Globo garimpa atores no teatro para Treze Dias Longe do Sol

Marcos de Andrade, Antonio Fabio, Camila Márdila, Arilson Lopes e Démick Lopes: novos rostos da Globo vêm do teatro – Foto: João Cotta/Globo/Divulgação

Por Miguel Arcanjo Prado

“Treze Dias Longe do Sol”, marca um novo tempo na Globo. A minissérie de Elena Soárez e Luciano Moura foi lançada em novembro no Globo Play para ser vista antes nas novas plataformas digitais. Só em janeiro de 2018 estreia na televisão como nos velhos tempos.

Mas, se avança em um aspecto, em outro retoma uma tradição dos primórdios da TV: a minissérie garimpou no teatro boa parte de seu elenco. Gente que, além do talento, traz a autenticidade dos próprios sotaques, como ressaltam os autores.

Entre os que se destacaram nos palcos e receberam convite para a TV estão Antonio Fábio, que vive Jesuíno; Arilson Lopes, no papel de Bené; Romulo Braga, como Daréu; Démick Lopes, no papel de Zica; Marcos de Andrade, interpretando Messias; Glauber Amaral, que vive Dario; e Pedro Wagner no papel de Altair.

O centro da trama protagonizada por Selton Mello, como o engenheiro inescrupuloso Saulo Garcez, é um prédio que desmorona. Debaixo dos escombros, diferenças sociais se tornam pó. O elenco traz ainda rostos conhecidos como Lima Duarte, Carolina Dieckmann, Debora Bloch, Fabrício Boliveira e Paulo Vilhena.

O Blog do Arcanjo do UOL entrevistou com exclusividade os autores Elena Soárez e Luciano Moura, também diretor artístico de “Treze Dias Longe do Sol”. Leia com toda a calma do mundo.

Luciano Moura e Elena Soárez, autores de “Treze Dias Longe do Sol” – Foto: Ramón Vasconcelos/Globo

Miguel Arcanjo Prado – Vocês buscaram os atores para a série no teatro? Como foi este processo?
Luciano Moura – O teatro não permeou a escolha, mas houve uma coincidência feliz. Estávamos em busca, é claro, de bons atores — que eu acredito que tenham verdade —e que também fossem adequados ao papel. Não adianta ser incrível e não se adequar. O ator que faz muito teatro tem uma base diferente, interessante. Na medida em que tínhamos necessidade de ter atores para apresentar o Brasil (há uma história em que os personagens vêm do Nordeste, foram importados para baratear a obra, sem carteira assinada, sem impostos), foi importante essa busca. E o produtor de elenco, Chico Acioly, foi fundamental nela. Ele já conhecia alguns deles e eu também. É um polo que trabalha menos cinema e TV, e que tem grandes atores. Boa parte é muito ligada a teatro. Na Bahia, Antonio Fabio vive de teatro. No Recife, Arilson Lopes e Pedro Wagner, cada um tem uma companhia que funciona a todo vapor o ano inteiro, que desenvolve trabalhos autorais em teatro. O Démick Lopes no Ceará… Eles todos praticam muito teatro porque são de regiões que não têm a produção de TV muito presente, muito menos a de cinema. Isso pra gente foi bom porque reunimos atores de escolas muito diferentes.

Miguel Arcanjo Prado – O que um bom ator de teatro é capaz de trazer para a teledramaturgia?
Elena Soárez — O processo no teatro é mais longo e mais profundo, pela característica do teatro. Na TV e no cinema, esse processo é encurtado pela necessidade da indústria, necessidade do veículo. Num produto como as séries, você tem o melhor dos mundos porque você tem o tempo de ensaio e consegue juntar, então, essa vivência dos atores de teatro que têm esse longo processo, essa imersão, com a experiência dos atores de TV. E foi linda essa junção, dos grandes atores de TV e dos que vêm do teatro.
Luciano Moura — O Rômulo Braga, que acabou de ganhar prêmio em Brasília de melhor ator, é conhecido do cinema que não é tão comercial. Démick Lopes fez um longa com [o diretor José Luiz] Villamarin… A ênfase maior é que esses atores também passeiam em outras praias, num cinema mais artístico, mais autoral, menos comercial. O importante é trazer rostos novos pra TV e gente de talento. O que a gente fez foi trazer gente para o nosso produto quem não está em evidencia. Não forçamos a barra de ter um personagem que tem a característica do Nordeste sendo carioca e imitando o sotaque. A gente quis autenticidade. Esses atores têm um processo mais longo, uma forma de trabalhar mais apurada, mais profunda. Só fez adensar os personagens.

