“Cauã Reymond de travesti ficou muito feia”, diz atriz transexual

Cauã Reymond como travesti em videoclipe: polêmica - Foto: Reprodução

Cauã Reymond como travesti em videoclipe: polêmica no mundo trans – Foto: Reprodução

Por Miguel Arcanjo Prado

O ator Cauã Reymond como travesti no videoclipe da música “Your Armies”, da cantora Bárbara Ohana, lançado no último domingo (19), levantou polêmica, sobretudo na comunidade transexual. O Blog do Arcanjo do UOL procurou representantes da parcela social para saber o que pensam do clipe.

Leonarda Glück, atriz, diretora e dramaturga transexual da Selvática Ações Artísticas, de Curitiba, responde, sem pestanejar: “Não gostei da música e achei que o Cauã de travesti ficou muito feia”. Sobre a polêmica, diz: “Muito barulho por (quase) nada”, defendendo a liberdade profissional do global. “Ator tem que interpretar qualquer negócio”. Mesmo assim, reforça que “já existem muitas atrizes travestis e transexuais pelo país”. “Por que não dar a elas a chance de representar também?”, questiona.

O ator transexual e militante LGBT paulistano Leo Moreira Sá dá sua opinião: “Achei que o Cauã ficou lindo e arrasou na interpretação. Mas no momento reivindicamos essa ínfima fatia do mercado artístico de personagens trans”, declara. Em sua visão, o mundo ideal seria no qual trans pudessem interpretar personagens heterossexuais e vice-versa. Leo mesmo vive uma personagem “homem cisgênero” na série “A Lei” do canal pago Space. Mas, afirma que isso é raro. “Tive a sorte de encontrar profissionais que acreditaram no meu talento”.

Leonarda Glück e Cristal Lopez - Foto: Triade e Diego Moreira

Trans dos palcos: Leonarda Glück, de Curitiba, e Cristal Lopez, de BH- Foto: Triade e Diego Moreira

A paulistana Leona Jhovs, atriz transexual, lembra que o caso de Reymond não é único: “Não me aflige apenas este caso, como outros, como da novela da Gloria Perez que vão colocar uma mulher para viver uma das protagonistas, que é uma trans”, recorda a atriz, que chegou a fazer testes para esta personagem.

Cristal Lopez, performer transexual ícone da cultura em Belo Horizonte, que se define como “negra, trans e periférica”, não gostou de ver Reymond de travesti. “Essa história do Cauã é mais uma vez o homem cis tomando o lugar de fala. Me soou falso, porque ele não é uma mulher trans. Mas tudo isso foi positivo para dar o pontapé na discussão para fazer os heterosnormativos começarem a pensar que há outras vivências além da heteronormatividade”, espera. E aproveita para alfinetar: “O mundo das artes cênicas é machista e patriarcal”.

Diante disso, Leo Moreira afirma ter tido sorte em ter começado no teatro no grupo Os Satyros, de São Paulo. “Lá valorizam artistas trans, é só lembrar da diva do Satyros, a gloriosa e inesquecível Phedra D. Córdoba, mas já ouvi relatos de colegas que sofreram comportamento homofóbico em outras companhias”, diz.

Para Leonarda, trans reais sofrem muito preconceito. “Os produtores de elenco têm feito um trabalho preguiçoso nessa área. Achar que colocar um ator homem heterossexual interpretando uma personagem trans, e com isso achar que a visibilidade será ótima, é o tipo de preguiça que custa mais caro do que chamar uma atriz trans ou travesti profissional”, afirma. E aproveita para mandar um recado: “Essa discussão é importante para fazer com que os diretores de cinema, televisão e teatro do país repensem o que acreditam ser melhor para suas obras quando elas retratam este assunto”.

Leona Jhovs, Divina Raio-Laser e Leo Moreira Sá - Fotos: Dario José/Jonatas dos Santos/Divulgação

Espaço para trans: Leona Jhovs, Divina Raio-Laser e Leo Moreira Sá – Fotos: Dario José/Jonatas dos Santos/Divulgação

A drag queen gaúcha radicada em São Paulo Divina Raio-Laser, que também é atriz e criadora do concurso CoverGirl, achou o clipe “superbacana, lindo e bem feito”. Apesar de dizer que a “visibilidade das trans é superimportante”, afirma que, por ter Reymond, “um ator global, hétero, cis, uma figura masculina e desejada tão forte como travesti”, o vídeo deu muita visibilidade e repercussão ao discurso das trans. E aproveita para elogiar o global: “Foi uma atuação supersensível. Ele deu humanidade ao papel. Acho que temos de saber reconhecer um aliado, e não atacá-lo. Ganhamos com essa história”.

O ator Marcelo Medici, atualmente na novela da Globo “Haja Coração” e que costuma se travestir para interpretar personagens femininas no palco, também defende Reymond. “Um ator, geralmente, exerce essa profissão justamente pela possibilidade de ser outros. Qualquer crítica nesse sentido soa como censura à profissão”, pontua. “Sou absolutamente favorável que transexuais tenham total acesso a qualquer tipo de profissão, tive uma babá transexual inclusive, minha mãe sempre foi uma mulher sensacional. No filme ‘Carandiru’, por exemplo, preferia ter visto uma transexual interpretando a Lady Di, personagem que coube a Rodrigo Santoro. A escolha de determinado ator para interpretar qualquer personagem talvez agrade, talvez não… Ele não poder interpretar, acho inaceitável”, diz.

Marcelo Medici de mulher no palco: não pode censurar ator - Foto: João Caldas

Marcelo Medici de mulher no palco: ator não pode ser censurado – Foto: João Caldas

Para Joana Ziller, professora de Comunicação Social da UFMG e pesquisadora do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos LGBT, “há duas questões relevantes” nesta história. “Em primeiro lugar, de oportunidades de trabalho, que já são muito reduzidas para as pessoas trans. Quando os papéis de mulheres trans são interpretados por homens cis, reforça-se essa dificuldade, contribuindo para que as pessoas trans sejam marginalizadas no mercado de trabalho”.

Joana continua: “Mas há outro ponto, que algumas mulheres trans levantaram nos últimos dias. A visibilidade da violência contra elas é reforçada pela presença do Cauã no vídeo. Se o papel fosse interpretado por um outro ator cis ou por uma atriz trans, é provável que o vídeo não tivesse tanta repercussão. E essa repercussão é muito positiva e importante para as pessoas trans. Dar visibilidade a essa violência é um primeiro passo no sentido de combatê-la”.

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