Leonardo Fernandes faz projetos para 2017 após vencer APCA de melhor ator de teatro

O ator mineiro Leonardo Fernandes busca patrocínio para nova temporada em SP - Foto: Bruna Carvalho

Após ganhar o APCA, Leonardo Fernandes busca patrocínio para nova temporada de sua peça em SP – Foto: Bruna Carvalho

Por Miguel Arcanjo Prado

Diz o ditado que mineiro come quieto. Leonardo Fernandes parece ter repetido esta premissa. Eleito o melhor ator de teatro em 2016 pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), instituição da qual este colunista é vice-presidente, ele abocanhou o mais aclamado prêmio da crítica especializada do Brasil graças ao empenho de seu trabalho no palco.

O artista bancou do próprio bolso a temporada em São Paulo do monólogo “Cachorro Enterrado Vivo”, escrito por Daniela Pereira de Carvalho, na SP Escola de Teatro. A peça chegou na capital teatral do país sem muito alarde, mas, no boca a boca, foi conquistando definitivamente o público e a crítica.

Mineiro de Pedro Leopoldo, criado na vizinha Vespasiano e atualmente morando em Belo Horizonte, Fernandes conversou com o Blog do Arcanjo do UOL com exclusividade — ele também foi eleito o melhor ator de 2016 pelo blog. Entre outras coisas, comentou como foi a repercussão do prêmio, revelou que já recebeu convites de festivais e ainda confessou o desejo de se mudar para São Paulo, onde pretende fazer nova temporada da peça em 2017 se conseguir patrocínio.

Leia com toda a calma do mundo.

Miguel Arcanjo Prado – Como foi para você ganhar o Prêmio APCA, sendo um mineiro que se aventurou a fazer uma curta temporada em São Paulo e acabou abocanhando o mais tradicional prêmio da crítica brasileira?
Leonardo Fernandes – Estou profundamente feliz e agradecido pela Associação Paulista dos Críticos de Artes ter me concedido esse prêmio. Desde a indicação, me senti honrado por estar na mesma lista de trabalhos fortes como o dos colegas indicados e de saber que nomes como Paulo Autran, Gianfrancesco Guarnieri, Raul Cortez e tantos outros atores que admiro já receberam esse prêmio. Sem contar que ganhar o APCA no ano em que o Brasil sofreu um golpe e que a classe artística foi tão insultada, é muito significativo para mim e sempre vai estar lá pra me lembrar de resistência.

Miguel Arcanjo Prado – Você sentiu que mudou a forma como é visto aí em Belo Horizonte? O prêmio lhe trouxe mais respeito?
Leonardo Fernandes – Quanto ao respeito, acho que posso traduzir isso com o carinho que tenho recebido por parte das pessoas. Não sei se mudou alguma coisa, mas espero que mais pessoas possam assistir a nossa peça. “Cachorro Enterrado Vivo” é o trabalho de toda uma equipe fundida no trabalho de um único ator. Devo isso a Daniela Pereira de Carvalho por ter me escrito este texto. Ao Marcelo do Vale, meu diretor. A Eliatrice Gischewski pela preparação corporal. Ao Marcelo Carrusca pela produção em são Paulo e a toda a equipe! Esse prêmio também é deles!

Cria do teatro, Leonardo Fernandes tem vontade de diálogo com o cinema e a TV - Foto: Bruna Carvalho

Cria do teatro, Leonardo Fernandes tem vontade de diálogo com o cinema e a TV – Foto: Bruna Carvalho

Miguel Arcanjo Prado – Você pensa em se mudar de Belo Horizonte para São Paulo ou Rio? 
Leonardo Fernandes – Se alguém me convida para um projeto interessante, em qualquer lugar do mundo, no outro dia me mudo pra lá. O melhor lugar para eu estar é onde há um processo artístico me querendo ali. Como artista, sinto necessidade de me manter em movimento e hoje é em Minas que encontro esse lugar. Tenho vontade de morar em São Paulo. Quando levei o “Cachorro” fui com o intuito de ficar. Mas a temporada paulista foi investimento próprio e acabou ficando mais caro que o calculado. Agora preciso me erguer financeiramente pra voltar a pensar nisto com mais seriedade. Mas sim, existe esse desejo.

Miguel Arcanjo Prado – O Prêmio APCA chamou atenção para o seu nome. Já recebeu algum tipo de convite após o anúncio do prêmio?
Leonardo Fernandes – O prêmio abriu conexões com outros artistas que eu ainda não tinha dialogado e isso já tem sido uma experiência de troca enriquecedora. Recebemos propostas de alguns festivais de teatro para que “Cachorro Enterrado Vivo” integrasse a programação.

