Crítica: Troca de bebês questiona família tradicional no filme As Ineses

Uma divertida comédia de costumes: cena do filme “As Ineses”, do argentino Pablo José Meza, que estreia no Brasil em 14 de fevereiro – Foto: Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

Coprodução Argentina-Brasil falada em espanhol e com participação de André Ramiro, de “Tropa de Elite”, filme “As Ineses”, de Pablo José Meza, chega aos cinemas nesta quinta (14).

Crítica por Miguel Arcanjo Prado
“As Ineses” ✪✪✪
Avaliação: Bom

Conseguir a simplicidade para contar uma história curiosa com um olhar bem humorado para a vida acaba por revelar as contradições do humano. Quando tal tarefa é bem sucedida no cinema, sobretudo em uma comédia, pode provar sofisticação.

O filme “As Ineses”, coprodução entre Argentina e Brasil falada em espanhol e dirigida por Pablo José Meza, busca exatamente este caminho e chega a alcançá-lo em alguns momentos.

Antes de mais nada, no Brasil no qual imperam as comédias exageradas que mais parecem quadros do “Zorra Total” da Globo, é interessante assistir a um filme no qual o humor é construído de forma menos óbvia.

O roteiro parte de uma premissa inusitada: será que duas crianças de famílias vizinhas nascidas no mesmo dia na mesma maternidade foram trocadas? Tudo evidencia que sim, sobretudo por uma dos casais ser composto por dois loiros e o outro por um negro e uma morena descendente de indígenas.

Como as mães, ainda confusas pelo parto, parecem não ter certeza da troca — reafirmada o tempo todo pelos desconfiados e decepcionados pais — as bebês permanecem nas famílias às quais foram designadas pelo médico e entregues pela enfermeira. Na dúvida, os dois dão o mesmo nome às meninas: Inês Garcia, já que as famílias vizinhas têm sobrenome igual, justificando o título do filme.

O grande conflito é a tal dúvida que paira na cabeça dos pais das crianças e também na da avó da família loira — a personagem é o centro nevrálgico do filme, em grande atuação da argentina María Leal.

Leia entrevista com Pablo José Meza, diretor de “As Ineses”

Velentina Bassi, María Leal e Brenda Gandini em “As Ineses”, filme de Pablo José Meza que estreia dia 14 de fevereiro no Brasil – Foto: Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

A espera de um possível esclarecimento sobre as bebês depois tornadas meninas é o que move o filme do início ao fim — excelentes, as atuações infantis são o grande charme do longa.

Mas, ao longo da construção do filme, a tal verdade sobre as crianças vai perdendo espaço à medida que se revelam pela situação muito do humano: a mentira, o racismo, a traição e as surpresas da vida, entre elas a possibilidade da morte, sempre à espreita.

E é aí que mora o ponto forte de “As Ineses”. O filme consegue de forma simples tangenciar temas profundos que são normalmente relativizados pelo cotidiano de uma família dita “tradicional”. E o longa de Meza consegue expor sutilmente as contradições dessa instituição patriarcal, de forte subjugação feminina, a partir da crise gerada pela possível troca das bebês.

Filme revela racismo estrutural

Outro grande mérito do filme é revelar o grande racismo estrutural presente não só na sociedade argentina como na brasileira também, a partir do desconforto da família loira com a filha “morocha” e a adoração da mãe morena pela menina “clarinha”.

A cena na qual, com as crianças já crescidas, a diretora da escola pergunta à menina loira se seu pai negro sabe ler e escrever para que possa assinar sua advertência escolar é reveladora de um racismo profundo e cruel.

Leia entrevista com Pablo José Meza, diretor de “As Ineses”

Astro de “Tropa de Elite”, o brasileiro André Ramiro está no filme “As Ineses” ao lado dos argentinos Luciano Cáceres e Brenda Gandini – Foto: Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

Dois brasileiros têm papéis de destaque. O primeiro é André Ramiro, astro da saga cinematográfica policial “Tropa de Elite”, de José Padilha, que interpreta um dos pais em “As Ineses”.

O ator se esforça para falar um sofrível espanhol de forma inteligível, o que quase chega a alcançar. Ramiro deixa escapar de suas mãos uma grande cena dramática ao fim do longa, que poderia ter sido algo bem mais potente.

Na pele de sua mulher, a argentina Valentina Bassi investe na dubiedade e no comedimento que constrói sua personagem.

O outro brasileiro em cena é Rafael Sieg, bem mais convincente que Ramiro, inclusive no castelhano, na pele do jovem padre da cidade, que acaba tendo papel crucial na história.

O outro casal é formado pelos atores argentinos Luciano Cáceres e Brenda Bandini.

No começo, incomoda a construção exacerbada de Cáceres, que vai se assentando e sendo melhor compreendida ao longo do filme — trata-se do homem brucutu do campo.

Brenda, por sua vez, investe em sutileza para construir sua mulher sufocada pela mãe e, sobretudo, pelo marido.

Em “As Ineses”, Pablo José Meza apresenta seus personagens sem criticá-los, construindo sua história de uma forma não maniqueísta, na qual o público tem a possibilidade de construir seu próprio olhar e opinião sobre aqueles personagens, tão comuns a qualquer cidadezinha do interior, dando caráter universal à sua história sem deixar de questionar a instituição chamada “família tradicional”.

Leia entrevista com Pablo José Meza, diretor de “As Ineses”

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