Por que não tem fantasia de homem branco hétero?

Blackface na comissão de frente do Salgueiro: por que alguns grupos étnicos e sociais viram fantasia e outros não? – Foto: Bruna Prado/UOL

Por Miguel Arcanjo Prado

O Carnaval de 2018 viveu uma intensa problematização das fantasias “apropriadas” e “inapropriadas”.

A discussão teve direito até a um vídeo explicativo nas redes, ridicularizado por uns e defendido por outros.

Fato é que algumas fantasias antes consideradas inocentes hoje não são bem-vindas em muitos carnavais.

Mas, até onde o Carnaval seria um momento em que tudo estaria liberado, inclusive a representação de imagens consideradas preconceituosas ou estereotipadas?

Questionam ou reforçam preconceitos e estereótipos?

Um exercício simples seria pensar: essas representações questionam ou reforçam preconceitos e estereótipos?

As respostas não são fáceis… Nem únicas, nem simples. Por isso, é saudável o debate.

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Não há respostas fáceis.

É preciso pensar: por que vivemos em uma estrutura em que alguns são considerados “normais”, enquanto outros, são os “diferentes”, geralmente esses tornado-se “fantasias”?

Blackface no Salgueiro

A escola de samba Salgueiro causou polêmica ao fazer blackface na comissão de frente e na bateria.

Blackface é a técnica racista na qual brancos se pintam de preto para interpretar pessoas negras.

Se a escola buscava realmente celebrar a mulher negra, por que não fazer uma comissão de frente apenas com mulheres negras e não com homens fazendo blackface?

E a fantasia Faraó Negro, usada pela bateria, não poderia ter sido escalada para uma outra ala, no caso composta integralmente por integrantes negros?

Coleira da Sabrina

Outra polêmica, neste caso em relação não ao racismo, mas ao machismo, foi a coleira usada por Sabrina Sato com o nome do namorado, Duda Nagle.

Sabrina deixou evidente que tratou-se de uma homenagem a Luma de Oliveira, musa histórica do Carnaval carioca que usou coleira igualmente polêmica com o nome do marido Eike Batista 20 anos atrás.

Sabrina foi acusada de reforçar a imagem de mulher submissa ao homem, justamente no Carnaval em que as mulheres bradam contra o assédio masculino, típico de homens que se acham donos de seus pares.

Não teria sido mais interessante e provocativo o namorado de Sabrina usar a coleira com o nome dela?

Neste contexto de 2018, com a luta das mulheres na pauta do dia, Sabrina errou ao repetir a coleira de Luma?

Índio e negro como fantasia

Outra fantasia condenada neste Carnaval foi a de índio. Famosos que botaram cocar na cabeça foram duramente criticados nas redes sociais.

Quando refletimos que indígenas foram expropriados em toda a história do Brasil (que afinal é a terra deles, por direito) e que muita gente só se lembra que eles existem na hora de compor uma fantasia para curtir um bloco, fica a pergunta: por que achamos que índio é fantasia de Carnaval?

O mesmo vale para o negro, trazido à força em desumanos navios, escravizado, violentado e açoitado em praça pública durante a maior parte de nossa história e constantemente transformado em fantasia na folia, coisa também já não mais tolerada.

Por que pessoas que costumam chamar cabelo liso de “bom” e cabelo crespo de “ruim” ou pedir para que negros cortem seus cabelos no mercado profissional resolvem, justamente no Carnaval, usar uma peruca blackpower?

É preciso questionar: por que a sociedade brasileira gosta de transformar etnias ou grupo sociais oprimidos em fantasia?

É provável que a resposta à seguinte pergunta ajude a desvendar muita coisa:

Por que não tem fantasia de homem branco hétero?

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