Marisa Orth é homenageada na 20ª CineOP: ‘Comédia exige coragem e autenticidade’

Por VIVIVANE PISTACHE
Especial para o Blog do Arcanjo
Nas teorias de roteiro, diz-se que um “cold open” é um dispositivo narrativo de um filme ou série em que a cena irrompe sem créditos ou sequência de abertura. A técnica engaja a audiência de modo imediato, com imediato mergulho no tom da história. Curiosamente, a CineOP é um festival que lembra esta estratégia.
Ao longo de todo o dia 25 de junho, seu primeiro, quem já estava em Ouro Preto para acompanhar a 20ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto pôde acompanhar mesas sobre educação, arquivos, preservação com grandes especialistas destes debates, além de conferir também as articulações referentes ao XVII Fórum da Rede Kino, além da apresentação da plataforma Kino.

A primeira noite foi encerrada com o comovente filme cubano Conducta, de Ernesto Daranas, abrindo a Mostra Educação. Quem esteve no Cine-Teatro pôde conferir uma platéia em lágrimas, com um filme que conecta bem as injustiças sociais no contexto cubano, com a docência como ofício e vocação na relação entre a professora Carmela e seu aluno que mais a desafiou em sua carreira, o Chala.
A quinta-feira começa bem cedo com a sessão da mostra Cine-Escola, que acontece em parceria com as escolas públicas. As crianças vibram tanto com os filmes, quanto com a performance do Rodrigo Negão, um dos poucos palhaços negros desse País.
A programação segue intensa com debates sobre formação em preservação, acervos escolares. Um dos pontos altos do começo da programação foi a mesa O Humor das Mulheres, com a cineasta Anna Muylaert e a homenageada dessa edição da CineOP, a atriz Marisa Orth.

Impressionante como Marisa Orth consegue ser genial, provocadora e obviamente, muito engraçada em suas colocações, resultado de uma estrada maturada em 42 anos de cinema.
Somente depois desse “cold open” é que se deu então a Abertura Oficial do festival, com o Cine-Praça na Praça Tiradentes, como uma espécie de apoteose de uma escola de samba que já estava na avenida.
“Cold Open” também, porque o festival acontece no inverno charmoso das ladeiras e serras de Ouro Preto, cenário perfeito para a intersecção entre história, preservação e educação de nosso audiovisual.

Abertura e homenagem a Marisa Orth
A CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto iniciou oficialmente sua edição comemorativa de 20 anos na quinta-feira, 26 de junho, em uma Praça Tiradentes lotada. A cerimônia reuniu público, jornalistas e autoridades. Estiveram presentes Joelma Gonzaga, secretária do Audiovisual, Eliane Parreiras, secretária de Cultura de Belo Horizonte, e Leônidas Oliveira, secretário de Cultura e Turismo de Minas Gerais. O evento celebrou duas décadas da CineOP e destacou sua missão de promover preservação, história e educação audiovisual.
Joelma Gonzaga declarou a abertura oficial, ressaltando a importância da CineOP nas discussões que aborda. A secretária, que retornou da Nigéria após assinar acordos de coprodução em nome do governo brasileiro, frisou a importância de salvaguardar o patrimônio cinematográfico. “A preservação é um pilar fundamental do nosso audiovisual, e a CineOP é essencial para essa missão”, afirmou.
A programação da abertura incluiu a entrega do Troféu Vila Rica de Preservação ao professor João Luiz Vieira, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ele recebeu reconhecimento por 40 anos na formação de cineastas e críticos. O professor Rafael de Luna Freire, ao apresentar o homenageado, destacou sua influência: “João ensinou milhares de pessoas a fazer filmes, a escrever livros e críticas, a amar o cinema brasileiro”. João dedicou o prêmio aos alunos presentes, “que apontam para o futuro do cinema e da preservação”.
O Troféu Vila Rica de Educação foi entregue à professora Maria Angélica dos Santos, por sua dedicação à alfabetização audiovisual. A curadora Adriana Fresquet descreveu-a como “uma fada que coloca as crianças em contato com o cinema” e ressaltou o trabalho de Maria Angélica na formação de novas gerações. A homenageada, presente na CineOP desde 2008 nos Encontros de Educação, reconheceu a relevância da mostra: “Este evento é fundamental para construir, juntos, políticas de educação audiovisual que transformam vidas.”

