“Ninguém se afasta, a TV que não te chama”, diz Cacá Carvalho, o Jamanta

Cacá Carvalho no palco em "A Próxima Estação" - Foto: Lenise Pinheiro

Cacá Carvalho está na peça “A Próxima Estação”, no Sesc Pinheiros, em SP – Foto: Lenise Pinheiro

Por Miguel Arcanjo Prado

O ator paraense Cacá Carvalho, 63 anos, outro dia entrou em um táxi e o motorista lhe disse, com um sorriso de menino, que estava vendo o Jamanta, lendário personagem da TV interpretado pelo ator, na reprise no canal Viva da novela “Torre de Babel”, escrita por Silvio de Abreu em 1998.

Há dez anos longe da TV, Carvalho segue firme naquela que é sua arte fundamental: o teatro. Ele está em cartaz até 17 de dezembro, no Auditório do Sesc Pinheiros (r. Paes Leme, 195), em São Paulo, com a peça “A Próxima Estação”, que acompanha 50 anos na vida de um casal. As sessões são de quinta a sábado, às 20h30, com entrada a R$ 25.

O ator conversou com exclusividade com o Blog do Arcanjo do UOL. Falou sobre Jamanta, televisão, teatro, amor, Laila Garin, Casa Laboratório e crise política, entre outros temas. Leia com toda a calma do mundo.

Miguel Arcanjo Prado — O que achou da volta da novela “Torre de Babel” no Viva? Tem recebido retorno do público por conta da reprise?
Cacá Carvalho — Eu, para falar a verdade, fiquei sabendo dentro de um táxi. Eu peguei um táxi e o motorista disse “ontem eu estava na minha casa e estava começando a novela ‘Torre de Babel’”. Eu fiquei, claro, feliz de ver que aquele moço ao me encontrar abriu nele uma alegria como se a volta daquela novela tivesse feito nele o efeito de reencontrar uma saudade, uma alegria guardada que ele gostou de reencontrar. Eu fico feliz quando o teatro ou a televisão ou enfim quando uma lembrança fica viva em alguém. E cada vez que ela passa os olhos na lembrança abre nela uma coisa que se manifesta externamente na boca em forma de sorriso, mas é dentro que tudo se abre, eu fico feliz quando isso acontece.

Cacá Carvalho como Jamanta: personagem marcante - Foto: Divulgação

Cacá Carvalho como Jamanta: personagem marcante – Foto: Divulgação

Miguel Arcanjo Prado — Você está afastado da TV há cerca de dez anos. Por quê?
Cacá Carvalho — Eu acho que ninguém se afasta da TV, a TV que não te chama. Mesmo quem está lá como ‘funcionário’, ou que está mais próximo, ninguém se afasta da televisão sabe, se me chamarem eu estudo e vejo a possibilidade de fazer. Não estou afastado, a minha vida sempre ir abrindo caminhos dentro da minha linguagem, digamos, onde eu fui criado, educado, formado. Eu tenho um pensamento que eu desenvolvo e articulo, pensamentos e trabalhos que é o teatro. Quando qualquer outro trabalho, seja na televisão, seja no cinema, ou seja uma série, como agora eu acabei de fazer uma série chamada “171 Negócio de Família”, que estará no ar o ano que vem na Universal, eu acho que tendo espaço é claro que eu quero fazer, porque tudo é experiência, tudo soma, tudo me faz pensar, senão você só fica uma pessoa que só come um tipo de alimento. Eu me alimento de tudo aquilo que eu acredite que é saudável.

Miguel Arcanjo Prado — Qual a relação que você tem hoje com o personagem Jamanta?
Cacá Carvalho — Nenhuma, pois faz muito tempo. Só posso dizer que foi um trabalho lindo, foi um trabalho em que eu aprendi uma linguagem que eu exercito pouco e que é um alfabeto com outros valores, outras formações de situações e palavras, de discursos que eu pratico pouco. Eu sou uma pessoa que quando surge esse tipo de coisa eu mais do que fazer alguma coisa é ver o que eu vou aprender com aquilo ali, o que pode acontecer de encontro entre todos nós, com um técnico de som na TV é totalmente diferente de um técnico de som de teatro, um iluminador na televisão é totalmente diferente de um iluminador de teatro, é um outro pensamento de luz é um outro pensamento de som, é um outro pensamento de memorização, é um outro pensamento de relação e de expressão, é tudo tão novo que você não vai parar outra coisa que não seja aprender. Pra mim essa experiência é de aprendizado também. A televisão acontece no meio do cotidiano, e eu fico impressionado com o que se passa enquanto a pessoa está ali na frente daquela tela, ela ainda consegue se emocionar e guardar alguma coisa depois de tanto tempo. Isso é uma coisa interessante para se pensar.

