Exclusivo: ‘Pretos e periferianos são os mais lesados’, diz Rincon Sapiência na quarentena

Rincon Sapiência: clipe Quarentena (Verso Livre) já foi visto por 100 mil no YouTube – Foto: Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo

Rincon Sapiência, nome forte da nova safra da música brasileira, criou o single Quarentena (Verso Livre) durante este período de distanciamento social. O clipe da canção feita de forma caseira já foi visto por mais de 100 mil pessoas no Youtube. Na música, o artista apresenta sua visão da pandemia que o mundo e, sobretudo, o Brasil vivem, bem como faz considerações sobre qual futuro é possível.

O cantor, rapper, produtor musical e empresário do entretenimento analisa nesta entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo o duro período em que vivemos. O paulistano de 34 anos conversou com o jornalista Miguel Arcanjo Prado e falou da criação do single, das desigualdades sociais acentuadas pela pandemia, da crise na cultura, de como enxerga a crise política e sanitária nacional e ainda revelou o que pretende fazer quando tudo isso passar.

Leia com toda a calma do mundo.

Miguel Arcanjo Prado – Como foi a criação desse single neste momento?
Rincon Sapiência –
A criação desse single foi bem espontânea. Eu estava imerso aqui no estúdio e coloquei como prioridade o exercício da música de forma despretensiosa e não tinha nenhuma perspectiva de fazer uma música para fazer parte de álbum ou de um EP ou qualquer coisa de tipo. Então eu me vi aberto a poder falar o que eu quiser e fazer música da forma que eu quisesse e respondendo ao momento, a tudo que estava acontecendo, os entornos, acabou sendo impossível não falar sobre. Então eu acabei falando sobre esse assunto de quarentena e tudo isso surgiu de fora espontânea.

Miguel Arcanjo Prado – Você acha que essa pandemia vem sendo um meio de exterminar os menos favorecidos?
Rincon Sapiência – Eu não tenho nenhuma base para afirmar com absoluta certeza que sim, que seja algo para exterminar os menos favorecidos, mas se você colocar a cadeia ali, alimentar, também os ditos mais favorecidos, de alguma forma, também estão sendo bem lesados. Muitos deles, países ditos como países estruturados e de primeiro mundo, também passando por dificuldades. Então, essa situação toda, de fato, acabou agravando a todos de forma surpreendente, mas como a gente fala “todos”, tem uma escala de uns mais afetados outros menos. E aí aquela velha praxe se mantém porque aí, dentro dessa cadeia, periferianos, pretos, moradores de periferia, de favela acabam sendo os mais lesados. Os números comprovam isso, o índice de infecção nos bairros de periferia também comprovam e a gente tem como algo positivo o SUS, mas é uma demanda muito grande para se atender, com o número de infectados. Então a gente, os menos favorecidos acabam segurando um bomba ainda mais pesado do que os mais favorecidos, porém todos estão sendo lesados.

Miguel Arcanjo Prado – Como você enxerga a situação atual do Brasil?
Rincon Sapiência – É, a situação do Brasil, a partir dessa pandemia, tem se escancarado várias coisas. Uma delas é como essa intensidade em que a gente sempre viveu nem sempre nos dá bons resultados. A gente vive o tempo todo circulando, carros em trânsito, pessoas saindo, horários extensos de carga horária de trabalho e isso impacta na nossa saúde mental, na saúde da natureza. Isso impacta negativamente de várias formas, essa intensidade, então isso seria algo para se rever. E uma outra questão é a forma que está se escancarando a desigualdade social porque você tem orientações para se ficar em casa, muitas pessoas mal têm uma casa ou tem uma casa com muito pouco estrutura, muito pequena para uma família muito grande. Essas pessoas menos privilegiadas não têm acesso a conseguir um convênio médico. Existe um sistema público de saúde que eu acho bem positivo, mas a gente sabe que na prática você vai até ele e você vai esperar um bom tempo esperando para ser atendido e muitas vezes dois médicos apenas atendendo uma demanda enorme de pacientes. Toda essa situação tem mostrado como que o Brasil é defasado em vários quesitos e tudo se impacta. Então essa falta de investimento na saúde, na educação, na forma com que a gente se organiza socialmente, o desacerto nessa organização tem resultado na parte negativa em relação à pandemia e aí os números indicam o alto índice de infectados, de mortes e isso é lamentável.

