Crítica: Musical “Roque Santeiro” não copia novela e reforça crítica ao poder

Musical "Roque Santeiro" está em cartaz no Teatro Faap, em São Paulo - Foto: João Caldas

Musical “Roque Santeiro” está em cartaz no Teatro Faap, em São Paulo – Foto: João Caldas

Por Miguel Arcanjo Prado

Não é tarefa fácil mexer com uma obra que faz parte do imaginário afetivo de milhões de brasileiros. Afinal “Roque Santeiro”, escrita por Dias Gomes e Aguinaldo Silva, foi uma novela que bateu todos os recordes de audiência em 1985, com um elenco potente tanto no time de protagonistas quanto no de coadjuvantes.

Talvez, por isso mesmo, a versão musical para a peça escrita por Dias Gomes em 1963, então chamada de “O Berço do Herói”, e que foi censurada pela ditadura busca não copiar o folhetim, mas reforçar o aspecto de crítica ao poder vigente que o texto tem.

Da famosa trilha sonora da novela só restaram uma versão tímida de “Dona” e “ABC do Santeiro”, esta cantada ao fim, ambas hits de Sá e Guarabyra. O restante das 21 canções é obra de Zeca Baleiro, que vem se destacando no mercado de musicais com tentativas de composições originais e que investiu em uma trilha que utilizou em muitas das canções letras já escritas por Dias Gomes, passeando com desenvoltura por gêneros como o bolero, o brega e o baião.

Débora Dubois assina a direção do espetáculo e prefere focar mais em diálogos dos atores do que na grande estrutura criativa que um grande musical tem à sua disposição. A peça, em alguns momentos, perde o ritmo, sobretudo em alguns diálogos mais longos que não conseguem ser sustentados pelos intérpretes.

Outro ponto complicado da obra são as coreografias. Soam indolentes para uma produção desse porte, dando a impressão de que o elenco não sabe dançar a contento.

Musical "Roque Santeiro" tem música assinada por Zeca Baleiro - Foto: João Caldas

Musical “Roque Santeiro” tem música assinada por Zeca Baleiro – Foto: João Caldas

Como prova de que em teatro não há papéis menores, entre as atrizes quem mais se destacam são as “coadjuvantes” Nábia Villela, sempre potente e bem humorada como a carola Dona Pombinha, mulher do prefeito, e Luciana Carnieli, como a moderna Matilde, a dona do prostíbulo local, repleta de carisma.

Ambas ofuscam aquela que teria a personagem naturalmente fadada ao brilho, o que não acontece com a Porcina de Lívia Camargo, mais técnica do que viva. Neste caso, é impossível não lembrar a enorme distância carismática da Porcina teatral daquela televisiva que colocou Regina Duarte em outro patamar como atriz.

Flávio Tolezani faz um correto e próprio Roque Santeiro, habitante da cidade desaparecido na guerra e elevado à condição de santo, enquanto que a Jarbas Homem de Mello cabe viver o fazendeiro Sinhozinho Malta, em atuação que mescla criação própria com homenagem ao célebre coronel amante de Porcina interpretado na TV por Lima Duarte.

No elenco ainda estão Mel Lisboa, com a pura Mocinha, Dagoberto Feliz, na pele do prefeito covarde Florindo Abelha, Samuel de Assis, com presença intensa como Zé das Medalhas, Edson Montenegro, que empresta seu vozeirão ao corrupto Padre Hipólito, e ainda Yael Pecarovich, Giselle Lima, Marco França e Cristiano Tomiossi.

O grande mérito do musical “Roque Santeiro” ainda está em seu texto: expor forte crítica ao modo de construção do poder vigente, alicerçado em mentiras e corrupção para enganar o povo. O triste é perceber que até os dias de hoje, a população ainda precise de heróis fabricados nos quais acreditar. Por isso, a dramaturgia de Dias Gomes segue mais atual do que nunca.

“Roque Santeiro” * * *
Avaliação:
Bom
Quando: De 27 de janeiro a 14 de maio de 2017. Sexta e sábado, 21h, domingo, 18h. 120 min
Onde: Teatro Faap – Rua Alagoas, 903, Higienópolis, São Paulo, tel. 11 3662-7233
Quanto: Sexta, R$ 80 inteira e R$ 40 meia; sábado e domingo, R$ 90 inteira e R$ 45 meia
Classificação etária: 14 anos

Siga Miguel Arcanjo Prado no Facebook, no Twitter e no Instagram.

Please follow and like us: