Crítica: Melancólico, musical de Chaves acaba com clichê de série boba

Fabiano Augusto, como Roberto Bolaños, e Mateus Ribeiro, como Chaves, em Chaves – Um Tributo Musical – Foto: Stephan Solon/Divulgação – Coluna @miguel.arcanjo UOL

Chaves – Um Tributo Musical
Crítica por Paulo Pacheco*
Avaliação: Muito Bom ✪✪✪✪

Desde a estreia de Chaves – Um Tributo Musical, há pouco mais de um mês, boa parte dos fãs sai do Teatro Opus, em São Paulo, chorando. É uma reação completamente inversa de quando este mesmo público assiste à série de humor na TV ou na internet. Por que uma homenagem à comédia mexicana traz tantas lágrimas? Além de aguçar a nostalgia, o espetáculo apresenta um Chaves de maneira inédita para a maioria dos espectadores, acostumados a rir com as trapalhadas dos moradores da vila.

Embora tenha Chaves no título, o tributo musical não é para o protagonista nem para o programa, e sim para Roberto Gómez Bolaños (1929-2014). O criador da série, produzida no México entre 1972 e 1992, nunca teve sua trajetória esmiuçada no Brasil. Sua autobiografia, Sin querer Queriendo – Memorias (2006), não ganhou tradução para o português. Se toda a América Latina o conhece como Chespirito (“pequeno Shakespeare”, apelido que o consagrou), aqui ele foi reduzido a “Chaves”.

Roberto Gómez Bolaños, porém, é muito mais do que Chaves, e o musical aproxima com perfeição o comediante mexicano dos espectadores, que finalmente descobrem que ele saiu da engenharia para a publicidade e, em seguida, escreveu para a televisão. A ótima interpretação de Fabiano Augusto como Chespirito contribui para contar a rica e extensa história do artista homenageado.

O musical retrata Bolaños morto, outro fator para a choradeira da plateia, mas o luto é amenizado pela presença massiva de palhaços no céu, o que para Miguel Arcanjo Prado pode estranhar o público comum, aquele que só pagou para assistir a uma representação de Chaves no teatro. Para contar a vida do comediante, entretanto, os palhaços são fundamentais, porque ele sempre gostou dos personagens circenses e os homenageou em suas séries.

Mateus Ribeiro como Chaves em Chaves – Um Tributo Musical – Foto: Stephan Solon/Divulgação – Coluna @miguel.arcanjo UOL

A aparição dos personagens do “palhacéu”, embora às vezes pareça um pouco arrastada e “esconda” outro tributo –a peça não informa que Benjamin, papel de Milton Filho, é o primeiro palhaço negro do Brasil–, tem muita importância para o clímax do musical: o encontro do criador, Bolaños, com a criatura, Chaves.

Mas e aí, tem Chaves no musical do Chaves? “Tem, sim senhor!”, cantariam os palhaços. Mesmo assim, com pouca trapalhada e muita emoção. A maioria das canções do espetáculo saiu do programa de TV e as principais características dos personagens foram respeitadas –com destaque para a genial Chiquinha de Carol Costa e o ótimo Quico de Diego Velloso. Entretanto, as crianças não apanham, não há tortas na cara nem chutes na bunda. Chaves não é só isso, e o musical prova.

Durante muito tempo, principalmente nos primeiros anos de Chaves na televisão brasileira, a imprensa especializada chamou o programa mexicano de “bobo” e “infantil”. O próprio SBT, que comprou a série, não entendia por que uma produção tão precária, que não atraía anunciantes, dava tanta audiência. Ainda hoje há quem resista a dar uma chance por puro preconceito. O musical, felizmente, acaba com todos esses clichês ao mostrar a tristeza por trás do programa.

Fabiano Augusto, por exemplo, disse ao UOL que não conseguia rir com a série porque se passa em um cortiço semelhante ao que moravam seus amigos, e ele conhecia a vida difícil neste ambiente. Mateus Ribeiro, intérprete de Chaves, passa ao público a melancolia do personagem por meio da voz, dos gestos e, especialmente, pela expressão corporal. O ator conseguiu extrair a essência do menino atrapalhado, que faz rir confundindo palavras e tropeçando nos demais moradores da vila, mas com uma história de chorar: garoto órfão, pobre, com roupas remendadas e morto de fome.

Assistir a Chaves – Um Tributo Musical vale pelo riso e pelas lágrimas. O espetáculo une as máscaras da tragédia e da comédia, clássicas do teatro grego e imortalizada no cinema por comediantes como Charlie Chaplin, um dos ídolos de Bolaños. O público sai do teatro estampando no rosto sorridente e nos olhos marejados a frase do escritor francês Victor Hugo: “A melancolia é a felicidade de estar triste”.

Chaves – Um Tributo Musical
Crítica por Paulo Pacheco*
Avaliação: Muito Bom ✪✪✪✪
Teatro Opus (av. das Nações Unidas, 4777, Alto de Pinheiros, São Paulo, SP). Sexta, 21h, sábado, 16h e 20h, domingo, 15h e 19h.R$ 37,50 a R$ 140. 120 min. Livre. Até 20/10/2019. Sessões extras nos dias 11/10, às 16h; 18/10, às 16h; e 24/10, às 21h.

*Crítico convidado, Paulo Pacheco é jornalista e repórter do UOL.

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