Crítica: Satyros coloca dedo nas feridas do Brasil em “Cabaret Fucô”

Fábio Penna, Eduardo Chagas, Julia Bobrow, Sabrina Denobile, Robson Catalunha e Breno da Matta - Foto: Bob Sousa

Fábio Penna, Eduardo Chagas, Julia Bobrow, Sabrina Denobile, Robson Catalunha e Breno da Matta – Foto: Bob Sousa

Por Miguel Arcanjo Prado
Fotos Bob Sousa

A Cia. de Teatro Os Satyros não consegue fazer teatro que seja desconexo de seu tempo. Não é diferente em “Cabaret Fucô”, peça que põe o dedo nas feridas do Brasil. Afinal, diálogo com a contemporaneidade é o que o grupo tem de melhor, sempre original ao abordar temas que sacodem a cabeça (e coração) de seu público.

Mais especificamente aquela turma interessante e interessada que frequenta a praça Roosevelt, lugar que virou sinônimo de teatro graças à sede e às pessoas que passam pela trupe e que modificam a geografia, a economia e segurança local desde que ali se instalaram no começo deste século 21.

Tudo isso é fruto também da obstinação de Ivam Cabral e de Rodolfo García Vázquez, fundadores do Satyros que nunca desistiram do projeto de teatro ao qual dedicaram suas vidas. Os dois, mais uma vez, assinam a dramaturgia da nova montagem, dirigida com sensibilidade por Vázquez.

O ator Ivam Cabral em "Cabaret Fucô" - Foto: Bob Sousa

O ator Ivam Cabral em “Cabaret Fucô” – Foto: Bob Sousa

De cara, o título tem um quê de ironia, mas sem ser desrespeitosa, para a apropriação do pensamento de Michel Foucault (1926-1984) por parte da intelectualidade brasileira, muitas vezes longe de esquadrinhar a densa obra do filósofo francês. Afinal, o Satyros não dá ares de sagrado a nada; muito pelo contrário, gosta mesmo é de desconstruir mitos, mesmo quando os homenageia. O que faz muito bem, pois tudo pode e deve ser questionado pela arte.

Outra ironia (ou provocação) que não escapa ao olhar mais atento é a de o único ator negro da peça, Breno da Matta, usar maquiagem no estilo blackface — tema que sacudiu o teatro paulistano recentemente e levantou o debate sobre a representação do negro no palco. Em sua cena mais forte, o ator questiona o modo pejorativo como o negro é visto socialmente e no meio artístico.

Figurinos exuberantes

Assim, em “Cabaret Fucô”, Foucault serve de base para que as mazelas do Brasil sejam problematizadas, de forma poética, em cena. O país marcado pelo ódio e por um crescente conservadorismo é escancarado no cabaré que o Satyros cria com atores vestidos com os exuberantes figurinos de Bia Pieratti e Carol Reissman, que devolvem de forma afetiva à trupe parte do brilho perdido com a morte da diva Phedra D. Córdoba, em abril deste ano. Aliás, a direção de arte como um todo, que tem cenário de Marcelo Maffei, é um dos trunfos da peça.

Daiane Brito, Sabrina Denobile, Julia Bobrow e Bel Friósi - Foto: Bob Sousa

Daiane Brito, Sabrina Denobile, Julia Bobrow e Bel Friósi – Foto: Bob Sousa

À frente dos espectadores desfilam temas cruciais como o feminismo (que arranca aplauso em cena aberta quando o elenco feminino canta “Malandragem”, música de Cazuza eternizada por Cássia Eller), a luta contra o racismo (defendida com propriedade por um aguerrido Breno da Matta), o combate à homofobia e os mecanismos de controle social que a todo instante forças conservadoras querem impor.

Os assuntos se misturam às figuras dos artistas no palco, cada qual contribuindo com sua idiossincrasia às personagens. Assim, sob música executada por Felipe Soares, os atores Ivam Cabral, Eduardo Chagas, Gustavo Ferreira, Henrique Mello, Sabrina Denobile, Fabio Penna, Julia Bobrow, Robson Catalunha, Breno da Matta, Bel Friósi, Daiane Brito e Silvio Eduardo formam um conjunto coeso ao dar o potente recado: que todos têm o direito de ser. E de ser respeitado por isso. Ah, e de cantar também. Do jeito que dá. Mais Satyros, impossível.

“Cabaret Fucô” * * * * *
Avaliação: Ótimo
Quando: Quarta a sábado, 21h, domingo, 18h. 90 min. Até 18/12/2016
Onde: Estação Satyros (praça Roosevelt, 134, Consolação, São Paulo, tel. 11 3258-6345
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada); e R$ 5 (moradores da praça Roosevelt)
Classificação etária: 12 anos

"Cabaret Fucô": Satyros irônico e poético com o Brasil de hoje - Foto: Bob Sousa

Silvio Eduardo, Robson Catalunha, Ivam Cabral, Henrique Mello e Gustavo Ferreira – Foto: Bob Sousa

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