseada no teatro de grupo, reforça esse caráter colaborativo. Os artistas não se limitam ao palco: também costuram figurinos, organizam o acervo, realizam a divulgação e participam de múltiplas frentes de trabalho. Essa lógica coletiva e horizontal forma profissionais completos, capazes de atuar como atores, diretores, técnicos ou produtores, assegurando a chegada de novas gerações de artistas que dão continuidade ao legado de Zé Celso.

“Entrei na Universidade Antropófaga no pós-pandemia achando que seria apenas um curso de três meses. Mas fui convidada pela diretora Camila Mota para a leitura de um roteiro e acabei estreando na peça Mutação de Apoteose. Foi meu batismo na companhia”, relembra a atriz Larissa Silva, coordenadora de Acessórios e Adereços e braço-direito de Elisete no dia a dia da Casa de Acervo.Oficina.

Como muitos integrantes da companhia, Larissa hoje acumula aprendizados e funções. “Ao longo desses três anos também descobri paixões pela produção e pela direção de cena. Trabalhei na bilheteria, fui assistente de direção de cena com a Elisete e recentemente estreei como diretora de cena em Os Sete Gatinhos, atuando e dirigindo ao mesmo tempo”, acrescenta.

Futuro

Apesar do respiro temporário proporcionado com o aporte financeiro do ProAC, a manutenção do espaço segue sendo um desafio. A Casa de Acervo.Oficina depende de recursos permanentes para garantir aluguel, remuneração de profissionais e a continuidade de pesquisa e dos processos de preservação.

“É muito importante que a gente ressalte a necessidade de apoios, públicos e privados, para mantermos de pé essa iniciativa”, alerta Elisete.

A diretora destaca, ainda, que as iniciativas da Casa de Acervo.Oficina vão além dos interesses da companhia. Afinal, o Teatro Oficina é tombado pelas três instâncias de patrimônio – municipal, estadual e federal – e seu acervo reflete não apenas a história de um grupo teatral, mas um capítulo essencial da cultura brasileira.

“Há 30 anos cuidamos desse acervo, estive temporariamente ausente da companhia , mas muitas mãos de técnicos e artistas passaram por aqui. A preservação dessa história sempre foi e será um esforço coletivo e apaixonado”, conclui Elisete.

Participe, você também, da manutenção do Espaço Casa de Acervo do Teatro Oficina, por meio da chave Pix: [email protected]

CASA DE ACERVO.OFICINA

Direção Geral – Elisete Jeremias
Griot de Técnicas de Palco, diretora de cena e guardiã do processo. Conduz o projeto com mãos firmes e olhar poético.

Coordenação Geral – Victor Rosa
Parceiro na preservação e reinvenção do acervo, garante que cada peça encontre seu lugar e seu futuro.

Gestor – Henrique Pina
Responsável pela gestão administrativa do projeto, trazendo método, clareza e continuidade para a Casa.

Gestão – A Arte da Direção de Cena
Base conceitual que sustenta o projeto, reconhecendo a Direção de Cena como eixo central da preservação da memória teatral.

Camareira Mestra & Guardiã dos Figurinos – Cida Melo
Mãos que cuidam, costuram e preservam. Com saber ancestral, mantém vivas as memórias vestidas em cada figurino.

Audiovisual & Comunicação – Zizi Yndio do Brasil
Olhar que registra, palavra que ecoa. Cuida da narrativa visual e comunicacional da Casa, documentando e difundindo cada passo.

Diretor Executivo da Cia. – Anderson Puchetti
Cuidando dos bastidores que fazem a engrenagem girar.

Coordenação de Catalogação – Figurinos, Cenografia e Objetos – Gii Lisboa
Responsável por classificar e catalogar os figurinos, garantindo sua preservação e acesso às futuras gerações. Organiza e sistematiza figurinos, cenários e objetos de cena, dando ordem e sentido às materialidades que compõem a história.

Coordenação de Catalogação de Figurinos – Bianca Herres Terraza
Responsável por classificar e catalogar a coleção de peças raras da reserva técnica .

Coordenação de Acessórios e Adereços – Larissa Silva
Cuida dos detalhes que completam a cena: adereços e acessórios que carregam memória e identidade.

Assessoria de Imprensa & Comunicação – Baobá Comunicação
Equipe que conecta a Casa ao público e à imprensa, garantindo visibilidade e impacto.

Consultoria – Preservação e Conservação – Cláudia Nunes
Especialista responsável pelo plano técnico de conservação, trazendo ciência, rigor e cuidado ao processo.

Equipe de Catalogação – Plano de Preservação e Conservação do Acervo
Alessandra Cavaco • Arianne Vitale • Fernanda Pappalardo • Isabela Porto • Mabel Ikeda • Michelle Alves • Sylvia Prado • Thamires Marques
Elas são a espinha dorsal científica e prática da Casa de Acervo.Oficina. São mãos e mentes que descrevem, organizam, fotografam, digitalizam e tornam visível cada peça. Sem sua dedicação o sonho da preservação e da difusão não se realizaria. Cada registro no Tainacan, cada costura ou ajuste técnico é também um ato de resistência cultural. São pesquisadoras, guardiãs e semeadoras: garantem que a memória teatral não apenas se conserve, mas também floresça em novos tempos.

Editado por Miguel Arcanjo Prado

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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige Blog do Arcanjo e Prêmio Arcanjo. Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Cultura pela USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Três vezes eleito um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, Folha, Abril, Huffpost, Band, Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra os júris: Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio do Humor, Prêmio Governador do Estado, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio DID, Prêmio Canal Brasil. Venceu Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio ANCEC, Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado.
Foto: Rafa Marques
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