★★★ Crítica: Sidney Santiago Kuanza valoriza Lima Barreto em A Solidão do Feio no FIT Rio Preto

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Enviado especial a São José do Rio Preto – SP*
★★★
A SOLIDÃO DO FEIO
Avaliação: Bom
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
“Foi um brasileiro destemido”. O epitáfio na coroa de flores remete a Lima Barreto, ali morto no caixão, quando o público chega para assistir ao espetáculo A Solidão do Feio, da Cia Os Crespos, um dos mais relevantes grupos de teatro negro no Brasil e pioneiro na retomada da pauta negra nos palcos neste século 21. É um impacto ver a figura do ator Sidney Santiago Kuanza, idealizador deste solo, deitado no caixão, com algodão fechando suas narinas. Até porque a imagem de um homem negro morto nos remete às constantes violências que este tipo de corpo costuma sofrer em nossa sociedade de triste herança racista e escravocrata, na qual a luta é constante para não ser a carne mais barata do mercado. O carioca Lima Barreto (1881-1922), criador do icônico romance Triste Fim de Policarpo Quaresma, livro que este crítico ama de paixão. Também jornalista, o escritor criou seu próprio lugar no panteão cultural nacional com muita persistência. Sidney Santiago Kuanza, de igual modo, também criou seu espaço de respeito na cena nacional. Ator com penetração rara na indústria do entretenimento e no teatro, ele jamais deixou de fazer da luta negra uma motivação diária e constante em seu conhecido ativismo, mas tampouco permitiu que isso lhe aprisionasse a gavetas preconcebidas. O artista trafega com propriedade por diferentes palcos, dos mais abastados aos mais periféricos, sempre com sua costumeira elegância. Na peça escrita por Sidney, que a codirige com Gabi Costa, sob direção de produção de Rafael Ferro, os pensamentos do ressurecto Lima Barreto se fundem em fluxo constante na sua incessante obsessão por reconhecimento de sua genialidade. Lima rivalizou com Machado de Assis, que foi aceito na elite e fazia vistas grossas ao colega, a quem bloqueou na Academia Brasileira de Letras, jogando Lima para escanteio, sobretudo por este não ter papas na língua e falar desconcertantes verdades em seu jornalismo visto como agressivo. Se não há um fluxo dramático regular na dramaturgia, a direção consegue criar belas e impactantes imagens com auxlílio da direção de arte de Jandilson Vieira, dramaturgia de imagens e desenjo de som de Eduardo Alves, iluminação de Denilson Marques e cenografia de Wanderley Wagner. E há uma grande entrega do intérprete, presente com as vísceras no palco. Com sua verve potente, Sidney segura muito bem o personagem e seus devaneios, conquistando o público com sua beleza e carisma. Mesmo assim o espectador tenta buscar algum sentido e elementos biográficos de Lima Barreto em meio a uma narrativa tão fragmentada. Esta é uma peça para iniciados na arte teatral, não é tão palatável a leigos e esta talvez seja sua fragilidade. Mas, fato é que, se no além mundo descobrisse que está sendo interpretado nos palcos por Sidney Santiago Kuanza depois do grande Hilton Cobra, que fez Traga-me a Cabeça de Lima Barreto, o escritor ficaria feliz. Por saber que está sendo lembrado cem anos após sua morte, primeiro por Hilton Cobra e agora por Sidney Santiago Kuanza, dois brasileiros tão destemidos quanto ele foi.
★★★
A SOLIDÃO DO FEIO
Avaliação: Bom
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
*O jornalista e crítico Miguel Arcanjo Prado viajou a convite do FIT Rio Preto.
Blog do Arcanjo mostra imagens da peça A Solidão do Feio com Sidney Santiago Kuanza no FIT Rio Preto 2024









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Editado por Miguel Arcanjo Prado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige Blog do Arcanjo e Prêmio Arcanjo. Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Cultura pela USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, Folha, Ed. Abril, Huffpost, Band, Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra os júris: Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio do Humor, Prêmio Governador do Estado, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio DID, Prêmio Canal Brasil. Venceu Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio ANCEC, Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado.
Foto: Rafa Marques
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