Silvana Garcia celebra série Cena Inquieta sobre teatro: ‘Foi um segundo doutorado’

Por Miguel Arcanjo Prado

Importante pesquisadora do teatro brasileiro, Silvana Garcia acompanha de perto a repercussão da série de documentários sobre o teatro contemporâneo Cena Inquieta, da qual foi responsável pela curadoria.

O programa estreou no último dia 23 de julho e segue toda quinta, 23h, no SescTV sob direção de Toni Venturi, da produtora Olhar Imaginário em parceria com SescTV.

O projeto traça uma cartografia do teatro de grupo brasileiro na contemporaneidade, mapeando coletivos teatrais de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Recife.

Silvana Garcia entrevista As Capulanas na série Cena Inquieta, parceria da Olhar Imaginário e SescTV – Foto: Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo

Ao todo, são 26 documentários de 55 minutos que retratam 48 grupos e 10 artistas que experimentam novas linguagens cênicas, passando por questões étnicas e de gênero.

Pesquisadora, dramaturgista e diretora de teatro com mestrado e doutorado em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo, onde leciona na Escola de Arte Dramática, Silvana conversou com exclusividade com o Blog do Arcanjo nesta Entrevista de Quinta. Falou sobre a série e ainda opinou sobre o atual momento digital que vive o teatro nesta pandemia.

Leia com toda a calma do mundo.

Miguel Arcanjo Prado – A série Cena Inquieta acaba de estrear. Como tem sido a repercussão?
Silvana Garcia –
Eu digo a você que tem uma mobilização muito grande dos grupos, uma expectativa muito grande. O SescTV foi muito cuidadoso no lançamento da série. Havia uma ansiedade muito grande de espera. A série vem agora com muita potência, está repercutindo muito. Eu estou divulgando junto ao meio acadêmico. Porque é um material de pesquisa. A repercussão tem sido maravilhosa. Estou muito feliz. 

Sofia Riccardi e Guttervil, da Cia. de Teatro Os Satyros, na série Cena Inquieta – Foto: Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo

Miguel Arcanjo Prado – Imagino que diante do panorama tão grande de nosso atual teatro tenha sido tarefa árdua selecionar os que participaram.
Silvana Garcia –
Sim, foi muito difícil, porque havia muitos mais grupos do que possibilidade de filmagens nesta primeira temporada. Digo primeira, mas não sei se haverá a segunda, mas gostaria que houvesse. Foi realmente uma escolha de Sofia. A ideia desde o início foi não se ater só a São Paulo e Rio, embora tenham produção volumosa, mas não poderia deixar de fora produções significativas pelo Brasil. Eu cancelei grupos que havia selecionado para fazer novos agrupamentos. O que me moveu como olhar de pesquisadora foi encontrar nexos entre os grupos, um panorama e possíveis diálogos entre esses grupos. Fui tentando tecer um pensamento na construção desses grupos sempre com muita pena de deixar grupos de fora. 

Flávio Rodrigues e Raphael Garcia, do Coletivo Negro, dão entrevista a Silvana Garcia na série Cena Inquieta, do SescTV – Foto: Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo

Miguel Arcanjo Prado – O teatro é uma arte muito efêmera, que acontece no tempo presente. Qual a importância de registros como o de Cena Inquieta?
Silvana Garcia –
Eu fui diretora do Idart, o Departamento de Informação e Documentação Artísticas da Prefeitura de São Paulo, que está no Centro Cultural São Paulo, quando o Carlos Augusto Machado Kalil foi diretor. Tenho muita consciência da importância da documentação. O teatro é efêmero como fenômeno, mas ele constitui uma história, uma trajetória ao longo do tempo. Eu sou professora da EAD (Escola de Arte Dramática da USP) e vejo que os grupos hoje se alimentam muito dessas possibilidade de ver vídeos. Na minha geração, a gente tinha os festivais, a gente via as coisas de fora, tinha o envolvimento até emocional em assistir Bob Wilson, Peter Brook, não que isso não ocorra hoje, mas você acaba formando o seu repertorio a partir dessas novas possibilidades. Antes, os grupos não registravam ou documentavam sua história, seus processos. O Fomento ao Teatro em São Paulo foi importante nesse sentido. Os grupos passaram a documentar. Como historiadora, eu vejo que esse panorama da série constitui um recorte. Para mim foi um segundo doutorado: tem um recorte, tem um pensamento, quem assistir vai perceber.

Sidney Santiago e Lucelia Sergio Conceição, da Cia. Os Crespos de Teatro, na série Cena Inquieta, do SescTV – Foto: Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo

Miguel Arcanjo Prado – Sua série abarca novidades no teatro, como o novo teatro negro ou a luta por representatividade LBGTQIA+ nos palcos. Como enxerga essas novas questões tão vibrantes no teatro contemporâneo?
Silvana Garcia –
Eu vejo com imensa alegria e curiosidade. São questões que estão sendo discutidas e debatidas na sociedade e elas estão agora buscando o seus meios próprios de expressão nas artes, então certamente esses conteúdos forjarão novas formas. Eu creio que esse segmento LGBTQIA+ e Teatro Negro vão promover uma sacudidela nas formas teatrais, e inovações não no sentido de uma obrigação do novo, mas no sentido de tentativa de encontrar novos caminhos para se expressar, que implicam em novas formas e formulações cênicas. Eu vejo com curiosidade, porque traz um sopro de renovação. Vejo com alegria, porque o teatro é um alto falante dessas questões e é um lugar onde isso pode ser debatido com um outro grau de profundidade, que não a retórica sociológica. O teatro traz a força da imagem que nos obriga a ser sintéticos e encontrar o cerne da questão. Vivemos um momento de muita inovação e muita ebulição, de renovação da potência do teatro. 

