Morre Lucia Camargo, ícone da cultura no Brasil

Por Miguel Arcanjo Prado

Morreu Lucia Camargo, nesta segunda (20), aos 76 anos, vítima de complicações de um AVC (Acidente Vascular Cerebral). Ela estava internada desde sábado (18) no Hospital Santa Isabel da Santa Casa, em São Paulo. A jornalista, gestora cultural e produtora paranaense foi um dos nomes mais atuantes e importantes da cultura brasileira nas últimas décadas.

Atualmente, ela respondia pelo coordenadora de Extensão Cultural e Projetos Especiais da SP Escola de Teatro, gerida pela Associação dos Artistas Amigos da Praça, a Adaap. Ela ainda foi secretária-adjunta de Cultura do Estado de São Paulo.

“Uma mulher cuja vida foi dedicada absolutamente à cultura e à formação artística”, informou o comunicado feito pela SP Escola de Teatro.

Entre outros cargos, Lucia Camargo dirigiu o Theatro Municipal de São Paulo, o Teatro Guaíra de Curitiba e o Palácio das Artes (Fundação Clóvis Salgado) em Belo Horizonte, três dos mais importantes palcos culturais do Brasil.

Nome respeitado nas artes cênicas, ela ainda foi curadora do Festival de Teatro de Curitiba e jurada do Prêmio Shell de Teatro em São Paulo.

Lucia Camargo – Foto: Arquivo Pessoal – Blog do @miguel.arcanjo

Vida dedicada às artes

A paranaense Lúcia Maria Glück Camargo era formada em Jornalismo e também cursou a licenciatura em Pedagogia. Além disso, especializou-se em Produção para Televisão Educativa e era mestra em História do Brasil. Como professora universitária, deu aula na Universidade Federal do Paraná e na PUC-Paraná.

Lucia teve passagens por importantes instituições públicas do País e ocupou cargos em pastas de poderes executivos, estruturando relevantes ações de políticas públicas de cultura.

No seu estado natal, compôs o conselho de arte e foi diretora da Fundação Teatro Guaíra, dirigiu e presidiu a Fundação Cultural de Curitiba, foi também diretora do escritório sulista da Funarte e Secretária de Cultural do Paraná e da capital.

Em Minas Gerais, foi diretora presidente do Instituto Cultural Orquestra Sinfônica, presidente da Fundação Clóvis Salgado e diretora do Centro de Referência Audiovisual da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte.

Acervo de Antônio Abujamra é incorporado à biblioteca da SP Escola de Teatro.13/05/2019. Foto por Andre Stefano / SP Escola de Teatro.

Já em São Paulo, Lucia Camargo foi diretora da Divisão de Teatro da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, no início dos anos 1990, e, de 2001 a 2004, diretora artística e técnica do Theatro Municipal.

Em 2011, ela foi convidada para integrar a equipe da SP Escola de Teatro, onde criou projetos de formação abertos à comunidade, através dos cursos de extensão, e a curadoria de residências artísticas e de pautas das salas multiuso da instituição.

Em 2016, afastou-se por dois anos da função para se tornar secretária adjunta de Cultura de São Paulo, na pasta comandada por José Roberto Sadek.

Ainda na capital paulista, a produtora colaborou com a Associação Paulista dos Amigos da Arte (APAA), sendo uma das responsáveis pela programação do Teatro Sergio Cardoso.

Lucia Camargo e Ivam Cabral – Foto: Arquivo pessoal – Blog do @miguel.arcanjo
Lucia Camargo e Miguel Arcanjo Prado na abertura da 21ª Mostra de Cinema de Tiradentes em 2018 – Foto Leo Lara/Universo Produção – Blog do @miguel.arcanjo

Veja a repercussão da morte de Lucia Camargo

“Lucia Camargo é uma mulher fundamental na história do teatro brasileiro, seja à frente de projetos de formação artística, na gestão de importantes instituições cultural do País e como curadora e júri de premiações e festivais. Uma pessoa inteligentíssima, atenta e dedicada à sua grande paixão, que era a arte. Pessoalmente, tenho um imenso amor por Lucia, enorme admiração. Somos conterrâneos, e nos conhecemos ainda nos anos 1980, quando ela era diretora do Teatro Guaíra, em Curitiba, e eu, estudante de Artes Cênicas. Admirava o trabalho dela e tinha muito respeito por sua trajetória. Duas décadas depois, o destino me presenteou em ter Lucia Camargo como minha amiga e parceira de sonhos. Parte, hoje, um pedaço de mim”.
Ivam Cabral, diretor da SP Escola de Teatro e fundador da Cia. de Teatro Os Satyros

