“O Grande Encontro – 20 Anos” traz inéditas com Alceu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo

Alçeu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo: trio há 20 anos junto – Foto: Divulgação

Por MARCUS PRETO
Especial para “O Grande Encontro – 20 Anos”

Uma bomba em explosão contínua. A cada novo contato com a obra construída por Alceu Valença, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo e por outros nomes dessa brilhante geração nordestina que transformou a música popular brasileira a partir dos anos 1970, nos deparamos com o estrondo, com a força ancestral, como se estivéssemos de novo no momento da gênese desses artistas. É notável a capacidade que têm essas vozes e esse repertório para resistir impactantes e preservar, década após década, o mesmo vigor original, o dom do primeiro dia.

Alceu, Elba e Geraldo se reúnem outra vez em torno desse fenômeno no projeto “O Grande Encontro – 20 Anos”, pacote de CD e DVD que chega às lojas neste mês pela Sony Music, com 29 canções interpretadas por eles em solos, duos e trios. Como o título indica, o trabalho comemora as duas décadas da vitoriosa primeira edição do encontro que, em 1996, bateu a marca de um milhão de discos vendidos e colocou seus intérpretes no topo das paradas do país.

A nova edição foi gravada em noite única, no dia 7 de outubro de 2016, no Citibank Hall, em São Paulo. Com roteiro assinado a seis mãos por Alceu, Elba e Geraldo e direção artística de André Brasileiro, ela retoma essa história, que pode ser contada ainda um milhão de vezes sem que a força do repertório defendido pelo trio se esvazie.

Mas, antes de falar mais do novo projeto, vale aqui uma retrospectiva. O embrião do primeiro “O Grande Encontro” foi um show em duo que reunia Geraldo Azevedo e Zé Ramalho. Elba Ramalho e Alceu Valença assistiram ao show no Rio e logo surgiu a ideia de ampliar o projeto para um quarteto. Nasceu o primeiro volume, com Alceu, Elba, Geraldo e Zé. Depois vieram o segundo e o terceiro, sem Alceu. E agora o quarto, com Alceu, mas sem Zé Ramalho. Nos últimos tempos, Elba e Geraldo já vinham fazendo um show inspirado por “O Grande Encontro”: o “Encontro Inesquecível”. Quando chegou o momento de gravá-lo em DVD, chamaram Alceu.

Voltando mais ainda no tempo, os encontros primordiais do trio aconteceram a partir do final dos anos 1960, mas se intensificaram no começo da década seguinte. Alceu e Geraldo se conheceram em 1969, quando se encontraram em um bar do Recife. Ficaram amigos. No ano seguinte, a amizade se aprofundou quando ambos se reencontraram no Rio de Janeiro, em aproximação orquestrada por Carlos Fernando, parceiro constante de Geraldo. Um mostrou o próprio repertório ao outro. Já no segundo dia, compuseram juntos “Talismã”, a primeira parceria. Outras músicas foram nascendo, até que estrearam juntos em disco, no clássico LP “Quadrafônico” (1972), que conjugava música de raízes nordestinas e rock psicodélico.

Elba chegou ao Rio em 1974, levada pelo grupo pernambucano Quinteto Violado, com quem faria um show. Era atriz profissional na Paraíba. A temporada carioca, no entanto, não teve grandes consequências e o Quinteto logo percebeu que era hora de voltar para casa. Mas Elba queria ficar. Passou a ser frequentadora assídua do Baixo Leblon. Ali, conheceu Carlos Fernando e Geraldo. Alceu, ela foi conhecer no Posto 9, a praia da contracultura carioca, em Ipanema. Ainda àquela altura, Elba queria ser atriz e não pensava em viver de música. E foi nesse ofício que trabalhou com Geraldo Azevedo pela primeira vez, quando integrou o elenco da peça “A Chegada de Lampião”, cuja trilha sonora ele assinava. Começaram a andar juntos todos os dias. Alceu logo se juntou ao grupo, fechando o trio.