Miguel Arcanjo Prado – Falando em ebulição e renovação, como você enxerga o teatro digital, que foi a forma encontrada por muitos artistas e grupos para se manterem ativos nesta pandemia. E como vê quem critica o teatro digital?
Silvana Garcia –
Eu penso o seguinte. De fato é difícil a gente aceitar que isso seja a única forma que a gente tem. Eu dei uma colaboração no Teatro do Osso outro dia, fiz uma live com eles. Eu dizia isso: nós estamos sofrendo de uma ânsia pela rua. O teatro de rua é importente. A Ariane Mnouchkine [diretora do Théâtre du Soleil] foi para a rua em meados de junho fazer um reforço em um protesto do pessoal de saúde, que reivindicava condições de trabalho. A gente está precisando disso, da teatralidade da rua, sair, se comunicar, se abraçar. Tem uma resistência [com o teatro digital], mas é o que temos agora, vamos ser criativo usando o que nós temos. Eu acho que vamos abrir novas possibilidades. Diz para um ator que ele não vai para o palco, diz para o diretor que ele não vai para o presencial? Não vejo um ou outro. O que temos é uma soma. Aprendemos a lidar com algo que não sabíamos. É preciso vencer a resistência [ao teatro digital]. É algo que não precisa substituir, mas somar. Eu mesma tenho muita dificuldade [com as novas tecnologias]. No futuro vamos lidar com videoarte, livearte, de repente alguém vai inventar um nome interessante… Temos de somar e aproveitar. A gente não pode ficar parado. Se ficar parado morre, o pensamento tem que voar. Se não pode presencialmente para a rua, que o pensamento voe. 

Saiba mais sobre a série Cena Inquieta

Grupos participantes

Participam da série Cena Inquieta do Sesc TV os seguintes grupos: Grupo Clariô de Teatro (SP) e Capulanas Cia de Arte Negra (SP); Teatro Kunyn (SP) e Rainha Kong (SP); Os Satyros (SP) e espetáculo O Meu Lado Homem, um Cabaré d‘Escárnio; Cia do Tijolo (SP), Teatro do Osso (SP) e espetáculo Inútil Canto e Inútil Pranto pelos Anjos Caídos; Cia Os Crespos (SP) e Coletivo Negro (SP); Núcleo Bartolomeu de Depoimentos (SP) e espetáculo Eu Organizo o Movimento; espetáculo O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu e Cia Pessoal do Faroeste (SP); Companhia do Miolo (SP) e Cia. Paulicéia de Teatro (SP); Companhia de Teatro Heliópolis (SP) e Núcleo Teatral Filhas da Dita (SP); Coletivo Estopô Balaio (SP) e Trupe Sinhá Zózima (SP); AntiKatártiKa Teatral (SP), espetáculo Luis Antonio-Gabriela e Velha Companhia (SP); Tablado de Arruar (SP) e Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Artes (SP); Cia. Les Commediens Tropicales (SP) e OPOVOEMPÉ (SP); Grupo Redimunho de Investigação Teatral (SP) e Núcleo Macabéa (SP); Bando de Teatro Olodum (BA) e N.A.T.A. (BA); Teatro da Queda (BA), Território Sirius Teatro (BA) e espetáculo Diário Rosa; Grupo Totem (PE) e Grupo Magiluth (PE); Coletivo Angu de Teatro (PE) e Teatro de Fronteira (PE); Cia Marginal (RJ) e Coletivo Bonobando (RJ); Cia Emú de Teatro Negro (RJ) e Coletivo Preto (RJ); As Bacurinhas (MG), Coletiva As Minas (MG), e Mulheres de Buço (MG); Danielle Anatólio, Michelle Sá, Adyr Assumpção e Preto Amparo (MG); Cia dos Comuns (RJ) e Companhia Negra de Teatro (RJ); O Poste Soluções Luminosas (PE) e Teatro Negro e Atitude (MG); Grupo dos Dez (MG) e Teatro de Extremos (RJ); Cia. Estável de Teatro (SP) e Trupe Olho da Rua (SP).

Episódios

CENA INQUIETA
Quintas, às 23h, no SescTV

Já exibidos

Dia 23/07 – Lançamento
Capulanas Cia de Arte Negra e Grupo Clariô de Teatro
Convidado: Cidinha da Silva

Dia 30/07
Trupe Sinhá Zózima e Coletivo Estopô Balaio
Convidado: Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira

Próximos

Dia 06/08
Cia Os Satyros e espetáculo O Meu Lado Homem, Um Cabaré D‘Escárnio de Luis Mármora
Convidado: Juan Peralta

Dia 13/08
Cia do Tijolo, Teatro do Osso e espetáculo Inútil Canto Inútil Pranto pelos Anjos Caídos de Rogério Tarifa
Convidado: Adriano Diogo

Dia 20/08
Segunda Preta de BH: artistas Danielle Anatólio, Michelle Sá, Adyr Assumpção e Preto Amparo
Convidado: Marcos Alexandre

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