Cacá Carvalho com Gianecchini e Claudia Raia em "Belíssima": volta de Jamanta - Foto: Divulgação

Cacá Carvalho com Gianecchini e Claudia Raia em “Belíssima”: volta de Jamanta – Foto: Divulgação

Miguel Arcanjo Prado — O Jamanta é muito lembrado pelos fãs nas ruas?
Cacá Carvalho — Eu saio pouco, mas eu encontro, claro, pessoas que lembram desse personagem, as pessoas têm memória, quando a coisa toca, e o personagem foi uma coisa muito forte, não é? E algumas pessoas sim, quando eu encontro, algumas pessoas se manifestam de um modo bonito, como se elas abrissem uma memória bonita, e elas ficam mais leves, isso é muito bom de ver.

Miguel Arcanjo Prado — Por que o Jamanta foi um personagem tão marcante em sua vida?
Cacá Carvalho — Todos os personagens para mim são marcantes, todos, todos. Esse especificamente é porque foi a primeira experiência que eu fiz dentro de um ambiente que não é do teatro e que teve uma repercussão muito grande. Então, talvez ele fique tão marcado, mas ele não é mais marcante que outros tantos que eu vivi artisticamente. Mas, ele é significativo também, porém, eu acredito que aquele personagem, aquele trabalho teve a força que teve porque eu tive, repito pelo meu total desconhecimento da linguagem e eu estava tentando me entender, o apoio da direção, do autor, da técnica, dos meus colegas de trabalho que me diziam menos pra cá, menos pra lá, mais baixo aqui, não abre tanto o olho ali e me orientavam para que eu tentasse encaixar dentro de códigos de uma leitura que eu tinha menos e que hoje eu tenho, mas lá, eu tinha bem menos conhecimento e isso teve essa repercussão, não pode ser só mérito meu, ao contrário é mérito de uma galera, de muita gente junta.

Miguel Arcanjo Prado — O que você gostaria de fazer hoje na TV? Tem vontade de voltar a fazer novela?
Cacá Carvalho — Olha eu tenho vontade de fazer vários trabalhos em teatro, e isso você faz por uma necessidade que você pode chamar de vontade. Já a vontade de fazer televisão, se aparecer e se for dentro do possível conciliar coisas e uma galera legal, esse coletivão é muito importante, eu não vejo por que não fazer… Mas não é algo que se eu não fizer, não durmo. Já o teatro, se eu não fizer, eu não durmo.

Cacá Carvalho faz texto sobre uma história de amor - Foto: Lenise Pinheiro

Cacá Carvalho faz texto sobre uma história de amor – Foto: Lenise Pinheiro

Miguel Arcanjo Prado — Como surgiu a peça “A Próxima Estação”? 
Cacá Carvalho — “A Próxima Estação” nasce como uma ideia de Roberto Bacci para uma colocação que eu fiz a ele sobre a vontade de fazer um trabalho sobre o amor. Este espetáculo teve a sua estreia na Itália com o próprio autor em cena, quando eu estava em cartaz com um espetáculo sobre Dostoiévski, algumas vezes eu descia e assistia ao autor fazendo esse trabalho. Devo dizer que aquela encenação é uma encenação tão criativa e surpreendentemente simples que me fascinou tanto quanto o tema que é exatamente a vida de duas pessoas que precisavam se encontrar e demoraram muito para se encontrar e viver uma vida inteira juntos.

Miguel Arcanjo Prado — Por que encenar esta obra neste momento? 
Cacá Carvalho — No início de 2016 eu acabei assistindo mais uma vez o espetáculo e no final Márcio Medina, Roberto Bacci, Luca Dini e Michele Santeramo fizeram um complô e me disseram que eu deveria fazê-lo de qualquer jeito. Na hora pensei o quão difícil era para um ator fazer um espetáculo onde ele ‘não representa’, ele  aparentemente só lê. E ai comecei um trabalho de tradução e fiquei muito excitado com esse desafio, acho que como tema ele fala de uma coisa que hoje cada vez mais está distante de todos nós, que é o encontro de duas pessoas por um longo período para viver a aventura de enfrentar as desavenças, as belezas, os calores, os frios, os horrores e as belezas das experiências da vida.