Para encerrar, o Troféu Vila Rica foi entregue à atriz Marisa Orth, homenageada pela temática do humor feminino no cinema brasileiro. Seu filho João Orth e a cineasta Anna Muylaert, parceira em vários trabalhos, incluindo o clássico Durval Discos, acompanharam-na no palco. Orth reconheceu o cinema como espaço de construção de sua carreira. “Ser reconhecida como artista e fazer parte de um evento tão importante é um sonho realizado”, declarou. A noite terminou com Marisa Orth cantando Todas as Mulheres do Mundo, de Rita Lee, enquanto a atriz Inês Peixoto, uma das apresentadoras, citava nomes de mulheres comediantes da história do audiovisual brasileiro.

Conversa com Marisa Orth
Na manhã de quinta-feira, 26 de junho, Marisa Orth, atriz homenageada da 20ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, conduziu uma roda de conversa no Centro de Convenções. O curador Cleber Eduardo mediou o encontro, que contou também com a participação da cinesta Anna Muylaert, que foi homenageada no último CineBH.
Com 42 anos de carreira e papéis como Magda da série “Sai de Baixo”, a atriz iniciou a conversa falando sobre a comédia brasileira, que, segundo ela, mistura humor e drama, refletindo a realidade do país. Ela mencionou a influência de grupos teatrais, como Asdrúbal Trouxe o Trombone, em sua formação.
“No palco, se estou rindo, você está chorando na plateia; eu chorando, você rindo. Essa mistura é a cara da dramaturgia nacional”, declarou, destacando como essa dinâmica captura a complexidade emocional do Brasil.
O humor brasileiro, conforme Orth, tem raízes na adversidade. Ela ressaltou a tradição cômica do cinema nacional, desde a Cinédia e a Atlântida até produções atuais, que transformam dificuldades em riso. “Aqui é um país socialmente injusto, tem desgraça, impunidade, violência. Mas a piada surge em seis minutos após uma tragédia. Isso é o Brasil”, afirmou, apontando a rapidez com que o humor pode reagir a adversidades e se tornar crítica social.

Orth abordou as tensões em torno do humor, especialmente no contexto do politicamente correto e das discussões sobre lugar de fala. Ela defendeu a comédia como ferramenta de crítica, capaz de expor verdades. “O humor é arma. Ele aponta que o rei está nu, e eu sou o menino que diz isso”, disse.
Ela questionou as restrições a representações no humor e destacou a importância de personagens como Magda, que satirizam estereótipos com ironia. A atriz relembrou o papel, um marco em sua carreira. Orth refletiu sobre como a personagem, uma mulher fútil, ainda se mostra como crítica social. “Imagina a Magda como primeira-dama na última gestão presidencial… Hoje ela seria coach, subindo o morro!”, comentou, gerando reações do público.
Orth também compartilhou reflexões sobre sua carreira. Ela admitiu ter se arrependido de, em alguns momentos, ter dado atenção a críticas. A atriz incentivou a nova geração de artistas a seguirem seus instintos. “Depois de 42 anos, aprendi que não devo dar bola para certas opiniões. A comédia exige coragem e autenticidade”, disse.

*Viviane Pistache é preta das Minas Gerais, pesquisadora, roteirista e, de vez em quando, crítica de cinema. Viajou a convite da 20ª CineOP Mostra de Cinema de Ouro Preto.
Editado por Miguel Arcanjo Prado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige Blog do Arcanjo e Prêmio Arcanjo. Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Cultura pela USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, Folha, Ed. Abril, Huffpost, Band, Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra os júris: Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio do Humor, Prêmio Governador do Estado, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio DID, Prêmio Canal Brasil. Venceu Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio ANCEC, Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado.
Foto: Rafa Marques
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