Opinião: Sem o professor Fernando Massote, ficamos mais burros e pelegos

Fernando Massote morreu neste domingo (1º) por complicações de uma pneumonia aos 75 anos. Articulista, cientista político implacável e um dos intelectuais mais respeitados de Minas Gerais, ele era professor aposentado da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), além de ex-colunista de opinião do jornal O Estado de Minas.

Soube da notícia de sua morte pela grande jornalista e companheira desde os tempos universitários Josie Jeronimo. Com pesar, imediatamente fui transportado no tempo para 2001, ano em que entrei na UFMG, ainda adolescente, aprovado no vestibular do curso de Geografia — graduação cursei por dois anos antes de me decidir pela Comunicação Social.

Àquela época, na chegada à universidade, os alunos dos cursos de ciências humanas faziam o antigo Ciclo Básico, que tinha disciplinas clássicas como filosofia, sociologia, economia e política.

E minha primeira aula na UFMG foi a de Política I, com o temido professor Fernando Massote. Havia uma pergunta que saía da boca dos veteranos e cuja resposta parecia soar uma sentença irremediável: “Você ficou na turma do Massote?”.

Afinal, Massote já era figura lendária na Fafich, onde, na época de minha chegada, ele era o maior desafeto do diretor da Faculdade, a quem chamava sem problema algum de “pelego”, e o mais ferrenho crítico da política educacional “entreguista” e “sucateadora” de Fernando Henrique Cardoso, então presidente do Brasil.

Suas aulas era um contato direto com o instigante pensamento daquela geração de jovens utópicos que enfrentou corajosamente os militares em nome do sonho de um país mais justo.

Minha turma de incertos futuros geógrafos — o que se evidenciou com o passar dos semestre, quando metade debandou do curso — era formada por jovens recém saídos dos bancos escolares, gente entre 17 e 19 anos. Meninos e meninas assustados com a vida intelectual adulta e, ao mesmo tempo, deslumbrados com as portas da percepção que a Fafich abria para todos nós.

Ter aula com o Massote foi o rito de passagem para nossas vidas adultas. Foi ele quem nos ensinou a pensar por conta própria, questionar a tudo e a todos, mesmo quando um de nós, empolgado e mais atrevido, o enfrentava,  provocando a uma reação intelectual acachapante.

Massote queria, no fundo, que todos nós virássemos jovens adultos intelectualizados à esquerda, ou algo próximo disso: uma espécie de imagem e semelhança do mestre. Este era o sonho do incansável velho lobo da Fafich, discípulo de Marx e Gramsci.

Lembro-me, na época, de ter causado furor no jornal estudantil uma grande entrevista com Massote, que o chamava de “famigerado professor” e que trazia a seguinte manchete: “Quem tem  medo do Massote?”. A resposta, obviamente, era: todos. Não houve quem na Fafich que não tenha lido aquela entrevista de cabo a rabo.

Mas, afinal de contas, por que Massote impunha tanto respeito?

Com o tempo e a vida, todos nos demos conta da resposta. Por conta de sua trajetória ilibada, de quem foi coerente com seus princípios do começo ao fim.

Desde os tempos do movimento estudantil, quando, jovem corajoso, enfrentou a ditadura, época em que foi preso pelos militares e, para sobreviver aos porões da tortura, precisou se exilar na Bélgica, onde estudou na Université Catolique de Louvain, e na Itália, onde fez seu doutorado em Ciências Políticas na Universitá Degli Studi di Urbino, defendendo a tese “A explosão social do Sertão de Canudos”, em 1981.

Com os ventos de redemocratização do país, ele voltou para assumir o posto de professor no Departamento de Ciência Política da Fafich, a mais tradicional escola de formação em ciências humanas de Minas Gerais. Massote era casado com outra professora da unidade, Carmen Vieira, do Departamento de Comunicação Social e que mais tarde também foi minha professora e grande incentivadora da minha ida para os braços do jornalismo.

Foi com este caminhar de gauche na vida que Massote conquistou o respeito de quem o amava e também de quem o odiava. Porque foi um homem que escolheu sempre estar do lado da trincheira que enfrentou o status quo, palavrinha difícil que ele me ensinou o que significava e jamais me esqueço. Fez isso até o fim, lutando contra a especulação imobiliária dos grandes condomínios em Nova Lima, nos arredores de Belo Horizonte, onde vivia.

Tal qual no livro “O Leopardo”, de Giuseppe Tomazi di Lampedusa, que ele obrigava todos os seus alunos a ler — eu inclusive —, o velho lobo sempre esteve atento às mais leves brisas de mudanças, pois sabia que, no fundo, “é preciso que tudo mude para que tudo fique como está”.

Sem o professor Fernando Massote, ficamos mais burros e pelegos.

Fafich, UFMG, 2001, alunos e o mestre: Grazielle Giovani, Miguel Arcanjo Prado, Fernando Massote, Euda Miranda, Conceição Lopes e Maurílio Fiúza – Foto: Arquivo Miguel Arcanjo Prado – Blog do Arcanjo – UOL

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