Arilson Lopes (Bené) e Démick Lopes (Zica) em “Treze Dias Longe do Sol”: sotaques de verdade – Foto: Ramón Vasconcelos/Globo

Miguel Arcanjo Prado – Houve algum tipo de treinamento especial para quem não tinha feito TV antes?
Luciano Moura – Não, porque não é necessário. Eu filmo a partir da encenação. E não o contrário. Ensaio, vejo o texto sendo executado, vejo como funciona. Anotamos as modificações, mandamos para a Elena e ela manda de volta pra gente. Nós nos adaptamos ao ator para que ele renda o melhor possível. Não houve nenhum treino específico para a câmera, pelo contrário, deixei eles muito à vontade para a câmera seguir o que eles estavam me sugerindo.

Miguel Arcanjo Prado – Quais atores surpreenderam vocês na nova linguagem?
Luciano Moura – O grupo de operários surpreendeu muito, positivamente. Tanto os soterrados, quanto o Pedro Wagner, que estava em cima. O grupo se formou, você acredita naquilo, naquelas histórias.

Rômulo Braga, que interpreta Daréu em “Treze Dias Longe do Sol” vem do teatro mineiro e do cinema independente – Foto: Ramón Vasconcelos/Globo

Miguel Arcanjo Prado – O que acharam de a série estrear primeiro no Globo Play e só depois na TV aberta?
Luciano Moura – Estamos num momento novo, experimentando uma fórmula. A impressão que tenho é que o público que vai ver no Globo Play não é o público que veria na TV aberta se não houvesse o Globo Play. É como se estivéssemos pegando um público que não senta todo dia com hora marcada para ver uma série. É um público jovem, pessoas que não têm o hábito de assistir TV com hora marcada como estávamos acostumados até então.
Elena Soárez – Vai ser interessante comparar a resposta que estamos tendo agora com qual será o comportamento das pessoas com a minissérie na TV aberta. Vai ser interessante depois que passar na TV aberta fazer esse pensamento.

Miguel Arcanjo Prado – O que vocês assistem na televisão? Assistem a muitas séries? Quais?
Elena Soárez — Assistimos muita TV paga. Somos fissurados em séries.
Luciano Moura – Eu me apaixonei no “Sopranos”. Junto com “Mad Men”, acho que são as melhores. Sopranos é um marco, foram eles que deram a largada para esse tipo de série com psicológico muito forte, sem abrir mão de ação. A partir daí consumimos quase tudo, todos os tipos. Desde “The Walking Dead” até “The Crown”, passando por “The Handmaid’s Tale”, que foi sensacional, ficamos muito impressionados. Gostei muito de “Filhos da Pátria”, do Bruno Mazzeo. Também gostei de “Justiça”, foi bem interessante. Vemos porque precisamos acompanhar, mas mais do que isso porque realmente gostamos de séries.

Antonio Fabio faz o mestre de obras Jesuíno em “Treze Dias Longe do Sol” – Foto: Ramón Vasconcelos/Globo

Miguel Arcanjo Prado – Qual a maior força desta história? Por que contá-la?
Elena Soárez – Para mim, a graça de contar a história foi assistir a um grupo de pessoas numa situação limite e usar essa situação para extrair uma dramaturgia dela.
Luciano Moura – Chegamos a nos questionar o que estávamos fazendo, prédio caindo, uma coisa de ação, tragédia, meio catástrofe, mas de repente tem esse simbolismo. Um prédio realmente cai, uma tragédia gerada por pilantragem, corrupção. Tem muito a ver com todo o momento que estamos passando. Sempre dissemos e continuamos dizendo que não fizemos de propósito, mas estamos impregnados disso. Ouvimos, falamos, discutimos esse tema todos os dias. O Saulo não se corrompeu porque precisávamos criar uma história, ele se corrompeu porque essa é a realidade que nós vivemos. Como alguém se corrompe? Começa com uma coisinha ali, outra aqui, e aí um prédio cai, um Estado cai, um país cai. Acabamos traçando esse paralelo com a vida real.

Miguel Arcanjo Prado – Qual acham que será o futuro da teledramaturgia?
Elena Soárez – Eu acho que é se espalhar por plataformas que nem conseguimos imaginar que vão aparecer. Nós veremos a teledramaturgia se multiplicando de forma que ninguém conseguiu imaginar até agora.
Luciano Soárez – A necessidade de conteúdo está imensa, a própria Globo está se transformando, tendo sua própria plataforma e eu acho que o futuro é agregar mais gente de outras áreas, como teatro, cinema… Trabalhar de forma mais ampla na criação dos seus conteúdos. Diminuir as separações, se misturar cada vez mais. O futuro é essa mistura maior e não ficar tão segmentado. A Globo tem apostado em outros tipos de dramaturgia e acredito que o futuro é realmente reunir cada vez mais profissionais.

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