Festa acusada de racismo na Bahia vira polêmica internacional

A diretora da Vogue Brasil Donata Meirelles sentada no trono “do candomblé” com duas mulheres negras de pé ao seu lado em sua festa de aniversário na Bahia (à esq.): imagem provocou polêmica por lembrar pinturas de Debret que retrataram o Brasil escravocrata (à dir.) – Fotos: Reprodução

Virou polêmica internacional o aniversário de 50 anos de Donata Meirelles, diretora da revista Vogue Brasil, celebrado em Salvador no luxuoso Palácio da Aclamação, na última sexta (8).

Na festa, pessoas negras usavam roupas que lembravam a época do Brasil colonial escravocrata para tirar fotos com os convidados, majoritariamente brancos.

Mais do que culpar indivíduos, as fotos da festa acabaram revelando o quão profundo é o racismo estrutural sobre o qual foi construída a sociedade brasileira e que ainda está fortemente presente nela.

Em Salvador, onde cerca de 80% da população é negra, é raro ver negros em espaços de poder da elite predominantemente branca da cidade. Na maior parte das vezes que o negro está nestes tipos de evento não é como convidado, mas no papel de serviçal.

Caetano Veloso foi atração musical da comemoração de Donata, que contou com outros famosos como Regina Casé entre os convidados. Caetano e Regina não se pronunciaram até o momento sobre a polêmica.

As imagens da celebração de Donata deram o que falar no Brasil e no mundo.

Repercussão internacional: “Repugnante”, diz diretora da L’Óreal

Diretora de Marketing da L’Óreal, uma das principais marcas de cosméticos do mundo, Shelby Ivey Christie, que também foi executiva de vendas da edição norte-americana da revista Vogue, qualificou a festa da diretora da Vogue Brasil de “repugnante”.

“A diretora da Vogue Brasil, Donata Meirelles, escolheu um tema muito repugnante para seu aniversário de 50 anos […] Mucamas (escravas de casa) foram colocadas como adereço ao lado dos convidados”, escreveu Christie em seu perfil do Twitter.

Pedido de desculpas de Donata; baianas defendem dona da festa

Antes da repercussão internacional, Donata Meirelles usou o Instagram para pedir desculpas e disse que o trono no qual ela apareceu sentada ao lado de duas mulheres negras em pé, era “do candomblé”.

“A cadeira não era uma cadeira de Sinhá, e sim de candomblé, e as roupas não eram de mucama, mas trajes de baiana de festa”, afirmou Donata, que prosseguiu. “Ainda assim, se causamos uma impressão diferente dessas, peço desculpas”, falou.

“Respeito a Bahia, sua cultura e suas tradições, assim como as baianas, que são Patrimônio Imaterial desta terra que também considero minha e que recebem com tanto carinho os visitantes no aeroporto, nas ruas e nas festas. Mas, como dizia Juscelino, com erro não há compromisso e, como diz o samba, perdão foi feito para pedir”, afirmou a jornalista.

O fato de Donata ter utilizado a religiosidade negra do candomblé como decoração de sua festa provocou nova enxurrada de críticas nas redes.

Já a Associação das Baianas de Acarajé, Mingau, Receptivo e Similares da Bahia (Abam) afirmou nesta segunda (11) que a polêmica foi fruto de uma “má interpretação”. E defendeu Donata.

Para Angelimar Trindade, coordenadora da Abam, em entrevista o jornal baiano A Tarde, a associação foi contratada para fazer o receptivo da festa. Em sua visão, a festa não teve relação com a escravidão.

“As cadeiras não estavam representando escravidão, muito menos estávamos sendo submetidas ao papel de escrava. Pensar isso da gente é vergonhoso […] Foram quadro cadeiras daquelas espalhadas pelo espaço da festa para as baianas sentarem. Durante a foto, nós que sugerimos que a Donata sentasse na cadeira, no centro de todas. Afinal, a aniversariante é o centro das atenções, né?”, afirmou Angelimar Trindade.

