Há limite para liberdade de expressão ou é censura?
“Liberdade é não ter medo”, disse a cantora estadunidense Nina Simone (1933-2003) em emblemática entrevista. A frase pode ser usada como uma premissa da atividade artística de forma geral, a qual, para ser realmente livre, precisa ser exercida sem medo.
Contudo, no Brasil dos últimos tempos, vários casos de distintas matizes ideológicas e áreas artísticas levantam uma questão polêmica e que precisa ser refletida e debatida de forma profunda por toda a sociedade: há limite para liberdade de expressão ou qualquer proibição é censura?
A Constituição de 1988, feita após o longo período em que o país mergulhou na ditadura militar, quando a censura era uma prática de Estado, garante a liberdade de expressão.
A Constituição diz em seu artigo 5º, inciso IX: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. E ainda reitera no artigo 220, parágrafo 2º: “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
Entretanto, casos em que as palavras “censura” e “liberdade de expressão” são colocadas lado a lado tornam-se cada vez mais corriqueiros, o que mostra que o debate saudável e respeitoso sobre o tema deve ser encarado de frente pela sociedade e a Justiça.
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Desde que sendo uma expressão artística comprovada e que não exista crime contra nenhuma pessoa, este colunista é contra qualquer tipo de censura prévia ou posterior, tal qual postula a Constituição.
E a Justiça deve seguir de forma isenta e tratar casos de matizes ideológicas distintas de igual modo, para não haver dois pesos duas medidas, como já observado.
A expressão artística não pode ficar a critério da crença pessoal do juiz que cuidar do caso, caso haja algum tipo de denúncia, como já visto recentemente.
A liberdade de expressão precisa ser livre e universal, e cabe à sociedade zelar por ela para que possamos permanecer em um ambiente democrático de fato.
Como forma de contribuir nesta importante discussão, o Blog do Arcanjo no UOL lembra alguns casos mais recentes em que se deu este tipo de polêmica.
Caso Danilo Gentili
O humorista e apresentador paulista do “The Noite” no SBT foi condenado pela Justiça no último dia 10 a seis meses e 28 dias de prisão em regime semiaberto por ter cometido crime de injúria contra a deputada federal Maria do Rosário, podendo recorrer em liberdade. Danilo alegou estar sendo vítima de censura e recebeu apoio de grande parte dos humoristas famosos, mas também houve quem criticasse o tom que ele usou contra a deputada.
Caso Renata Carvalho
Importante nome da luta pela representatividade trans nas artes, a atriz travesti paulista Renata Carvalho sofreu represálias, ameaças de morte na internet e proibição da Justiça de interpretar a figura de Jesus Cristo na peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”, da dramaturga trans escocesa Jo Clifford. Em 2017, houve censura judicial da obra em Jundiaí (SP). Depois, a peça também sofreu tentativa de censura na Justiça em Belo Horizonte e em Salvador, mas os advogados da artista conseguiram derrubar as decisões. Em 2018, no interior de Pernambuco, a peça foi cancelada da programação oficial do Festival de Inverno de Garanhuns após pressão de líderes religiosos e políticos locais. Renata e sua equipe decidiram fazer a peça na cidade por meio de um financiamento coletivo. Durante a sessão, uma bomba chegou a explodir no local da apresentação. A equipe contou que a situação foi traumatizante para todos.
Caso Wagner Schwartz
Em 2017, o bailarino e performer fluminense Wagner Schwartz virou centro de uma polêmica por fazer a performance “La Bête”, na qual seu corpo fica nu para ser moldado pelo público, inspirado na obra de Lygia Clark. Em um vídeo viralizado na internet, uma criança tocou a mão do artista durante a performance e ele ficou conhecido como “Nu do MAM”. O artista sofreu linchamento na internet com acusações de pedofilia e ameças de morte, mas foi absolvido pela Justiça.
Caso Queermuseu
Em 2017, a exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira” foi cancelada pelo Santander Cultural de Porto Alegre após grupos conservadores realizarem protestos na internet contra o conteúdo da mostra, que apresentava questões sobre a diversidade sexual e o gênero. Depois, a mostra aportou no Parque Lage, no Rio, feita por financiamento coletivo que arrecadou R$ 1 milhão.
Caso Masp
Após pressão na internet de grupos conservadores, em 2017, o Masp proibiu pela primeira vez em 70 anos de história que menores de 18 anos, mesmo que acompanhado pelos pais, vissem uma exposição, no caso a “Histórias da Sexualidade”. Depois, o museu voltou atrás em sua decisão, e permitiu menores no local, desde que acompanhado dos pais ou dos responsáveis legais.
Caso Maikon K
O performer paranaense Maikon K foi preso durante a realização da performance DNA de DAN em espaço aberto em Brasília, durante o festival Palco Giratório, do Sesc. Na apresentação, o artista fica nu, com um corpo coberto por um líquido viscoso dentro de uma bolha de plástico, que foi destruída pelos policiais, que o acusaram de “atentado ao pudor”, mesmo sua nudez estando em um contexto artístico. A performance de Maikon K foi referendada por Marina Abramović, considerada pela crítica como o maior nome da performance no mundo. O artista foi abordado com violência e colocado pelos agentes da Polícia Militar dentro de um camburão, onde foi levado para a delegacia, onde foi posteriormente solto. Depois, o Governo do Distrito Federal pediu desculpas ao artista.
Caso Trupe Olho da Rua
Em 2016, a peça “Blitz – O Império que Nunca Dorme”, da trupe Olho da Rua, teve sua apresentação na praça dos Andradas, no centro de Santos, litoral paulista, impedida por policiais. Os agentes da Polícia Militar não gostaram do teor da peça e decidiram pôr fim à encenação em praça pública. O ator Caio Martinez Pacheco chegou a ser algemado e preso, mas foi liberado depois. Os artistas afirmaram ser vítimas de censura.
Caso Teatro Oficina
O diretor José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, e os atores Tony Reis e Mariano Mattos Martins foram processados pelo padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, de Goiás. Este alegou que a peça “Acordes”, encenada em 2012 na PUC São Paulo e à qual viu trechos pela internet, ofendia seus “sentimentos religiosos”, sobretudo pelo boneco no qual identificou o Papa. A Justiça absolveu os artistas do Oficina da acusação, lembrando que a liberdade de manifestação artística está prevista na Constituição e que “nenhuma igreja está imune a críticas”.
Caso peça Edifício London
Em 2013 a Justiça proibiu a encenação da peça “Edifício London”, do dramaturgo Lucas Arantes e com atores da Cia. de Teatro Os Satyros, de São Paulo. A ficção foi inspirada no caso da morte da menina Isabella Nardoni, que comoveu todo o Brasil em 2008, mas não chegou a estrear. O autor da peça chegou a ser condenado a indenizar a mãe da menina em R$ 20 mil por danos morais, mas recorreu, e o caso seguiu em segredo de Justiça.
Caso Rafinha Bastos
Em 2011, o comediante gaúcho Rafinha Bastos disse, em tom de piada, ao vivo, no extinto “CQC” (Band) que “comeria” Wanessa Camargo e o bebê que ela esperava. A cantora e seu marido processaram o comediante, que se recusou a pedir desculpas pela piada. Ele foi condenado pela Justiça a pagar R$ 150 mil por danos morais para a cantora filha de Zilu e Zezé Di Camargo.