YANK! – O Musical: uma batalha que transcende os palcos

Por ÁTILA MORENO
Especial do Rio*

​​Fotos BERNARDO SANTOS

A paixão de um recruta por um soldado do mesmo pelotão. Prestes a lutarem na Segunda Guerra Mundial, os dois rapazes são levados a uma trincheira simbólica que enclausura o “amor que não ousa dizer seu nome”.

Tema que dá pano pra manga e que embala “YANK! – O Musical”, que tem última temporada, nesta semana, no Rio de Janeiro.

O arsenal de “YANK!” é um puxão – como sugere a tradução literal – para a sociedade em relação à  homofobia, sexualidade, discriminação e amor.

O espetáculo, de autoria dos irmãos norte-americanos Joseph e David Zellnik, caiu nas mãos de uma turma brasileira que soube ter sensibilidade para falar de tantos assuntos que são universais. Mas, por outro lado, surge uma batalha no front: conseguir mais financiamento para seguir adiante.

Conversei com parte da equipe para uma matéria do coletivo Flsh Mag. O bate-papo foi com Hugo Bonemer e Betto Marque que interpretam Stu e Mitch, respectivamente, e o produtor Leandro Terra, que também atua na peça. Confira com toda calma do mundo.

Átila Moreno  – Como surgiu a ideia desse projeto?

Leandro Terra – Há quatro anos, procurava um texto que falasse da temática LGBT. Achei esse espetáculo. Consegui o contato com o autor (David Zellnik). Em três semanas, ele me mandou o texto e as músicas. Aí, comecei a traduzir. Fiquei durante três anos renovando o projeto pela Lei de Incentivo e não conseguia com empresa nenhuma. Meio que já tinha desistido em 2015. Quando assisti ao espetáculo “Ordinary Days – um musical off-Broadway”, realizado por meio de financiamento coletivo, isso me abriu uma luzinha. Aí, voltei a pensar no projeto, até porque juntou com a época do David ter vindo ao Brasil, unindo o útil ao agradável. Meu problema também era a questão do direito autoral. Mas, como ele me conheceu, topou fazer por porcentagem de bilheteria, que é algo inédito com americanos.

AM – Qual foi a liberdade que o David te deu para fazer a adaptação?

LT – Eu já tinha o texto traduzido. Só não tinha encontrado ainda o diretor (Menelick de Carvalho). E ele é um cara que gosta muito de traduzir e refez isso em parceria com o Vitor Louzada. O David já tinha dito que assim que começássemos a montar, ele iria nos ajudar. Como ele aprendeu português, mandávamos a tradução para ele. Tem coisas do nosso idioma, relacionadas à prosódia, que ficou até melhor nas mãos dele. O texto falado era mais tranquilo mas, aí, tinha a questão da música em si, que tínhamos que encaixar rima, métrica, essas coisas todas.

AM – Por que trazer este tema pro Brasil e, aqui, pro Rio de Janeiro?

LT – Porque está na hora das pessoas terem menos preconceito. Eu sempre digo que a minha bandeira é por meio da arte. Acho que é ali que a gente consegue mexer com as pessoas.

AM – Eu vi que quando essa peça foi lançada nos EUA, coincidiu com o governo Obama anular a política Don’t Ask/Don’t Tell no Exército. E parece que, naquele momento, a peça chamou muito mais atenção do público. Agora a adaptação de vocês vem justamente num momento muito complicado para os ativistas, pois a Parada LGBT no Rio corre o risco de não acontecer. Como fazer com que o público possa enxergar essa conexão com a temática da peça e o cenário atual?

Betto Marque – Pra mim teatro é político. A gente se colocar, de forma teatral, na nossa sociedade é político porque incentiva as pessoas a refletirem sobre as suas condições independente de quais sejam, e traz transformações sociais. Acho que todo artista deveria se colocar em cena, agora, sabe? Mesmo sem ganhar dinheiro. Plantando a semente por meio da arte e se colocando junto do público, talvez, alguma transformação possa vir a longo prazo.

LT – Acho que também a nova geração está muito mais tranquila. Tenho uma sobrinha de 15 anos, ela veio assistir e se apaixonou. O que a gente tenta fazer hoje é mudar a cabeça da geração mais antiga mesmo, como a nossa, de 30, 40, 50 e 60 anos. Acho que a nova geração está indo para um caminho melhor.

AA – E como tem sido a percepção do público?

LT – Ontem (dia 23), a produção notou que algumas pessoas se levantaram e saíram na hora que os atores tiram a roupa, nem foi na hora do beijo deles, não. Parece que uma senhora falou: “que absurdo” e saiu reclamando. Mas são poucas pessoas que fazem isso.

