Charly Garcia faz rara aparição em show dos Paralamas do Sucesso em Buenos Aires

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Um “reencontro colossal” reuniu Charly García e Os Paralamas do Sucesso, símbolos potentes da união fraterna entre Argentina e Brasil, em Buenos Aires, no último fim de semana. Foi uma noite de “muita emoção”, como bem definiu o baterista João Barone que ao lado do vocalista Herbert Vianna e do baixista Bi Ribeiro se encontraram com a maior lenda do rock argentino. Mais recluso nos últimos tempos, Charly Garcia, 73 anos, resolveu sair de casa para prestigiar os amigos brasileiros, no show da turnê de 40 anos dos Paralamas na capital argentina, no C Art Media, no último sábado, 27 de setembro.

A amizade entre eles é antiga. Os Paralamas gravaram com Charly a música Rap de las Hormigas, integrante do disco Parte de la Religion, do qual também participou a cantora Paula Toller na faixa Buscando Un Símbolo de Paz. Ambas as faixas foram gravadas nos estúdios da Sigla, no Rio de Janeiro. Repleto de hits, o icônico álbum de 1987 é um dos mais culturados da carreira de Charly. No show portenho, os Paralamas tocaram Rap de las Hormigas. Charly acompanhou tudo de cima do palco, na coxia, satisfeito. Não custa lembrar que foi em Buenos Aires, em um show de Fito Páez, que Herbert Vianna voltou a tocar, após o acidente de avião que sofreu e que ceifou a vida de sua mulher. Inclusive muitos fãs da banda sentiram falta de Fito Páez e Charly García como convidados no show dos 40 anos dos Paralamas no lotado estádio Allianz Parque, em São Paulo, em 31 de maio deste ano.

A ligação de Charly García com o Brasil é antiga. Ele morou em Búzios, no Rio de Janeiro, e também em Belo Horizonte, após se casar com a então bailarina do Grupo Corpo Marisa “Zoca” Pederneiras, que conheceu em 1977 durante a turnê do espetáculo do grupo de dança mineiro Maria, Maria, em Buenos Aires. Para ela, ele compôs a música Zocacola.
Leia, a seguir, a tradução da entrevista que os Paralamas do Sucesso deram ao jornal argentino Página 12, ao jornalista Valentino Vitolla, nesta passagem recente por Buenos Aires.

