Opinião: Cena de sexo gay é grito de liberdade ao Brasil da Idade Média

Caio Blat e Ricardo Pereira na primeira cena de sexo gay de uma novela no Brasil - Foto: Reprodução

Caio Blat e Ricardo Pereira na primeira cena de sexo gay de uma novela no Brasil – Foto: Reprodução

Por Miguel Arcanjo Prado

A novela não poderia ter nome melhor: “Liberdade, Liberdade”. Em tempos em que o Brasil ouve, horrorizado, discursos políticos que parecem transportados diretos da Idade Média para o século 21, a cena de sexo gay entre os personagens André (Caio Blat) e Tolentino (Ricardo Pereira), exibida neste terça (12) na novela “Liberdade, Liberdade” (Globo) é, evidentemente, um grande avanço. Sobretudo, no país que é campeão mundial em violência contra homossexuais.

Apesar de o casamento entre pessoas do mesmo sexo já ser permitido no país, ainda há um ranço de ódio e preconceito presente em parte da sociedade, que tenta demonizar a comunidade LGBT com discursos homofóbicos e sem amor ao próximo, preferindo a hipocrisia do armário, como mostrou esta semana reportagem do UOL.

Democracia é, antes de tudo, respeitar a diferença. Um país se faz do outro e, como define a Constituição, todos são iguais perante a Lei, com os mesmos direitos e deveres, aí incluso os homossexuais, como muitos políticos hipócritas preferem ignorar. Ora, por que esta forma de amor não poderia ser representada na dramaturgia televisiva que não se cansa de expor a todo instante o amor heterossexual? “Liberdade, Liberdade” quebra este tabu — apesar de a cena ser construída com uma lógica de relação sexual heteronormativa.

Se o teatro e o cinema há décadas tocam neste assunto sem pudor ou falso moralismo — o mesmo já acontece há tempos na televisão da Argentina, por exemplo —, a televisão aberta no Brasil (com seus galãs trancados no armário) ainda se mantém reticente em relação à temática, ignorando a própria sociedade brasileira contemporânea, onde os gays já saíram do armário há muito tempo sem culpa alguma e demonstram publicamente seu amor igual a casais heterossexuais, que sempre o fizeram também sem culpa alguma.

Cena de sexo gay de "Liberdade, Liberdade" - Foto: Reprodução

Em “Liberdade, Liberdade”, Globo mostra pela primeira vez cena de amor entre dois homens – Foto: Reprodução

O processo para chegar à cena de sexo gay que o Brasil assistiu na noite desta terça (12) foi lentíssimo. Quem não se lembra do casal de lésbicas de “Torre de Babel”, de 1998, escrita por Silvio de Abreu, Alcides Nogueira e Bosco Brasil, interpretado por Christiane Torloni e Silvia Pfeifer e que precisou ser morto em uma explosão por pressão de um público conservador?

Manoel Carlos teve sorte melhor junto ao público com seu casal de adolescentes lésbicas em 2003 em “Mulheres Apaixonadas”, interpretadas por Paula Picarelli e Alinne Moraes, mas o beijo final das duas precisou ser contextualizado em uma cena teatral de “Romeu e Julieta”. Não poderia ainda ser um beijo “real”.

Já em “A Favorita”, de João Emanuel Carneiro, de 2008, aconteceu coisa pior: Iran Malfintano, o gay enrustido Orlandinho, terminou no fim da trama com uma mulher, Céu, papel de Deborah Secco, como se houvesse uma “regeneração” da sexualidade. Um horror.

Personagens de Caio Blat e Ricardo Pereira fezem amor em "Liberdade, Liberdade" - Foto: Reprodução

Personagens de Caio Blat e Ricardo Pereira fezem amor em “Liberdade, Liberdade” – Foto: Reprodução

Foi o SBT quem colocou no ar o primeiro beijo gay “pra valer”, no caso entre duas mulheres, as atrizes Luciana Vendramini e Gisele Tigre, em “Amor e Revolução”, de Tiago Santiago, em 2011.

O primeiro beijo gay da Globo só foi surgir em 2014, no final da novela “Amor à Vida”, mesmo assim graças ao sucesso junto público do personagem gay Félix, defendido com competência por Mateus Solano. Mesmo assim, foi um selinho tímido, nada que se compare à cena de sexo de “Liberdade, Liberdade”, bem mais realista.

Em se pensar na longevidade do movimento por direitos homossexuais no mundo, que ganhou força sobretudo nos anos 1970, quando o aguerrido político gay norte-americano Hervey Milk marcou época até ser assassinado por um colega em 1978, a cena de sexo gay no Brasil chega atrasadíssima. Por mais que pareça uma migalha tardia em pleno século 21, ainda precisa ser comemorada, diante do cenário conservador de parte de nossa sociedade.

Ver os personagens de Caio Blat e Ricardo Pereira nus, se beijando e se amando, na televisão aberta de um país repleto de ódio aos gays, foi como presenciar um lampejo de liberdade.

Cena de sexo gay na novela "Liberdade, Liberdade" - Foto: Reprodução

Cena de sexo gay na novela “Liberdade, Liberdade” foi ao ar nesta terça (12) – Foto: Reprodução

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