“Ainda tenho dificuldades para raciocinar, uma vez que foi minha grande e afetuosa amiga. Mas quero dizer que Lúcia Camargo amou tanto as artes (especialmente o teatro), quanto os artistas, e isso fez toda a diferença. Dignidade, experiência e honestidade ímpares.”
Marici Salomão, coordenadora do curso de Dramaturgia da SP Escola de Teatro

“Foi com grande tristeza que recebemos a notícia da partida de nossa amiga, parceira e ex-curadora Lucia Camargo. A Lucia foi uma profissional brilhante que contribuiu enormemente com todas as organizações por onde passou. Trabalhando em instituições públicas e privadas no Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, Lucia construiu uma rede de relacionamentos que utilizava com sabedoria, sempre em prol da cultura. Pessoalmente, Lucia sempre foi uma grande amiga e parceira para todos os momentos. O Festival de Curitiba vai continuar honrando o seu legado de realizações, seguindo o seu exemplo de humildade, dignidade, caráter e poder de realização.⠀
Viva a Lúcia Camargo!”

Leandro Knopfholz, idealizador e diretor do Festival de Teatro de Curitiba

“O que dizer de Lúcia Camargo? Que foi uma pessoa fundamental na vida de tantos artistas como eu. Uma amiga sempre gentil e atenta. Uma trajetória de vida ímpar. Uma mulher empoderada avant la lettre. Obrigado por tudo o que você fez pela arte brasileira! Descanse em paz, amiga querida!”
Rodolfo García Vázquez, diretor fundador da Cia. de Teatro Os Satyros e coordenador do curso de Direção da SP Escola de Teatro

“Lucia Camargo. A amiga. Dois dias de tristeza incandescente no meu coração. Em centenas, talvez milhares de corações. Ela estava feliz, há duas semanas, quando aprendeu a dominar a tecnologia e pudemos, alguns amigos e colegas (como ela gostava de chamar) ver seus olhos serelepes e seu sorriso saltitante nas telas de nossos computadores. Mas há dois dias ela estava malzinha. Teve um mal súbito, não voltou mais. Hoje despediu-se desse mundo triste. Foi. Mas ficou. Ficou pra sempre aquele olhar, aquela alegria e o amor imenso pelo teatro. A devoção ao teatro. Trabalhar com a Lucia foi sempre mais festa que trabalho. Ela não carregava segredos e problemas, mas generosidade e soluções. De uma integridade que vi poucas vezes nessa vida, sempre cheia de ideias lindas e sempre disposta a dividir tudo, as conquistas, os louros, as delicadezas. E Lucia era tão dada a delicadezas… um luxo ser colega dela! Um luxo! Levava docinhos para todos, levava bolo, até milho verde cozido ela já levou! Inventava umas festinhas no meio da tarde com pipoca, suco, paçoca. Nas reuniões era sempre certeira nos comentários e nas ideias, sempre disposta a somar e sempre ajudando quem precisasse. Uma mulher forte e poderosa, uma menina festeira. Eu a conheci há muito tempo, quando apresentamos Vestido de Noiva em Belo Horizonte, os Satyros, no Palácio das Artes, que ela comandava. Um dos teatros mais lindos e bem cuidados que tive a honra de me apresentar. Quis a sorte que ela viesse trabalhar ao nosso lado na SP Escola de Teatro… e quis mais, a sorte, quis que fôssemos vizinhas de porta de salas. A Lucia era dessas pessoas que sabem dar afeto sem invadir, que cuidam sem vitimizar. Era amiga de verdade e sempre. Ela levava flores pra mim, às vezes. Um dia eu estava triste e no dia seguinte, em minha mesa, tinha uma goiabada cascão embrulhada pra presente e com laço de cetim. “Pra adoçar sua vida”, ela me disse. Foi uma das pessoas que mais me incentivaram a voltar para o teatro. Dizia que eu era linda, talentosa, que o teatro não merecia a minha ausência. Ela queria que eu fizesse Ofélia em um monólogo. Vibrou muito quando começamos a apresentar Desamparos. Queria muito ver, mas acho que não teve tempo. Não importa. Importa que ela faz parte dessa minha conquista e das conquistas de tanta gente…
Eu estava chorando bastante esses dias. Rezando, acendendo velas. Hoje, aqui na minha Macondo, tocou o sino da morte. Fui caminhar um pouco ao anoitecer. Quando voltei, acendi a luz do quarto e a lâmpada queimou. Peguei correndo o celular e a mensagem chegou na hora. ela partiu hoje, mas ficou pra sempre.”