Miguel Arcanjo Prado – O que falta ao Brasil neste momento?
Rincon Sapiência – O que eu tenho sentido falta, das lideranças, das autoridades, é esse foco na saúde das pessoas em primeiro lugar. Talvez se existisse algo mais rígido em relação à circulação na rua. Aí você pensa, e são aquelas pessoas que precisam sair e não tem jeito, precisam trabalhar. Então se você consegue subsidiar essas pessoas, subsidiar de forma que funcione o sistema de apoio financeiro e que esse apoio financeiro seja um dinheiro considerável, que isso existe na economia brasileira. Então quanto se estruturar o país, mais rápido se passa por essa situação e menos infectados, menos casos aconteceriam e infelizmente o único entendimento que eu tenho diante dessa situação é que o foco e a preocupação de muitas das autoridades esta sendo a economia, esta sendo fazer o dinheiro circular e não a saúde das pessoas. E as pessoas por sua vez, até os afetados, concordam com isso. Então educação seria algo fundamental para a formação da sociedade brasileira. Isso falta e agora está fazendo mais falta do que nunca. Então, eu diria, chega até a ser clichê essa resposta, mas saúde e educação são coisas essenciais e isso, o Brasil tem um déficit muito grande.

Miguel Arcanjo Prado – A cultura foi afetada de forma drástica pela pandemia. Quais sugestões você daria para tentar salvar o setor e seus profissionais?
Rincon Sapiência – Eu acho que o primeiro passo é entender como que a cultura, no geral, nas suas várias áreas, e o entretenimento são importantes e fazem parte da rotina da sociedade brasileira. Então existe um consumo muito grande de música, existem pessoas fazendo música, produzindo música. Então se existem pessoas que ligam suas plataformas de streaming e tem um montante enorme de músicas para escutar, é porque tem um monte de gente que produz isso. Aí elas compõem, elas ligam seus computadores, seus instrumentos, elas tocam, elas produzem. Existe toda uma entrega da classe artística para que haja todo esse entretenimento em torno da arte. Então eu retorno com a mesma ideia dos subsídios. Nesse tempo todo que a gente tem investido em tecnologia, em comprar equipamento, em fazer as coisas e as pessoas consomem e isso movimenta pessoas, movimenta a economia também. Uma balada que seja, a pessoa está lá, está pagando o combustível dela, está pagando a condução dela, está pagando a bebida dela, está movimentando os carros particulares, a maquiagem que você vai usar, a roupa. Então o entretenimento, ele também contribui também para a movimentação da economia do país e em outras áreas também. Então é toda essa aplicação que a gente tem, os nossos trabalhos estão todos cessados porque fazem parte de trabalhar com eventos mesmo, com o público. Então da minha parte existem ainda alguns meios, mas profissionais de áreas muito importantes, que é aquele show sensacional que as pessoas assistem, tem alguém operando a luz para esse show ser sensacional, tem alguém equalizando o som para esse show ser sensacional e isso se aplica em várias outras áreas. Tem pessoas nos bastidores da arte e do entretenimento que tem uma contribuição enorme e essas pessoas são as mais lesadas e são pessoas que também contribuem economicamente e são extremante essenciais dentro desse movimento todo do entretenimento e da arte. Então a gente teria que ser subsidiado. Essa é a alternativa que eu penso, financeiramente, para que esses profissionais consigam manter seu padrão de vida, o lugar onde eles moram, manter seus aluguéis e todo movimento que existia antes da pandemia, mas infelizmente há um despreparo muito grande por parte da gestão federal no Brasil.

