Morte de Zuza Homem de Mello é perda incomensurável para música e cultura

Por Miguel Arcanjo Prado

A morte de Zuza Homem de Mello é perda incomensurável para a música e a cultura não só no Brasil como no mundo. O jornalista, escritor, pesquisador musical, contrabaixista, técnico de som e maior especialista em música que existia no país morreu enquanto dormia aos 87 anos vítima de um infarto no miocárdio, em seu apartamento, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, segundo informou a família em comunicado assinado pela viúva, Ercilia Lobo, filhos e netos.

Zuza foi um dos nomes mais atuantes na difusão de seus amplos conhecimentos musicais — o paulistano José Eduardo Homem de Mello, seu nome de batismo, viveu de perto todo o processo musical mundial e brasileiro nos séculos 20 e 21, conhecendo pessoalmente os maiores astros e estrelas. Ele fazia questão de passar sua experiência adiante em cursos livres — nos quais tocava na vitrola seus raros vinis, explicando em pormenores cada disco —, programas de rádio, TV e, mais recentemente, até podcasts. Entre 1977 e 1988, apresentou o premiado Programa do Zuza na rádio Jovem Pan, ganhador do Prêmio APCA. Ele ainda teve programa na Rádio USP, o Playlist do Zuza.

Zuza Homem de Mello era uma enciclopédia viva da história da música, que viveu no corpo e na alma com toda a intensidade e paixão durante sua longeva passagem pela Terra. O musicólogo tinha uma das mais importantes coleções de discos, sobretudo em vinil, do país, repleta de raridades.

Como escritor, havia finalizado na última semana uma biografia sobre o cantor e compositor baiano João Gilberto (1931-2019), seu último presente para os amantes da boa música.

Diante da pouca repercussão da morte de João Gilberto no Brasil ignorante, Zuza resolveu que era preciso dar o peso necessário à biografia do artista que foi um dos maiores nomes da história musical mundial e grande responsável pela difusão da música brasileira internacionalmente e da construção de uma identidade musical brasileira admirada em todo o Planeta por meio da genial batida da bossa nova.

“Sinto muito pela passagem de Zuza Homem de Mello, pesquisador, crítico e jornalista musical, com quem estive recentemente para a gravação do programa Muito Prazer, Meu Primeiro Disco, do qual ele foi curador. Descanse em paz”, afirmou Gilberto Gil. O programa em parceria com o Sesc Pinheiros foi ao ar na noite deste sábado, horas antes da morte de Zuza.

Artistas que morreram em 2020

Zuza estudou música na prestigiada Juilliard School, em Nova York, nos anos 1950, e viu grandes nomes como Ella Fitzgerald e Billie Holliday se apresentarem nos bares da cidade americana e tornou-se íntimo das lendas do jazz, algumas das quais trouxe ao Brasil em shows históricos.

Quando voltou ao Brasil da temporada norte-americana, foi contratado pela TV Record como técnico de som, tornando-se responsável por sucessos musicais como O Fino da Bossa, Jovem Guarda e Bossaudade, na era de ouro do canal paulista que revelou grandes talentos de nossa música. Ele registrou este efervescente período no livro obrigatório A Era dos Festivais. Zuza marcou o começo da carreira de nomes fundamentais da música nacional como Elis Regina, Milton Nascimento, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre outros.

Ele ainda dirigiu festivais como O Fino da Música e o Festival de Verão do Guarujá. Na TV, apresentou o Jazz Brasil, na TV Cultura. Sua importância na cultura brasileira é esmiuçada no documentário Zuza Homem de Jazz, da cineasta Janaína Darli, que registrou seus feitos para a história.

Amante irrevogável do jazz e da MPB, Zuza foi o maior defensor da qualidade musical e do conhecimento da história dos grandes músicos. Com sua morte, perdemos um das mais geniais cabeças da música no Brasil e no mundo. O lamento é infindável, porque Zuza Homem de Mello é insubstituível. Choremos profundamente esta perda.

Tellé Cardim na plateia dos Festivais da MPB da TV Record

Tellé Cardim lamenta perda de Zuza Homem de Mello

Jornalista que viveu de forma fervorosa a era dos festivais e é citada no livro de Zuza Homem de Mello, Tellé Cardim, jurada de música do Prêmio APCA, lamentou a perda do amigo. “A música perde um dos maiores e melhores críticos da MPB, Zuza Homem de Mello. Tive a honra de ser entrevistada pelo Zuza duas vezes, em uma para o livro Canção do Tempo e outra para o livro A Era dos festivais, ambos com carinhoso autógrafo”, recordou Tellé.

“A turma lá em cima está em festa: Vinícius Tom, Aldir Blanc, Baden, Elis, Nara, Zé Keti, João do Vale, Clara Nunes, Ronaldo Boscoli, entre outros tantos nomes, já estão recebendo Zuza no outro plano, assim que partiu de forma silenciosa. Zuza, nós que ficamos aqui neste mundo terráqueo, estamos muito tristes com sua passagem”, afirmou a crítica da APCA.

Autógrafo de Zuza Homem de Mello para Tellé Cardim
Livros de Zuza Homem de Mello da coleção de Tellé Cardim

Ps. O Blog do Arcanjo lembra a seguir a participação de Zuza Homem de Mello no programa Roda Viva da TV Cultura em 10 de junho de 2019.

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1 Resultado

  1. 04/10/2020

    […] Por Miguel Arcanjo PradoO Brasil é ingrato com seus grandes artistas. A prova mais recente foi que passou despercebido o aniversário de 80 anos da cantora baiana Astrud Gilberto, atualmente radicada nos Estados Unidos, no último dia 29 de março. A data foi ignorada não só pelas autoridades brasileiras, como pelos grandes meios de comunicação e também pelo ambiente musical. Um absurdo (uma das raras exceções foi matéria feita pelo jornalista José Teles em Pernambuco).Afinal, Astrud Gilberto é a voz feminina brasileira mais ouvida da história, que tornou a nossa música admirada em todo o mundo, desde que, por acaso, cantou Garota de Ipanema, composição de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, no disco Getz/Gilberto de 1964 — a aclamada parceria do saxofonista norte-americano Stan Getz e gênio baiano João Gilberto, cuja morte no ano passado não mereceu a atenção que deveria, sobretudo do governo federal. Garota de Ipanema, cantada pelo então casal Astrud e João, é uma das canções mais executadas da história musical. Simples assim.Leia também: Morre Zuza Homem de Mello, maior especialista da música no Brasil […]

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