Cléo De Páris, atriz

“Eu não tenho palavras para falar da grande Lucia Camargo. Eu estou sem rumo, aqui na sala, de canto em canto, buscando entender. As memórias, os conselhos, as aulas de ballet , dancei a música da formação por ela, da Maysa, Né Me Quite Pas… Eu me formei do balé do Theatro Municipal de São Paulo, ela chorou, me deu comida, casa, amor, brigou com a escola de bailados. “Ela fica aqui e ninguém mexe com ela”, deu a ordem. Aqui em casa tenho o primeiro quebra nozes que ela me deu, os primeiros figurinos profissionais que usei. Que dor, Lucia, a cada nota de piano, a cada movimento do corpo, o suor, a dedicação… vou me lembrar de você. Sou quem sou por causa de você.”
Márcia Dailyn, atriz, primeira bailarina trans do Theatro Municipal, diva da Praça Roosevelt e do Satyros, musa do Baixo Augusta, The Weeck e Bar da Dona Onça

“O Brasil fica pobre culturalmente sem Lucia Camargo. Ela era figura que impunha respeito por onde quer que passasse, devido sua longa trajetória de contribuição às artes. Sua presença nas plateias era sinal de prestígio para qualquer espetáculo. E, bem antes que se falasse em mulher empoderada, foi pioneira em postos de comando da cultura brasileira. Figura nacional, não ficou restrita ao Paraná natal, mas desbravou os poderosos Estados de Minas Gerais e de São Paulo, onde comandou as maiores instituições culturais, cravando seu nome na história como mulher que se impôs no poder político-cultural. Lucia foi à frente de seu tempo em decisões como bancar Marcia Dailyn sendo a primeira bailarina trans na escola de bailado do Theatro Municipal de São Paulo e ter dado todo o apoio quando a aluna foi vítima do preconceito conservador. No dia a dia, não posso deixar de lembrar, Lucia sempre foi muito carinhosa comigo, seja nas plateias do Festival de Curitiba (ou num almoço inesquecível com ela e Leandro Knopfholz) ou do teatro paulistano, e fez questão de assistir Entrevista com Phedra, meu primeiro espetáculo como dramaturgo. Lembro que sua presença foi emocionante para todos nós, especialmente para Marcia, protagonista da obra e que lhe dedicou aos prantos a sessão, lembrando seu apoio tantos anos atrás no Municipal. Lucia chorou com a homenagem feita com o coração. Jamais me esquecerei da vez que viajamos juntos de São Paulo a BH de avião, e depois de micro-ônibus do Aeroporto de Confins até Tiradentes, saga de quase um dia, para acompanhar a Mostra de Cinema de Tiradentes. Durante toda a viagem, no céu e na terra, fomos um ao lado do outro, papeando pelos céus e montanhas de Minas. Tive a honra de ter ela mesma me contando toda sua história e os melhores bastidores da cultura brasileira. Na abertura do festival, ficamos lado a lado, na primeira fila (o que foi registrado pelo fotógrafo Leo Lara, na nossa única imagem juntos, que mandei para ela por e-mail depois, deixando-lhe feliz). Na última vez que nos encontramos, pouco antes desta triste pandemia, eu lhe falei: “Lucia Camargo, você que deveria ser a ministra da Cultura do Brasil”. Ela abriu um sorriso e me deu uma piscadela de olho. É essa imagem que vou guardar dessa grande mulher que foi imprescindível para nossa cultura.”
Miguel Arcanjo Prado, jornalista, colunista crítico da APCA e criador do Prêmio Arcanjo de Cultura