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Ontem comemorei meus 50 anos em Salvador, cidade de meu marido e que tanto amo. Não era uma festa temática. Como era sexta-feira e a festa foi na Bahia, muitos convidados e o receptivo estavam de branco, como reza a tradição. Mas vale também esclarecer: nas fotos publicadas, a cadeira não era uma cadeira de Sinhá, e sim de candomblé, e as roupas não eram de mucama, mas trajes de baiana de festa. Ainda assim, se causamos uma impressão diferente dessa, peço desculpas. Respeito a Bahia, sua cultura e suas tradições, assim como as baianas, que são Patrimônio Imaterial desta terra que também considero minha e que recebem com tanto carinho os visitantes no aeroporto, nas ruas e nas festas. Mas, como dizia Juscelino, com erro não há compromisso e, como diz o samba, perdão foi feito para pedir.

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Apoio de família de Gilberto Gil incomoda comunidade negra

Muitos nomes famosos apoiaram a postagem de Donata, como a apresentadora e atriz Adriane Galisteu e a modelo Daniela Sarahyba. Mas, o que mais surpreendeu os internautas foi o apoio público dado por Flora Gil e Preta Gil, respectivamente mulher e filha de Gilberto Gil. Após serem duramente criticadas, ambas apagaram o apoio nas redes.

No sábado (10), Ivete Sangalo cantou com Preta Gil para Donata Meirelles no restaurante Amado, no segundo dia de comemorações do cinquentenário da diretora da Vogue Brasil em Salvador, mesmo após a polêmica da primeira festa.

Ivete afirmou no palco: “Mesmo que a gente fique um tempo sem se encontrar, eu sei que você é uma pessoa boa, carinhosa. Eu disse que viria cantar para você e eu vim, porque é nessas coisas que eu acredito, na verdade das coisas que a gente faz. Mas quero dizer também, que o que estou fazendo aqui hoje é pensando no outro. Embora tudo pareça muito difícil é preciso pensar no outro, precisamos recapitular e pensar no outro e compreender a atenção do outro. E por isso que eu estou aqui com a Preta Gil”.

A fala da cantora baiana foi acusada de ser “vaga” nas redes, onde foi muito criticada. A terceira festa que Donata faria para celebrar seus 50 anos seria no Terreiro do Gantois, um dos principais templos do candomblé no Brasil por anos liderado pela histórica Mãe Menininha. Contudo, a festa foi cancelada devido à repercussão negativa da série de comemorações.

A cantora Maria Gadú usou seu Instagram para se posicionar pelo respeito ao debate. “Lugar de escuta: é para ouvir, aprender, multiplicar conhecimento sobre o nosso lugar de conforto e privilégios. Dê um alô nas manas, em todxs que precisam ler mais, respeitar lugar de fala das lutas e causas. Isso é soma, sororidade e solidariedade. Bloquear comentário de post faz o assunto ser silenciado. Nosso perfil pode ser maior que o nosso ego!”.

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Quem de fato é aliado e quem “vende” os seus

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“Conivência incomoda”, diz Djamila Ribeiro

A mestre em filosofia e escritora Djamila Ribeiro, uma das mais importantes vozes atuais no país sobre relações étnicas, se posicionou sobre o fato no Instagram.

Djamila afirmou: “Essa festa tratou pessoas negras de maneira muito desrespeitosa, remetendo a uma herança colonial. O que me incomoda em tudo isso é a conivência. As pessoas que lá estavam agem como se nada tivesse acontecido”, falou a filósofa.

“Se a gente chega num lugar desse, onde meus antepassados foram torturados, e as pessoas insistem em romantizar isso como se fosse algo banal e a gente não fala nada, a gente está compactuando, não tem desculpas. Eu prezo pena honestidade intelectual. Eu sou ativista e tenho uma história e chamar vou compactuar com uma coisa dessas”, afirmou Djamila.