Os Paralamas do Sucesso: “Queríamos conquistar os argentinos e eles nos conquistaram”
Por Valentino Vitolla, do Página 12
É difícil pensar em outro grupo brasileiro que tenha sido tão adotado pelo público argentino quanto Os Paralamas Do Sucesso. Tanto que, em algum momento da conversa, surgirá uma frase que eles poderiam facilmente tatuar: “A banda mais argentina do Brasil”. Durante décadas, eles fizeram covers de Fito Páez, Soda Stereo e Los Pericos; em “Dois Margaridas” – um de seus hits – pediram para que Charly García “escreva a Constituição” e, inclusive, um deles batizou o filho de Luca em homenagem ao cantor do Sumo.
Quarenta anos após sua irrupção na primeira edição do Rock in Rio, o trio formado por Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone retorna a Buenos Aires para se apresentar – com ingressos quase esgotados – no Complejo Art Media, em 27 de setembro.
“A ansiedade de voltar à Argentina é enorme. Queremos contar a história d’Os Paralamas Do Sucesso através da nossa música”, diz Bi Ribeiro ao Página|12, em uma conversa que reivindica o vínculo com o público argentino e seu amor e fanatismo por Luca Prodan, com quem tocaram pela primeira vez em Buenos Aires há 39 anos. “A Argentina tem muitíssimas canções que invejamos e adoraríamos que tivessem sido criadas por nós. Ficamos com a dívida pendente de unir a cultura brasileira com a argentina”, admite.
Desde Cinema Mudo, lançado em 1983, Os Paralamas não pararam de fazer música, chegando a lançar mais de 20 álbuns, entre discos de estúdio, gravações ao vivo e coletâneas de grandes sucessos.
Quando isso acontece, é lógico que uma banda tome a decisão de se refugiar em um repertório seguro e já celebrado, mas eles vão além: continuam a ver o palco como ponto de partida para reivindicar e pôr à prova sua trajetória novamente. “Passa uma semana sem show e já não sabemos o que fazer nem para onde ir”, confessa Bi, e antecipa sobre sua chegada a Buenos Aires: “Vamos subir ao palco como um time de futebol enfrentando o público argentino: queremos convencê-los de que valeu a pena pagar o ingresso”.
– Quarenta anos juntos não é apenas uma conquista artística, é um modo de vida. Qual é a fórmula para evitar o divórcio?
(Risos) Foram anos intensos, mas escolhemos ir dia a dia, disco a disco, e quando nos demos conta, chegamos até aqui, já velhos. Somos muito amigos e soubemos aprender a controlar os egos, que é uma coisa muito difícil nos grupos de rock. Há um encanto mútuo entre nós. A energia e o amor foram se renovando e ainda percorremos a música como se fosse uma rota em família, com vontade de tocar e viajar.
– Depois de tantos anos o mundo mudou, o rock e suas bandeiras também. Conseguiram ressignificá-las?
Conquistamos algumas, outras não. Mantemos a rebeldia, que era uma bandeira que tínhamos há 40 anos, quando nosso gênero nascia da contestação, da revolução e da liberdade.
– Muitas de suas letras podem ser consideradas atuais ainda hoje. O mundo continua igualmente confuso.
Sim, e é uma lástima que coisas que criticávamos nos anos oitenta ainda continuem acontecendo. Mas também é um orgulho ter a mesma identidade e decidir lutar pelo mesmo. Somos dos últimos que continuamos na peleja e sabemos que somos uma voz que ainda é ouvida e que as pessoas esperam posições.
Os Paralamas da Argentina
Desde seu sucesso e reconhecimento pelo público no festival Rock in Rio de 1985, onde participaram junto a bandas como Queen e AC/DC, Os Paralamas do Sucesso se tornaram – com Legião Urbana e Titãs – um dos grupos mais bem-sucedidos do rock do Brasil. Consolidados em seu país, empreenderam o desafio de conquistar o público argentino, em um contexto no qual o rock de lá mantinha um crescimento exponencial.
No início de 1986, eles estrearam no país vizinho no Festival Chateau Rock, em Córdoba, em uma grade que incluía grupos como Virus, Soda Stereo e La Torre, entre tantos outros artistas latino-americanos. Em 15 de novembro daquele ano, foram convidados, nem mais nem menos, para abrir o show do Sumo no Obras. “Nunca vimos nada igual. Luca era impressionante e ouvi-lo ao vivo foi muito forte”, diz Ribeiro a este jornal. E recorda, entre risos: “Assim que chegamos aos camarins, apareceu um careca sem sapatos, sem camisa e com uma garrafa na mão. Pensamos ‘quem é este que invadiu aqui’. Tinha uma energia única”.
Nem eles, nem Luca, saberiam que aquele Obras seria um dos últimos shows ao vivo da banda argentina, antes da morte de Prodan em dezembro de 87. “Foi uma lástima compartilhar tão pouco com ele”, recorda, embora esse encontro tenha significado a porta de entrada para um entranhável relacionamento com o rock argentino e seu povo. “Nos orgulha sentirmo-nos parte desse movimento de culto”, sustenta o baixista d’Os Paralamas. Por isso – como se não bastasse – em muitas entrevistas os membros d’Os Paralamas se autodefinem como “a banda mais argentina do rock do Brasil”.
– Mas sua admiração pela música argentina vai além do carinho por Luca.
Claro, a qualidade dos músicos do país de vocês é única. Trouxemos para o português Parate y Mira, de Los Pericos, De Música Ligera – ambos no disco Nove Luas, de 1996 – e Viernes 3 AM, de Charly. Também Track Track, de Fito. Queríamos conquistar os argentinos, e eles nos conquistaram. Temos uma admiração muito grande por aqueles músicos, são canções que gostaríamos de ter criado.
– E com o público argentino? Como preparam o reencontro?
Ficamos muito ansiosos para voltar a Buenos Aires porque é um lugar muito importante para nós. Temos as melhores recordações de como nos tratam. Nos dá muita curiosidade ver gente jovem nos shows da Argentina porque nos seguem por meio dos pais e avós. Percebe-se que temos um espírito autêntico, (risos). Eles ainda se sentem identificados com o que fazemos e com as histórias que contamos em nossas canções.
– Nas redes sociais, anunciam show após show após show. Pensam em parar?
É que estamos muito entusiasmados para tocar neste ano. Para 2026, pensamos em dar uma parada. Já passou muito tempo desde nosso último disco – Sinais do Sim, de 2017 – e queremos nos concentrar em gravar coisas novas.
Fica demonstrado que não há aniversários redondos que busquem detê-los e, quarenta anos depois, eles seguem percorrendo a América Latina. “Também não temos outra coisa para fazer”, diz Bi Ribeiro. E sorri, com a certeza de não imaginar outra forma de estar no mundo que não seja contando sua história, uma canção de cada vez.

Editado por Miguel Arcanjo Prado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige Blog do Arcanjo e Prêmio Arcanjo. Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Cultura pela USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Três vezes eleito um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, Folha, Abril, Huffpost, Band, Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra os júris: Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio do Humor, Prêmio Governador do Estado, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio DID, Prêmio Canal Brasil. Venceu Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio ANCEC, Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado.
Foto: Rafa Marques
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