“Acabo de saber que Lucia Camargo partiu. A tristeza é imensa. Mais uma amiga da minha geração se vai. Aqui três fotos que tenho de momento que me farão lembrar sempre dela. Ópera dos 3 vinténs em Curitiba. Ópera D. Carlo, no Teatro Municipal e a SP Escola de teatro onde passamos os últimos anos ao juntos. Minha biblioteca vai também sentir muito a falta das suas generosas doações. Ficamos órfãos de você.”
J. C. Serroni, cenógrafo

“Que o universo te receba de volta com muita luz Lucia Camargo. E que tenha muita balinha pra você distribuir como gostava de fazer todos os dias gentilmente. Uma mulher de trajetória brilhante fica como um exemplo para todas nós. Viva Lucia.”
Dione Leal, atriz

“Lucia Camargo foi uma importante gestora, ética e transparente à frente da Fundação Clóvis Salgado em Minas e deu vazão a projetos transversais, que desde aquela época já integravam cultura e turismo.”
Michel Ferrabbiamo, produtor e gestor cultural da Casa Cult MG

“Não é mal que haja em tudo um espectro profundamente ideológico sobre aquilo que produzimos. Não é mal que estejamos sempre posicionados, mas pessoas da linhagem de Lucia Camargo revisam esse tipo de engajamento. Lucia Camargo, pelos inúmeros cargos que ocupou ao longo das inúmeras fases desse país cheio de fases, é prova maior de que é preciso participar de cada um dos processos políticos de um país ainda em transformação. Lucia, pelo seu currículo que hoje tristemente se torna testamento, precisa ser entendida pela geração que se segue, pela minha geração também, sobretudo. É preciso ‘ser’ Lucia. Estar dentro e junto de cada instante do processo cultural das épocas. Estar sempre entre-disputas. Como uma pessoa total, capaz e cheia de energia, feito Lucia. Vá com luz.”
Marcio Tito, dramaturgo

“Lamento profundamente a morte da querida amiga Lucia Camargo, uma das maiores gestoras culturais do país. Foi secretária de Estado da Cultura do Paraná, presidente da Fundação Cultural de Curitiba, Curadora do Festival de Teatro de Curitiba, jurada do prêmio Shell, diretora do Teatro Municipal de São Paulo e do Palácio das Artes de Belo Horizonte, e mais recentemente Diretora da SP Escola de Teatro. Contei com a parceria e a cabeça aberta de Lucia, na minha época de Coordenador de Juventude da Prefeitura de São Paulo, quando misturamos DJs e Drag Queens com a bateria da Vai Vai, de forma inédita no Theatro Municipal – que estava sob sua direção – nos Dez Anos da coluna Noite Ilustrada e Erika Palomino da Folha de São Paulo. Foi Lucia também que me ajudou a montar a programação da Casa do Baixo Augusta, com cursos de técnicas teatrais livres e gratuitos, na parceria que estabelecemos entre o Acadêmicos do Baixo Augusta e a SP Escola. Descanse em paz, amiga. Meus sentimentos aos familiares, amigos, admiradores. Meu carinho especial a todas e todos da querida SP Escola de Teatro.”
Alê Youssef, secretário executivo do Gabinete do Prefeito Bruno Covas

Veja mais nomes das artes que nos deixaram em 2020

 | Jorg Eder

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3 Resultados

  1. Leo Lara disse:

    Que tristeza, Lúcia era pura alegria. Vai fazer falta.

  1. 21/07/2020

    […] PradoA atriz Cléo De Páris fará homenagem a Lucia Camargo, gestora cultural e jornalista que morreu nesta segunda (20), aos 76 anos, devido a complicações de um AVC (Acidente Vascular Cerebral). Cléo vai dedicar um texto escrito […]

  2. 21/07/2020

    […] lançou campanha para que Lucia Camargo vire nome de teatro. A grande gestora cultural paranaense morreu nesta segunda (20), aos 76 anos, deixando o mundo das artes brasileiras em luto. “Começo agora um movimento para que o […]

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