Crônica do Arcanjo: Adeus, Dalmir Francisco, o abridor de caminhos

O jornalista Dalmir Francisco, professor da UFMG, que morreu aos 66 anos em BH – Foto: Arquivo pessoal

Por Miguel Arcanjo Prado

Na minha infância, na rua São Clemente, no bairro Aparecida, em Belo Horizonte, um vizinho era muito bem quisto por minha avó, dona Oneida Oliveira, a Mãe Gigi. Tratava-se de Dalmir Francisco, jornalista e professor da UFMG que ela tanto respeitava e admirava. Sempre que ele visitava a movimentada casa de vovó, era recebido como um rei e sempre despertava minha atenção de menino curioso.

Dalmir, inclusive, fez parte do afoxé fundado por vovó, o primeiro de Belo Horizonte, o Afoxé Ilê Odara, durante toda a década de 1980. Lembro-me dele desfilando na avenida com a sua empolgação. Feliz por ver o negro expressar sua cultura na folia.

Recordo-me também de vovó e Dalmir em discussões acaloradas com os companheiros do Movimento Negro Unificado ou ouvindo os discos de Gilberto Gil. Eu, pequenino, ali, bebendo em fonte farta.

O tempo passou, minha avó faleceu, o afoxé acabou, eu me mudei com minha família para um bairro distante e fiquei muitos anos sem ver Dalmir. Só o reencontrei quando fiz 18 anos e entrei para a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, onde ele era professor do curso de comunicação social.

Logo que fui aprovado, no vestibular para geografia – meu primeiro curso, que acabei depois deixando na metade para então cursar comunicação social na mesma UFMG –, procurei por Dalmir. Queria contar a ele que o neto de dona Oneida havia entrado na UFMG. Ele me recebeu com um sorriso orgulhoso no rosto e braços abertos. Mal podia acreditar que aquele menino que desfilava no Afoxé já era um jovem universitário.

Quando sofri com a dúvida se continuava na geografia ou mudava para comunicação social, em busca do sonho de ser jornalista, lembro-me de ter ido à sala de Dalmir ouvir seus conselhos. Ele me deu todo incentivo de seguir meu coração e o jornalismo. Inclusive fez uma generosa carta atestando que meu futuro era a mesma profissão que ele havia escolhido e da qual ele havia sido minha primeira referência.

E, então, tive o prazer de ser seu aluno na disciplina Comunicação e Política, obrigatória e que ele dava à sua maneira, gerando paixão e também revolta em alguns alunos, que não o compreendiam.

Dalmir, em sua aula, apresentava a criação do mundo a partir da cosmogonia africana, explicando a origem de cada orixá, o que lhe dava enorme prazer. Alguns alunos, não acostumados a uma forma de ensino que não fosse a eurocêntrica, não entendiam, reclamavam do professor nos corredores. Como assim falar de orixá em aula de comunicação e política? Alguns até o enfrentavam em aula, dizendo que não concordavam com sua ementa.

E Dalmir, livre docente, seguia firme e forte. Não temia o confronto. Hoje, percebo que foi o meio que encontrou de resistir com sua negritude dentro da academia, do alto de seu título de doutor.

Neste domingo de Páscoa, recebo na internet a notícia da morte de Dalmir Francisco, aos 66 anos. Uma tristeza enorme me invade.

Porque Dalmir significou muito para mim. Ter ele ali, negro, jornalista, naquele posto de professor da UFMG, sempre me deu um orgulho enorme. Dalmir Francisco foi pioneiro. Abridor de caminhos. Já faz uma baita falta. Que descanse em paz.

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