Miguel Arcanjo Prado – O que tem sido mais difícil para você nesta quarentena? E o que você já tem conseguido superar?
Rincon Sapiência – Eu acho que a ideia é que eu consegui, não digo superar, mas dar o braço a torcer. É sobre me sentir vivo sem fazer as coisas que eu fazia antes. Então na música eu trago muito essa provocação que é sobre o consumo. Eu percebi que tudo que eu fazia estava relacionado a sair, a estar de carro, a consumir algo, a beber algo, a fazer algo e isso é limitado para nós como seres humanos, pensando que existe uma série de coisas que a gente pode fazer. Eu vi que eu estava preso num padrão que é imposto sobre ser feliz ou sobre fazer algo, para você fazer algo você precisa fazer tais coisas. Então essa quarentena tem me feito aprender que fazer algo pode ser, sim, você curtir seu momento de reclusão, seu momento de ócio, ócio criativo ou ócio recreativo e existem outras maneiras de se sentir vivo, de ter atividades e se manter intelectualmente forte. Então nesse sentido eu tenho até curtido; as coisas que eu li nesse tempo, os documentários que eu assisti, os filmes, as músicas que eu compus, que são muitas. Tem a parte positiva sim, mas falando sobre o meu instinto mesmo e minha personalidade assim, por mais que eu tenha pegado esse aprendizado todo, eu gosto muito de estar na rua, gosto muito de estar com as pessoas, gosto muito da minha quebrada, gosto muito da energia que a quebrada tem que é um universo totalmente diferente de outras áreas. Quanto você está imerso na música você está sempre circulando em certas áreas, em certas situações e quando você vai para periferia você tem um jeito de lidar socialmente diferente que me agrada muito, um jeito de se divertir, as conversas, as pessoas. Tudo isso tem me feito muita falta, mas eu estou tentando extrair a parte positiva ao máximo e torcer para que seja mais breve possível toda essa situação.

Miguel Arcanjo Prado – O que você deseja fazer quando tudo isso passar?
Rincon Sapiência – Tentar manter o equilíbrio, desse aprendizado que eu tenho trazido a partir dessa situação de quarentena, entendendo que eu consigo me sentir vivo, focando mais as energias em mim do que dependendo de coisa externas e de situações externas para me manter vivo e em atividade. Então eu consigo focar as energias em mim e tirar o melhor aproveitamento disso possível. Esse aproveitamento é essencial porque me fortalece intelectualmente. Quanto mais eu componho, quanto mais músicas, mais me dá forças para trabalhar e eu vivo e sobrevivo disso, de música, de arte. Então eu quero manter, sim, muitos desses hábitos que eu estou colocando em prática agora. Sobre a reclusão e o tempo focado para mim, eu comigo mesmo, mas tem laços que estão perdidos também por conta dessa quarentena. Laços de família, laços com o lugar de onde eu sou nascido e criado, laços com o público, com as multidões, com as pessoas que gostam de arte e apreciam meu trabalho. Então eu vou querer vivenciar, obviamente, tudo isso que tem me feito muita falta, mas tentar não desacelerar o ritmo, mas a ideia depois dessa pandemia é correr certo. Não sair correndo para todos os cantos, para todos os lados, fazer tudo em um dia só e no final da conta o percentual de tudo isso não ser tão positivo. Então se eu colocar as energias nas coisas certas,  nos momentos certos, nas horas certas, talvez os resultados sejam melhores então a ideia é voltar, vivenciar tudo isso que eu tenho vontade e está me fazendo falta, mas ser mais inteligente nesse processo e mais desacelerado de fato porque isso faz bem à saúde e é bom.

Colaboraram Marcelo Gonçalves, André Cruz e Cristhiane Faria.

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