Miguel Arcanjo Prado – Você tem vontade de fazer cinema e televisão? Que tipo de trabalho lhe interessaria?
Leonardo Fernandes – Sim, eu gosto de passar por processos que me façam deslocar dos lugares que já construí. O cinema tem o controle do tempo na ação da câmera e, como diria Jean Claude Carrière: “o cinema adora o silêncio”. E eu sou um cara obcecado por essas coisas não explícitas que o silêncio traz. A televisão tem um ritmo mais frenético e também é uma embarcação interessante uma vez que exige do ator outro tempo de resposta. Em relação aos trabalhos que me interessariam, posso dizer que me interessam processos que me enriqueçam como artista e não apenas como produto.

Miguel Arcanjo Prado – Por que você resolveu ser ator?
Leonardo Fernandes – Na primeira peça que fiz, eu tinha uma fala em que dizia: “uma vez perguntaram ao Ernest Hemingway porque é que ele escrevia livros e ele respondeu: escrevo porque não posso balançar o rabo. Ninguém entendeu nada e ele explicou: “é que o cachorro resolve a vida balançando o rabo. Eu, como não tenho rabo pra balançar, tenho que dar jeito de outra forma, sendo assim, escrevo”. Dezesseis peças depois, volto a citar essa frase, porque acho que a minha relação com o teatro é parecida. Desde criança eu desenhava, aos 11 anos tocava bateria e violão na igreja que frequentava e aos 15 fui me inscrever num curso de trompete e acabei conhecendo o teatro. Eu sempre flertei com a arte e no teatro tenho a oportunidade de encontrar uma coisa que sempre é maior, mas que me atravessa e me transforma como artista e como pessoa.

Leonardo Fernandes conquistou respeito da crítica com seu trabalho no palco - Foto: Bruna Carvalho

Leonardo Fernandes conquistou respeito da crítica com seu trabalho no palco – Foto: Bruna Carvalho

Miguel Arcanjo Prado – Qual a maior dificuldade você já passou na profissão de ator?
Leonardo Fernandes – É quase um milagre conseguir levantar uma peça. Depois, é preciso um segundo milagre pra ela poder circular. Lembro um dia em que estava sozinho no teatro, olhei para o cenário e pensei: É tudo que eu tenho. E era literalmente tudo que eu tinha: aquela lona e aquelas telas enferrujadas, aqueles objetos espalhados pelo espaço e aquela pá. Então alguém disse alguma coisa e eu percebi que não estava ali sozinho, apenas submerso na atmosfera de solidão que eu havia criado para mim. Uma atmosfera de solidão rente aos personagens da peça. A cada etapa do trabalho, uma abordagem especifica, e essa temporada pedia um grau de concentração maior, pois já havia muita dispersão de energia por produzir e participar da montagem antes das apresentações. Então o ator precisa criar mecanismos próprios para manter o frescor. Porque só ele sabe o que o acende, só ele consegue enxergar onde está a chama que vai o manter quente. Teatro é arte viva e pode simplesmente se esvair. É preciso vigiar para que as diversas dispersões do ofício não apaguem a chama. Ter ganhado um prêmio, por mais importante que ele seja, não garante a um ator que ele fará um bom trabalho na próxima peça. No trabalho seguinte, tudo zera, voltamos a ser uma folha em branco em busca de algo que faça sentido ser escrito. Então as duas maiores dificuldades são essas: Manter a chama acessa e produzir em tempos tão difíceis. As peças tem sangrado para existirem, mas você já olhou nos olhos de alguém que sangra? São vivos, dilatados e trazem um recado muito forte.

Miguel Arcanjo Prado – Você pretende continuar com Cachorro Enterrado Vivo em 2017? Já tem novas temporadas previstas?
Leonardo Fernandes – Desde a montagem do espetáculo, até as temporadas – incluindo a de São Paulo; o “Cachorro” foi um espetáculo de produção completamente independente. Queremos voltar para São Paulo ainda em 2017 e rodar o Brasil com a peça, mas estamos buscando patrocínio porque já não é mais possível o investimento próprio. A temporada em Belo Horizonte já é certa e deve acontecer na primeira semana de março, na sala João Ceschiatti, no Palácio das Artes.

Conheça os melhores do teatro em 2016 por Miguel Arcanjo Prado

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