“Além da dona da festa, eu acho que as pessoas que estavam lá também devem ser responsabilizadas, sobretudo as que se dizem anti-racista. Passou da hora da branquitude pensar e se repensar. Não dá para compor com o pacto narcísico da branquitude. É muito violento. O que aconteceu não foi meramente uma festa. É o reforço de uma estrutura colonial. Então pessoas que se dizem aliadas, não podem de forma alguma, compactuar com uma violência como essa. É inadmissível”, ponderou.

Djamila lembro que já se retirou de lugares por não concordar com o que via. “Eu já saí de lugares onde vi essas coisas acontecerem. Já fui boicotada, porque eu não negocio a minha humanidade e dos meus. Às vezes não conseguimos financiamentos para nossos projetos porque não compactuamos com uma série de coisas. Não podemos vender nossa militância em troca de migalhas. Passou a hora de pessoas negras pararem de usar nossa militância para compactuar com coisas escusas que a gente não acredita”.

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Gentem, sou negra e celebro com orgulho a minha raça desde quando não era “elegante” ser negro nesse país. Quando preto não usava o elevador dos “patrões”. Quando pretos motorneiros dos bondes eram substituídos por brancos em festividades com a presença de autoridades de pele branca. Da época em que jogadores de um clube carioca passavam pô de arroz no rosto para entrarem em campo, já que não “pegava bem” ter a pele escura. Desde que os garçons de um famoso hotel carioca não atendiam pretos no restaurante. Éramos invisíveis. Celebro minha raça desde o tempo em que gravadoras não davam coquetel de lançamento para os “discos dos pretos”. Celebro minha origem ancestral desde que “música de preto” era definição de estilo musical. Grito pelo meu povo desde a época em que se um homem famoso se separasse de sua mulher para ficar com uma negra, essa ganhava o “título” de vagabunda, mas não acontecia se próxima tivesse a pele “clara”. Sou bisneta de escrava, neta de escrava forra e minha mãe conhecia na fonte as histórias sobre o flagelo do povo negro. Protesto pelos direitos da minha raça desde que preta não entrava na sala das sinhás. Gentem, essas feridas todas eu carreguei na alma e trago as cicatrizes. A maioria do povo negro brasileiro. Feridas que não se curaram e são cutucadas para mantê-las abertas demonstrando que “lugar de preto é nessa Senzala moderna”, disfarçada, à espreita, como se vigiasse nosso povo. Povo que descende em sua maioria dos negros que colonizaram e construíram o nosso país. Hoje li sobre mais uma “cutucada” na ferida aberta do Brasil Colônia. Não faço juízo de valor sobre quem errou ou se teve intenção de errar. Faço um alerta! Quer ser elegante? Pense no quanto pode machucar o próximo, sua memória, os flagelos do seu povo, ao escolher um tema para “enfeitar” um momento feliz da vida. Felicidade às custas do constrangimento do próximo, seja ele de qual raça for, não é felicidade, é dor. O limite é tênue. Elegância é ponderar, por mais inocente que sua ação pareça. A carne mais barata do mercado FOI a carne negra e agora NÃO é mais. Gritaremos isso pra quem não compreendeu ainda. Escravizar, nem de brincadeira. Seguimos em luta ✊🏾

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Elza Soares e outros famosos criticam

A cantora Elza Soares, bisneta de escrava, também se posicionou e mandou o recado: “Faço um alerta! Quer ser elegante? Pense no quanto pode machucar o próximo, sua memória, os flagelos do seu povo, ao escolher um tema para “enfeitar” um momento feliz da vida. Felicidade às custas do constrangimento do próximo, seja ele de qual raça for, não é felicidade, é dor. O limite é tênue. Elegância é ponderar, por mais inocente que sua ação pareça. A carne mais barata do mercado FOI a carne negra e agora NÃO é mais”.

