‘Cultura é importante, pelo amor de Deus’, diz Tom Zé ao lançar novo show

Prestes a completar 83 anos em 11 de outubro próximo, o baiano de Irará Antonio José Santana Martins, ou simplesmente Tom Zé, conserva a força criativa de um menino.

Ele retorna aos palcos de São Paulo no feriado de 7 de setembro, um sábado, quando faz o show “Comemoração” na Casa Natura Musical.

Nele, promete passear por canções de três discos especiais entre seus 23 álbuns de estúdio: Grande Liquidação (1968), Estudando o Samba (1976) e Nave Maria (1984).

O conceito do show foi despertado após a Pitchfork, um dos principais portais de jornalismo musical dos Estados Unidos, classificar Grande Liquidação como um dos melhores discos lançados na década de 1960 no mundo.

O veículo ainda listou a faixa Dói, do disco Estudando o Samba (1976), como uma das melhores músicas da década de 1970, e Nave Maria, do disco homônimo de 1984, como uma das melhores músicas da década de 1980.

Foi o disparador que o músico precisava para responder aos insistentes pedidos de seu público por um show inédito.

Tom Zé conversou com exclusividade com o Blog do Arcanjo nesta Entrevista de Quinta, na qual o tropicalista fala não só sobre o novo projeto, mas também comenta como enxerga a situação atual da cultura no Brasil e dá pistas de um projeto futuro.

Leia com toda a calma do mundo.

Miguel Arcanjo Prado – Qual a grande mensagem deste seu novo show?
Tom Zé — Caro Miguel, uma mensagem importante do show pertence à anterioridade dele, é geradora, não posterior. Eu tinha recebido um punhado de notícias boas: – A canção Nave Maria estava no site Pitchfork como uma das melhores músicas dos anos 80, mas soube que eu estava atrasado:  a canção Dói estava entre as melhores dos anos 70 – é do disco Estudando o samba, lançado em 76. E meu primeiro disco, Grande liquidação, constava entre os melhores da década de 60. Paralelamente, chegou a nova de que a neta de Caymmi, Alice, tão boa cantora, tinha gravado Mãe (Mãe Solteira), de Estudando o Samba. Quando ouvimos, foi uma emoção: a reinterpretação dela é tão linda, não é? Em vez de ouvir uma gravação, em virtude das capacidades dela, ouvimos mais que isso. Ficamos com os olhos cheios d’água. Até a banda, os músicos, ficaram estarrecidos. Foi uma verdadeira festa. Nessa hora, o pessoal da Casa Natura Musical ligou falando de um show. Aí pensamos: vamos chamar o show de Comemoração. Fiquei um tanto tímido, porque há gente, gente grande e tal, que tem muito mais para comemorar. O fato é que para mim é importante. Sempre fui tratado com muito carinho no exterior. E há os três ou quatro discos lançados pela gravadora Luaka Bop,  todos foram escolhidos entre os melhores do ano. Até o primeiro, lançado em 90, no ano 2000 foi apontado por várias revistas entre os 10 melhores da década. E, uma vez que a gravadora lançou todos os “Estudando” – Estudando o Samba, Estudando o Pagode e Estudando a Bossa, ela, a Luaka bop, fez uma caixa com lps de alta qualidade. Então, um jornalista dos E.U.A. disse: “Mas é preciso não esquecer a beleza selvagem de Danç-êh-sá (Dança dos herdeiros do sacrifício).” Tematizando as revoltas negras no Brasil. Se delas pouco se fala, do disco, aqui, ninguém falou, nem um “a” nem um “b” se comentou no Brasil sobre esse disco, Miguel.

Miguel Arcanjo Prado — E como você está enxergando a situação da cultura no Brasil atual?
Tom Zé – Claro que todo mundo vê, sente e sabe que a situação cultural no Brasil está uma dor, atingida por um verdadeiro sentimento de desprezo, um desastre. Todo dia eu leio a Folha, o Estado, o Globo, as matérias feitas sobre isso, cada citação, na esperança de que alguém convença as instâncias governamentais de que a cultura é importante, pelo amor de Deus. A música brasileira… Nicolau Sevcenko, numa entrevista quando de lançamento de livro de Luiz Tatit, falou que a música brasileira é muito mais apreciada no exterior do que aqui. Ele deu o exemplo do King’s College, um braço da London University. O King’s College estava trabalhando sobre a cultura da América Latina e fez um ramo particular, um Connect Center, sobre o Brasil. Nele, Sevcenko diz que o objeto seminal para atender essa pesquisa é a canção brasileira. Em investigações nunca feitas antes, descobriram que as caravanas sufis influenciaram nossa música. As caravanas, sendo seus integrantes sufistas, saíam da Pérsia, em sua mercancia. Chegando ao mar Mediterrâneo, passavam pelo Magreb, na costa norte da África. Lá se influenciaram por ritmos portugueses, entravam no Atlântico, alcançando a Espanha pela Andaluzia. Com os árabes, com a música celta, formaram a tríade da canção brasileira. Se precisar, mando-lhe uma tríade que escrevi descrevendo isso.

Miguel Arcanjo Prado — O que ainda você tem vontade de fazer e nunca fez?
Tom Zé — Bom, apesar de meus 82 anos, vivo apaixonado pelo trabalho. Mas lembro um ditado da Bahia: “Mulher que fala muito perde logo o seu amor”. Se você conta algo que vai fazer – isso já aconteceu comigo – acaba não fazendo. É uma situação mágica. Eu, claro, tenho planos, ando apaixonado por fazer determinada coisa. Há um assunto que está me botando de cabeça pra baixo. Falo com você, preferencialmente, assim que eu terminar o projeto.

Nota do colunista: Este show foi cancelado por motivo de saúde e será remarcado quando Tom Zé melhorar.

Tom Zé em Comemoração
Casa Natura Musical (r. R. Artur de Azevedo, 2134, Pinheiros, metrô Faria Lima, SP, tel. 11 3031-4143). Sábado, 7 de setembro, 22h. R$ 40 a R$ 160

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