AM – Qual foi a maior dificuldade com relação à montagem da peça?

LT – A nossa maior dificuldade diz respeito às músicas, em respeitar um estilo do passado, porque elas são muito específicas, de um contexto da década de 1940.

BM – O maior obstáculo nesta peça não está nem na exigência de atingir uma nota alta do cantor/ator, de uma grande extensão e sustentação. É no caminho melódico que a música faz. E exige, também, de nós, uma interpretação muito mais forte, pois a gente vai ter que arrebatar o público através desses caminhos melódicos sofisticados e de uma interpretação um pouquinho diferente do musical normal, em que o cara acaba o espetáculo com grandes notas e a plateia levanta. Não é o nosso caso.

AM – Até porque é uma peça densa, né? Tem seus momentos engraçados, mas achei um tema bem forte.

LT – O segundo ato é para dar um choque, dá uma balançada.

AM – E, pelo que percebi da plateia, as pessoas saem um pouco atordoadas por causa do final. Diferente do que se vê nos outros musicais, com um desfecho apoteótico. O final dessa história é triste.

LT – Geralmente, o musical termina com música, né? E todo mundo cantando. No entanto, o segundo ato não tem tantas músicas como no primeiro. Ele é mais focado na história mesmo.

BM – O nosso público brasileiro está acostumado mesmo com o musical apoteótico. Algumas pessoas chegaram a falar: “poxa, eu ainda estou digerindo a ideia de acabar um pouco triste”. As pessoas querem que acabem num “felizes para sempre”.

AM – Acho que nem deveria mudar o final. É um desfecho que reverbera.

LT – Eu também nem acho que tem que ser tudo pra cima. É nessa hora que o povo para e pensa. E, talvez, chorar não seja tão ruim, não. É bom para pensar (risos).

BM – É um grande risco não só para nossa produção como para a produção deles lá fora. Porque lá também, na Broadway, é esse tipo de público que eles formam. E o David chegou a comentar alguma coisa parecida de que não é um musical para produtores.

LT – Porque ele foi recusado na Broadway umas duas ou três vezes.

AM – Mas foi recusado não pela temática, né?

LT – Pela temática, também. Isso foi em 2010, mas ele disse que vai tentar de novo, já que a peça agora está estreando na Inglaterra. Ele contou que os produtores falaram que era muito gay.

BM – Mas é “gay” no outro sentido. Ele explicou que tem o “Kinky Boots” e “Priscila, a Rainha do Deserto”, só que são musicais da Broadway produzidos visando um gênero familiar. (Nesse momento da conversa, chega Hugo Bonemer). Aeh, ajuda a gente a falar sobre isso.

Hugo Bonemer – Sobre o quê?

LT – É o primeiro musical que fala da história de dois homens se apaixonando, né? Não fala da história de uma família…

HB –  Mas a nossa peça também fala da construção de uma família, mas o ponto de partida não é uma família pronta. Aqui, a gente tem a família também. O pelotão é uma família. Temos outras formas…

AM – Não é uma família tradicional. Aí, inclusive, até as questões relacionadas ao sexo e à sexualidade, a peça retrata de uma maneira diferente. Por exemplo, o seu personagem (Hugo interpreta Stu) tem um par romântico, que é o Mitch (Betto Marques), mas transita com outros caras ao longo da história.

HB – De uma forma mais normal, né…

AM – Como ocorre na maioria das vezes.

HB – Trata a sexualidade de uma forma menos romântica.

AM – Há uma carga homoerótica e homoafetiva muito forte no palco. Talvez isso não influenciou na hora de conseguir o financiamento?

LT – Eu nunca tive uma resposta que indicasse isso. Mas a gente sabe que há um preconceito. Mas, também, é uma época muito ruim para produções em geral.

HB – Não adianta a gente também culpar o preconceito como se fosse a causa de todas as mazelas. Ele existe, é ruim. Agora, a gente não ter conseguido o financiamento total pode ter muito mais a ver com uma coisa geral, pois há um monte de casa de teatro fechando, das pessoas realmente estarem sem grana. No entanto, o público tem deixado dinheiro aqui porque gosta da peça. Estamos lotando o teatro de quinta a sábado. Temos esperança ainda. Essa primeira temporada veio pra mostrar o trabalho que a gente queria fazer. Apostamos na ajuda das pessoas interessadas, que vêm assistir e conhecem empresários; que elas fiquem motivadas a fazer o espetáculo seguir em  frente.

AM – Por que você escolheu esse projeto?

