É mais fácil culpar quem vazou do que quem foi racista?

Caso William Waack: é mais fácil culpar jovens negros que vazaram o vídeo do que o jornalista que foi racista? – Fotos: Reprodução

Por Miguel Arcanjo Prado

Diante do escândalo racista envolvendo o jornalista William Waack e o comentarista Paulo Sotero nos bastidores do “Jornal da Globo”, em vídeo viralizado na última semana, que resultou no afastamento de Waack do telejornal, houve quem preferisse tentar culpar os dois jovens negros que afirmaram ter vazado o vídeo, Diego Rocha Pereira e Robson Ramos, do que os dois homens brancos que aparecem sendo racistas nele, William Waack e Paulo Sotero. O primeiro dizendo “é coisa de preto” e o segundo rindo e concordando com um sonoro “sim”.

Tal atitude, de quem mais se preocupou em inquirir de forma minuciosa os dois rapazes negros sobre o vazamento do vídeo do que os poderosos jornalistas sobre suas falas racistas, demonstra explicitamente o racismo estrutural que ainda vigora na sociedade brasileira, onde, até poucos anos atrás, tinha gente graúda afirmando em livro que racismo por aqui era coisa inexistente.

Tudo isso demonstra que vivemos em uma terra onde, infelizmente, uns valem mais, no caso, os brancos, e outros, menos, no caso, os negros. País no qual a figura do homem branco ainda reina absoluta, como nos tempos coloniais. O senhor da casa grande ainda parece ser o mesmo de séculos atrás.

Outro exemplo disso foi o demorado benefício da dúvida concedido a Waack. Será que ele falava mesmo ‘preto’ (como se no lugar coubesse outra palavra, quem sabe ‘paralelepípedo’, como bem pontuou um sábio sociólogo)? A própria Globo reconheceu em seu comunicado que a fala era “ao que tudo indica, de cunho racista”.

Não fosse a necessidade recorrente do brasileiro (sobretudo o branco) em negar o racismo, bastaria uma escuta minuciosa com um simples fone de ouvido de melhor qualidade, ou, aos mais incrédulos na sua própria audição, uma consulta a um perito em leitura labial ou áudio, como sugeriu este blog. A jornalista Fernanda Lopes, do site parceiro do UOL Notícias da TV, o fez: ouviu um perito, que confirmou que Waack falou, sim,  “preto”.

Houve até quem tentasse, de forma desleal, manipular e politizar discursos na tentativa de transformar Waack, racista diante das câmeras, em vítima. Algo típico do país que prefere culpar a vítima quando seu algoz é alguém poderoso, de preferência um homem branco, heterossexual e rico.

E ainda teve quem quisesse forjar que a fala racista teria ocorrido em espaço privado — como se estar posicionado e microfonado diante de uma câmera em um link ao vivo na maior emissora de seu país fosse o mesmo que um papo de botequim ou na sala de estar de casa.

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Racismo é crime intolerável

Mesmo se fosse, Waack e seu colega comentarista Sotero não podem ser racistas diante das câmeras nem fora delas. Porque racismo é crime, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, onde a situação ocorreu.

Não fosse o escândalo na internet, Waack estaria tranquilo ainda no comando do “Jornal da Globo”, mesmo com seus superiores sabendo há pelo menos um ano de seu comportamento racista, como afirmaram os jovens que divulgaram o vídeo e o que não é difícil de acreditar. Já que um batalhão de profissionais da emissora presenciou a fala racista do apresentador e nada fez.

O racismo é intolerável. Não apenas quando vaza na internet, mas também quando ocorre no cotidiano, longe das câmeras, seja na Globo ou em qualquer outro lugar da sociedade, na padaria, na escola, no hospital, na rua. O racismo deve sempre ser punido de forma exemplar. Para, quem sabe um dia, ser extirpado de nossa sociedade.

Em vez de tentar culpabilizar quem vazou o vídeo, evocando regras de confidencialidade empresarial, como se a denúncia de um ato racista e criminoso não estivesse acima de um código corporativo, por que não se preocupar em esquadrinhar o que leva gente como Waack e tantos outros a expor de forma tão impune um pensamento racista, sem nenhum tipo de constrangimento ou culpa? Como a sociedade pode abolir isso de vez?

Culpar o negro e a vítima é sempre mais fácil

Culpar o negro e a vítima é sempre mais fácil, sobretudo quando o agressor é homem branco, rico e heterossexual, o perfil de quem manda no Brasil desde que as caravelas portuguesas ancoraram na Bahia.

E é por tentar manter essa hierarquia onde uns importam mais e outros menos que o Brasil ainda é este país altamente hipócrita e cruel: igualitário no discurso apenas diante das câmeras, mas covardemente racista, machista, sexista, homofóbico e desigual nos bastidores.

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