A atriz Antonia Fontenelle, que é loira, veio a público para criticar a festa. “Quem me conhece sabe que eu tenho pavor de mimimi. Mas sobre esse absurdo, que muitos podem achar normal, uma mulher branca e rica comemorar seus 50 anos vestida de sinhá rodeada de negras representando escravas em pleno século 21, desculpa aí os ricos e famosos, mas não posso fingir que é normal. Como mãe de um filho negro não posso ver isso e achar que é só uma brincadeira sem consequências. Mas o que mais me deixa de queixo caído é que trata se de uma mulher de comunicação, diretora de uma das mais importantes revistas, Vogue Brasil e esposa do maior publicitário desse país, Nizan Guanaes. O racismo e o preconceito até hoje matam. Pensem nisso senhores da comunicação, ou será que vocês não se importam com isso?”, afirmou.

O ator baiano Erico Brás afirmou em vídeo postado na internet que as imagens da festa comprovam que “brancos têm saudade de ver a gente amarrado no tronco, têm saudade da escravidão”.

A cantora baiana Luedji Luna também se pronunciou e disse: “Portanto, para os não baianos, os não negros, que tanto ‘amam’ a Bahia, para esses que se curam nas nossas águas quentes, que se lambuzam inteiro dos nossos corpos, nosso dendê, nossa música, que saem daqui transformados, curados, com seus ebós feitos e banhos de folhas tomados, qual vai ser a devolutiva? Quantos empresários desses estão efetivamente investindo na Bahia? (não a Bahia branca das televisões, mas a Bahia profunda, a Bahia preta). Cadê os empresários investindo nos blocos afros de Salvador, que entra ano, sai ano, nunca têm verba? Quantas artistas pretas baianas foram visibilizadas em suas revistas, e televisões?”, questionou Luedji, revelação da nova música baiana.

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Bahia terra da felicidade, terra mítica de livros e canções, hoje, mais do que nunca, menina dos olhos do mundo e do Brasil. Todo mundo AMA! Eu também, a despeito de sua polícia, uma das mais violentas e genocidas do Brasil, do apartheid velado, da velha política do pão e circo dos seus governantes brancos(numa capital cuja população é 80% negra, diga-se de passagem), das suas rainhas brancas(numa capital cuja população é 80% negra, diga-se de passagem), eu AMO mesmo! Amo, porque conheço o fundamento desse seu “jeito que nenhuma terra tem”. Pois esse “jeito”, essa mágica, esse axé, esse senso de acolhimento e solidariedade estão fundamentados em África, pai! Sem esses princípios, os 80% de pessoas negras nessa cidade não sobrevivem/veriam pós (re)colonização, sem o senso de comunidade, a gente não sobrevive/veria! Essa Bahia generosa, acolhedora, amorosa, essa Bahia mágica e cheia de axé assim é por uma única e estrita razão: porque ela é NEGRA! Portanto, para os não baianos, os não negros, que tanto “amam” a Bahia, para esses que se curam nas nossas águas quentes, que se lambuzam inteiro dos nossos corpos, nosso dendê, nossa música, que saem daqui transformados, curados, com seus ebós feitos e banhos de folhas tomados, qual vai ser a devolutiva? Quantos empresários desses estão efetivamente investindo na Bahia? (não a Bahia branca das televisões, mas a Bahia profunda, a Bahia preta). Cadê os empresários investindo nos blocos afros de Salvador, que entra ano, sai ano, nunca têm verba? Quantas artistas pretas baianas foram visibilizadas em suas revistas, e televisões? Onde estavam os empresários, artistas e famosos “adeptos” do candomblé quando o terreiro @casadomensageiro foi invadido e seu sacerdote máximo agredido por bandidos, ou quando a prefeitura da capital apaga deliberadamente as luzes que iluminam os Orixás no Dique do Tororó? Onde estavam cada uma dessas pessoas na defesa das religiões de matrizes africanas que tanto AMAM/USAM/ FOLCLORIZAM? Vcs podem substituir o “amor” de vcs pela cultura baiana, por RESPEITO, por exemplo. E dinheiro! Sim, dinheiro também!

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