HB – Na verdade, esse projeto me escolheu. Eu cheguei fazer uma audição (que contou com mais de 400 candidatos e mais de 100 audicionados). Adoro projeto alternativo, independente. Esse processo colaborativo já vem com uma carga emocional precisa, muito específica. No ano passado, eu fiz o “Ordinary Days”, que é era também um musical off-Broadway, na mesma pegada. E vim de uma história muito feliz com esse espetáculo. Então, quando soube que vinha um projeto, com o nome do Menelick, e tenho um amigos que são apaixonados pelo trabalho dele, pensei: quero trabalhar com esse cara. E quando soube que era um musical off-Broadway, de uma história homoafetiva, tá aí uma coisa que nunca fiz. Então, foi juntando um monte de coisas. É importante falar de amor, é uma história de amor como qualquer outra. Eu nem vim pra querer causar e também acho que a gente não tá fazendo nada que ninguém tenha tocado no assunto antes…

AM – Exatamente, tem até a peça e o filme “Bent”, que têm uma proposta parecida.

HB – Mas o formato é novo. E, aí, você falar de um assunto, de uma maneira nova, é sempre mais um respiro pra você trazer uma coisa bonita pra quem assiste. Isso fez brilhar meus olhos quando li o texto.

AM – E você, Betto?

BM – Enviei o material e fui convidado para as audições. Quando recebi as músicas, gostei muito das melodias. Não sei te explicar o porquê. Não sabia o que era direito ainda. E, aí, quando peguei as cenas, para serem executadas na audição, fiquei profundamente tocado. Porque eu já gostava muito do “Bent”. Acredito que esse cenário de muito ódio que a Segunda Guerra oferece está muito próximo do que vai dentro das pessoas nos dias de hoje. Não tô dizendo que as pessoas pegam em armas para se matarem. Mas, por dentro, elas gostariam, eu sinto, sabe. E acho que isso me impeliu. E falar sobre amor, dentro disso tudo, apesar do ódio que ensinam pra gente, pois os soldados são ensinados a odiar os outros, é quase político. Eu decido amar e não odiar. É muito político, é muito forte isso.

HB – Já passou da hora da homofobia ser crime. A nossa função aqui não é legislar, mas é acessar a emoção. É trazer, de uma maneira mais carinhosa, a informação.

AM – O que é pior: ter coragem pra ir pra guerra ou não ter coragem pra amar?

BM – Não ter coragem pra amar é pior. É como um crime, quase. Só que as pessoas fazem isso diariamente. A gente não tem coragem pra amar o outro, quase nunca, porque amor é liberdade, amor é permitir que o outro seja quem ele é. E que você aceite outro. E amar não é só entre um relacionamento íntimo, em que existe sexo, mas entre irmãos, pai e mãe; e quantas mães odeiam seus filhos e não permitem que eles sejam quem são.

LT – E começa por aí, pela aceitação da família. E é onde o gay mais sofre. O primeiro amor que você precisa conquistar é o da sua família pra aceitar você como é. O espetáculo é bom pra tocar nisso também. É o primeiro amor que tem que ter pra pessoa poder se amar e pra ter coragem de amar o outro.

HB – Falo que o Stu me ensina a forma mais bonita de amar, sem medo e sem perder tempo. Aí, acho que é esse lugar que é universal…e todo mundo quer a não guerra. A paz todo mundo quer. Todo mundo quer ser aceito. Tem gente que pode falar: não faço questão. Mas, no fundo, está fazendo isso pra querer ser aceito em algum momento. Todo mundo entende a coragem como sendo uma qualidade. Quando você fala pra alguém que teve que ultrapassar isso ou aquilo, o olho dela para pra ver o que está acontecendo. Na nossa propaganda, o primeiro apelo da peça é muito restrito a um público específico. Não posso falar pelas pessoas, mas imagino que o público, que queira se sentir representado, é o primeiro que vem assistir à peça. E é muito lindo ver na plateia vários casais héteros, que ficam atentos e emocionados, porque a gente tá falando de uma história que é de todo mundo que já se apaixonou na vida.

Serviço

YANK! – O Musical

Teatro Serrador: R. Senador Dantas, 13 – Centro, Rio de Janeiro – RJ

Temporada: até 01/07

De quinta a sábado – 19h30

Valor: R$ 40,00

Duração: 120 min.

Classificação: 16 anos

 Texto publicado originalmente no site da Flsh Mag.

O jornalista Átila Moreno

*ÁTILA MORENO é jornalista formado pelo UNI-BH e tem pós-graduação em Produção e Crítica Cultural pela PUC Minas. Ele colabora com o site cobrindo a cena cultural do Rio, onde vive.

 

 

 

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