O tempo passou e tudo o que foi feito por eles se entrelaçava em alguma medida, em processo afetivo de fortalecimento mutuo. Depois do álbum em dupla, Geraldo compôs e tocou viola e craviola na estreia solo de Alceu, no espetacular LP “Molhado de Suor” (1972). Seguiram compondo e lançando canções em dupla. Já Alceu contribuiu como compositor e backing vocal – ao lado de Elba – do primeiro disco individual do companheiro, “Geraldo Azevedo” (1977). A canção “Táxi Lunar”, lançada por Geraldo em seu álbum “Bicho de 7 Cabeças” (1979), é parceria dos dois com Zé Ramalho. Já a faixa que nomeia o álbum, foi o primeiro dueto de Geraldo e Elba. Quando ela percebeu que seu imenso talento como cantora havia engolido qualquer possibilidade de se dedicar à carreira de atriz, tanto Alceu quanto Geraldo passaram a contribuir com repertório para seus discos. Confiaram à voz dela alguns futuros clássicos, como “Canta Coração”, “Espiral do Tempo”, “Porto da Saudade” e “Canção da Despedida”.

De volta ao presente, o roteiro de “O Grande Encontro – 20 Anos” devia contar um tanto dessa história, trazendo as músicas que melhor resumissem a relação dos três artistas, como os clássicos “Táxi Lunar” (Geraldo Azevedo/ Zé Ramalho/ Alceu Valença) e “Bicho de 7 Cabeças” (Geraldo Azevedo/ Zé Ramalho/ Renato Rocha). “Me Dá um Beijo” (Alceu Valença) foi a que eles pescaram do LP “Quadrafônico” (1972). “Caravana” (Geraldo Azevedo/ Alceu Valença) veio do trabalho de estreia de Geraldo. Foi Elba quem sugeriu que o espetáculo começasse com “Anunciação” (Alceu Valença), canção que ela já vinha fazendo em seus shows individuais.

Mas o repertório não se encerra nas composições de Alceu e Geraldo. Parceiro de ambos, Carlos Fernando chega junto por meio de um dos maiores hits que compôs para Elba, “Banho de Cheiro”. E Zé Ramalho é lembrado mais vezes por suas canções individuais “Chão de Giz” e “Frevo Mulher” – essa última lançada em 1978 por outra estrela dessa movimentação, a cantora Amelinha. Outros compositores-referência para o trio vão surgindo aos poucos: Luiz Gonzaga (“Sabiá” e “Qui nem Jiló”), Jackson do Pandeiro (“Na Base da Chinela”), Dominguinhos e Anastácia (“Só Quero um Xodó”), Vital Farias (“Ai que Saudade d’Ocê”) e Gonzaguinha (“Sangrando”).

Nessa nova edição de “O Grande Encontro”, a interação entre os artistas é muito maior do que nas anteriores. São nove números em trio e seis em duo contra 12 individuais – apenas quatro de cada um. Também é maior o número de músicos no palco. São sete instrumentistas, além do trio de protagonistas: Paulo Rafael (guitarra), Marcos Arcanjo (guitarra e violão), Rafael Meninão (violão), Cesar Michiles (flautas e saxofone), Ney Conceição (baixo), Cassio Cunha (bateria) e Anjo Caldas (percussão). A direção musical ficou a cargo de Marcos Arcanjo e Paulo Rafael.

O cenário e a direção de arte de Gringo Cardia usam o trabalho do artista plástico J. Cunha, do Sertão da Bahia, combinando tons nordestinos com psicodelia. Bem ao estilo essencial do trio.

Muito do eterno caráter de novidade que esses artistas trazem consigo em “O Grande Encontro – 20 Anos” se deve ao fato de eles ainda não terem sido devidamente estudados em conjunto. Talvez isso tenha acontecido porque não chegaram a se colocar como um movimento musical, propriamente. Ou, se estiveram perto disso, talvez seja porque esse movimento nunca tenha se definido com um nome que os separasse dos outros, como aconteceu com a Bossa Nova, a Jovem Guarda, a Tropicália e o Clube da Esquina. Se, por um lado, essa indefinição adiou uma análise mais profunda da imensa importância do grupo para a história da música brasileira, por outro lado, ela permitiu que eles seguissem com total liberdade por novos caminhos estéticos.

O risco que corre o público ao esbarrar com projetos revisionistas é encontrar os artistas apenas relembrando seus grandes tempos, um repertório que foi importante no passado mas que agora é só memória, como em um túnel do tempo. Definitivamente, não é isso o que acontece com Alceu, Elba e Geraldo. Eles não estão aqui para relembrar nada. Estão, isso sim, para viver cada uma das canções do roteiro como se todo o sangue estivesse vertendo pela primeira vez. Não há saudade envolvida, o tempo é o presente.

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