BaianaSystem e Elba incendeiam Coala Festival; Nordeste e negros dominam

Elba Ramalho (esq.) e BaianaSysstem (dir.) fizeram os dois shows mais potentes no 1º dia do Coala Festival, no Memorial da América Latina, em SP – Foto: Divulgação – @miguel.arcanjo UOL

Um agradável sol de primavera antecipada desfez a tristeza dos últimos dias invernais de chuva e frio em São Paulo para receber a sexta edição do Coala Festival, no Memorial da América Latina, na Barra Funda, em São Paulo, neste sábado (7) — o evento tem seu segundo e último dia neste domingo (8). A coluna do Miguel Arcanjo acompanha de perto o festival.

Em um palco que parecia emergir da floresta tropical que atualmente arde em chamas diante da maldade humana que domina o país, artistas de discurso progressista afiado e música envolvente deram o tom, com força absoluta em ritmos negros e nordestinos, sobretudo a percussão afro-brasileira.

A diversidade de corpos em harmonia e integração marcou não só o palco como a pista altamente democrática do Coala, sem qualquer tipo de distinções, sejam elas sociais, de gênero, étnicas, de sexualidade ou de qualquer espécie, o que condiz com a proposta curatorial do evento. Aliás, essa é sua grande força.

Leia também: Aos 78, Ney Matogrosso aflora juventude resistente no Coala

Veja ordem dos shows e dicas para o Coala Festival

Duda Beat, Dona Onete e Odara Kadiegi: força diversa das mulheres no Coala Festival – Fotos: Divulgação – @miguel.arcanjo UOL

O magnetismo ancestral da DJ Odara Kadiegi abriu o dia, logo impondo a força de uma sonoridade que atravessou o Atlântico nos porões dos navios negreiros e resistiu — sonoridade esta que dominaria todo o dia.

Depois, foi a vez de Josyara, baiana de Juzeiro, fazer seu som ribeirinho-pop. A DJ Flavya fez o meio de campo sonoro para, na sequência, surgir a brejeirice de Dona Onete, que levou todos para o calor de Belém do Pará, com seus hits festeiros sob o sol da Barra Funda.

A jovem Duda Beat lembrou a resistência de um pop com identidade nacional e despediu-se com seu hit “Bixinho” abraçada a uma bandeira arco-íris, importante atitude na semana em que a Prefeitura do Rio tentou censurar um HQ por ter um beijo entre dois rapazes — este colunista recusa a falar “beijo gay”, já que ninguém diz “beijo hétero”, e ainda deixa a questão para nossa reflexão: por que fazer essa diferenciação entre beijos de amor que são iguais?.

Elba Ramalho e Mariana Aydar no Coala Festival 2019 – Foto: Divulgação – @miguel.arcanjo UOL

Reinando absoluta sobre tudo e todos na tarde quente, Elba Ramalho surgiu revigorada e reiterou a potência de quem desbravou caminhos para a mulher nordestina na música nacional, enfrentando muitos preconceitos até tornar-se a figura consagrada que é, digna de ser reverenciada por qualquer ser da nova geração, do Nordeste ou de qualquer parte do país. Este colunista ficou desejoso de ver um dueto entre Duda Beat e Elba Ramalho, fica aí a proposta de um encontro dialógico dessas duas gerações de mulheres nordestinas na música brasileira.

Paulistana consciente que é, Mariana Aydar reverenciou a “rainha” Elba, em participação especial, também impondo sua personalidade quando teve o palco para si, generosamente cedido pela dona do show. Aliás, Elba no palco parece ter eternamente a energia de uma menina de 15 anos. O fôlego da artista foi o maior e mais potente entre todos que pisaram no palco — frente a Elba talvez apenas o transe sonoro-corpóreo de Russo Papapusso, vocalista do BaianaSystem, que encerrou a noite.

Coala diverso e nordestino: o rapper baiano Hiran, convidado do Ubunto; Mestre Anderson Miguel e Radiola Serra Alta com Jéssica Caitano, de Pernambuco, no Coala Festival 2019 – Fotos: Divulgação – @miguel.arcanjo UOL

Vindos de Triunfo, o oásis do sertão pernambucano, a Radiola Serra Alta apresentou com suas máscaras ancestrais um som regional e cosmopolita em diálogo com o canto vigoroso de Jéssica Caitano. Depois, Ubunto ferveu a pista com a participação potente de Hiran com H, como ele fez questão de frisar, rapper baiano dono de carisma incomensurável.

Já Mestre Anderson Miguel, cantor de afinação impecável e adorável surpresa do dia, trouxe a força do maracatu e a candura do interior pernambucano para o palco, com seus versos repletos de recados políticos cruciais para o Brasil de hoje, sem abrir mão do amor, é claro, e ainda contou com participação potente de Renata Rosa.

Russo Papapusso no show do BaianaSystem no Coala Festival 2019 – Foto: Divulgação – @miguel.arcanjo UOL

O Ministereo Público Sistema de Som fez o preparo sonoro necessário para a força vulcânica da banda que encerrou a noite: BaianaSystem, sem dúvida uma das melhores bandas da atualidade no Brasil. Esta impôs seu transe personificado na figura do vocalista Russo Papapusso, com seu brado “Justiça é cega (eu quero contra-atacar)”, incendiando o emblemático Memorial da América Latina projetado pelo comunista Oscar Niemeyer e completamente entregue à pulsão fusionada de sonoridades afro-baianas e latino-americanas.

Ao consagrar uma mulher negra retirada da plateia e levada ao palco como rainha da noite com seu dorso liberto, o BaianaSystem sintetizou o recado potente que emanou no palco e plateia durante o primeiro dia do Coala Festival, encerrado com a quentura de uma noite que antecipou a primavera e parecia bradar naquele feriado: independência só existe quando a liberdade é para todos.

Siga @miguel.arcanjo

Leia também: Miguel Arcanjo analisa segundo dia do Coala

Please follow and like us: