Musa do Baixo Augusta chora ao homenagear Roberta Close e Phedra
Era exatamente 15h deste domingo (24) de sol quando Márcia Dailyn chegou à concentração do efervescente desfile que marcaria os dez anos do Acadêmicos do Baixo Augusta, o maior bloco de São Paulo, do qual é musa e que desfilou com o tema “Que País É Esse?”, inspirado na canção de Renato Russo com a Legião Urbana.
Ao ajeitar os detalhes finais de sua diminuta fantasia repleta de cristais Swarovski, com a qual homenageou Roberta Close, “o maior ícone dos anos 1980”, na sua opinião, Márcia tremia, muito emocionada. “O top o arranjo de cabeça que estou usando foram da Eloína dos Leopardos, um verdadeiro ícone da nossa noite, quando ela trabalhava em Paris, já meus acessórios são da Lavish by Trícia Milaneze. Ah, o costeiro foi o Walério Araújo, que é meu irmão, quem fez. Já a bandeira eu resolvi usar porque a Roberta Close sempre ostentou ser brasileira”, conseguiu contar, antes de ficar emocionada.
“Hoje é um dia muito especial para mim”, balbuciou, antes de complementar: “Só de pensar no que vai acontecer aqui na Consolação eu já me emociono”.
Além de Musa do Baixo Augusta, Márcia Dailyn também ostenta com orgulho o título de Diva da Praça Roosevelt, herdado da lendária diva cubana Phedra D. Córdoba (1938-2016), atriz transexual do grupo Os Satyros cujas cinzas foram lançadas diante do cemitério da Consolação durante o desfile do Baixo Augusta no ano passado.
“Roberta Close e Phedra D. Córdoba foram mulheres trans pioneiras, precisamos reverenciá-las sempre. Estou muito emocionada hoje, porque a Roberta Close soube dessa homenagem e até publicou no Instagram o ensaio fotográfico que fizemos para homenageá-la com o fotógrafo Bob Sousa“, falou, aos prantos.
“Para mim isso foi a maior honra que poderia conseguir. Saber que ela gostou desse tributo. Estamos com o tema ‘Que País É Esse?’ este ano. É preciso lembrar o respeito à diversidade sexual e à liberdade de gênero neste país que ó que mais mata pessoas por conta do preconceito e do ódio. Precisamos de amor e respeito”, discursou.
Atualmente, Márcia Dailyn é estrela nas peças do Satyros, grupo fundado há 30 anos por Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez — presentes no desfile — e com sede na praça Roosevelt. No momento, ensaia a nova peça da trupe, “Mississipi”, que estreia em março no Festival de Curitiba. “Também estou ensaiando uma outra peça que vai causar muito impacto, mas ainda não posso revelar os detalhes”, adiantou.
Ivam e Rodolfo foram responsáveis pela recuperação da região do Baixo Augusta por meio do teatro e das artes como um todo — antes da chegada do Satyros na Roosevelt, o espaço era um lugar perigoso e intransitável no centro; hoje, é epicentro jovem e cultural, lugar onde fica também a Casa do Baixo Augusta, sede do bloco.
“Desde que o Baixo Augusta começou eles sempre foram muito parceiros e queridos conosco do Satyros. O Baixo Augusta somou e deu uma força incrível a esse movimento que faz a população se apropriar da cidade, que é de todos nós. Baixo Augusta e Satyros são da mesma família”, definiu Ivam Cabral, que também dirige a SP Escola de Teatro, também com sede na Roosevelt.
Durante o desfile, Márcia foi muito festejada pelo povo, fruto de uma trajetória de vida intimamente ligada à região do Baixo Augusta.
“Fui a primeira bailarina trans a dançar no Theatro Municipal de São Paulo. Hoje, moro no Baixo Augusta, muito perto da Roosevelt, trabalho do ladinho da rua da Consolação e, quando não estou ensaiando as peças ou trabalhando, estou sempre no Bar do Satyros ou no Bar da Dona Onça, ali no Copan”, lembra ela. “O Baixo Augusta é minha vida”, admite, com intensa relação com a comunidade.
Sempre reverenciando Alessandra Negrini, a Rainha do Acadêmicos do Baixo Augusta, Márcia Dailyn se emocionou ao falar da representatividade que é ocupar o posto de Musa do Baixo Augusta.
“Eu estar aqui hoje é fruto de muitas que vieram antes, como Phedra D. Córdoba, que homenageamos no ano passado, e Roberta Close, que eu celebro neste ano. Não foi fácil para nós chegarmos até aqui [chora]. Eu fico realmente muito emocionada de pensar que hoje eu ocupo esse espaço tão importante no Carnaval e no teatro de São Paulo, cidade que me acolheu e que eu amo tanto. Estou vivendo a realização de um sonho!”, concluiu, novamente aos prantos.
Artistas se divertem no Baixo Augusta
Artistas do teatro, cinema e televisão estiveram presentes no desfile do Baixo Augusta, um dos blocos que mais atrai a classe artística em São Paulo — a Cia. Base, especializada em teatro aéreo, impactou o desfile com artistas pendurados sobre a multidão.
A atriz Mariana Ximenes chamou a atenção da multidão. Já a cantora Maria Rita foi aplaudida ao cantar sucessos seus, como “Cara Valente”, e “O Bêbado e o Equilibrista”, de sua mãe, Elis Regina.
A arte foi quem ajudou a recuperar o Baixo Augusta, uma região antes muito degradada do centro paulistano e que foi salva, sobretudo, pelo teatro na praça Roosevelt, hoje com intensa movimentação cultural naquele que era antes um dos lugares mais perigosos do centro.
A Roosevelt recebe todo ano na primavera o Festival Satyrianas, com suas 78 horas de arte, criado pelo grupo Os Satyros.
Outro muito querido dos artistas que chamou a atenção no bloco foi o estilista Walério Araújo, que homenageou a Rainha do Rock Rita Lee com sua comentada fantasia.
O Blog do Arcanjo no UOL acompanhou o desfile do Baixo Augusta e mostra quem deu as caras na descida da rua da Consolação nas fotos de Nelson Antoine.