Miguel Arcanjo Prado — Como é a história da peça?
Cacá Carvalho — É uma reflexão sobre a condição humana, nos vemos através dessa história dessas duas pessoas, um painel do que é uma vida, mas não só no passado delas como normalmente o teatro faz, mas dessa vez a história está no futuro. O casal se conhece em 2015 e vai vivendo diariamente, década a década, até 2065. Ora, esse futuro é um futuro imaginado, mas é um futuro muito presente, porque é um futuro cujas as sementes nós já estamos plantando hoje. Essa curva, eu acredito que é a curva de um casal que eu gostaria que fosse mais comum e se encontrasse mais, gente que faz a experiência de estar junto, gente que faz a experiência de enfrentar o mundo acompanhado. Eu preciso falar disso, porque é o que se precisa falar nesse momento de secura, eu acho que é um discurso necessário.

Cacá Carvalho, ao fundo imagens de Cristina Gardumi - Foto: Lenise Pinheiro

Cacá Carvalho, ao fundo imagens de Cristina Gardumi – Foto: Lenise Pinheiro

Miguel Arcanjo Prado — Como você enxerga esta crise política na qual o Brasil mergulhou?
Cacá Carvalho — Olha, essa crise é como uma ferida inflamada, mas ela começou e nós vínhamos detectando ela como um prurido, depois com um coceira mais incômoda e todos os remédios que nós fomos colocando em cima não surtiram o efeito que nós imaginávamos. Hoje em dia, a crise é uma crise inflamada que no momento o remédio que está sendo testado, é um remédio que eu particularmente acho que não é a terapia ou o tratamento mais eficaz, mas estamos vivendo. Eu torço pelo corpo do país e espero que não se percam as maravilhas e que os deslizes sejam tomados como parte da experiência de apostar. Não será fácil, será um aprendizado dolorido, uma cura dolorida e eu não sei a dimensão, imaginar seria falar besteira, imaginar os possíveis danos terríveis, ou belezas que nos venhamos a ter com essa nova experiência que agora nós nos vemos tendo de passar. Em todas as áreas, do mais alto cargo, a área do governo, a área do município, a área da cultura, a área do esporte, todas as áreas, esse é o momento onde o corpo inteiro está tremendo, sem saber ainda para que lado vai. Neste momento eu intuo que a coisa está ficando de um modo que eu nunca imaginei que nós chegaríamos.

Miguel Arcanjo Prado — Você ainda mantém as atividades da Casa Laboratório na Barra Funda?
Cacá Carvalho — As atividades da Casa Laboratório como espaço físico na Barra Funda neste momento não acontece. A Casa Laboratório, assim como tantos outros grupos de trabalho em São Paulo, foi penalizada por esse momento difícil, vem sendo penalizada, vinha sendo penalizada e agora já há quase dois anos, eu fechei o espaço. Claro que o projeto continua em mim, claro que a vontade de reativar um espaço para reencontrar pessoas não sai de mim, esse é um outro lado que me compõem, estar junto com gente bem mais jovem do que eu, ver como é que eles estão pensando, diante deles ver o que eu posso falar e aprender, deixar me roubar e roubar deles, numa troca que nem sempre deve resultar num trabalho visto, mais principalmente num trabalho da formação do pensamento diante dessa opção, nesta realidade, neste momento histórico, eu preciso, neste momento eu não estou ativo num espaço, toda a casa está em mim, pulsando viva, mas eu preciso de um espaço.

Laila Garin, estrela dos musicais, fez a Casa Laboratório de Cacá Carvalho - Foto: Paduardo/Phábrica de Imagens

Laila Garin, estrela dos musicais, fez a Casa Laboratório de Cacá Carvalho – Foto: Paduardo/Phábrica de Imagens

Miguel Arcanjo Prado — A Laila Garin, que hoje está consagrada no teatro musical, começou com você? O que você acha dela?
Cacá Carvalho — A Laila é uma das tantas pessoas maravilhosas que passaram pela Casa Laboratório e que está abrindo o seu caminho. O caminho da Laila no momento se manifesta dentro de uma natureza de teatro onde ela está mostrando tudo aquilo que nós sempre detectamos nela, ali, e que agora está se oferecendo para essa folia de gente que vai vê-la. Mas a Laila não começou comigo, quando a Laila começou na Casa Laboratório, ela tinha um percurso de teatro que vinha ativamente de Salvador, os trabalhos dela na França ligados à mímica e também ao teatro. A Laila é um a atriz versátil, onde o musical se manifesta talvez, neste momento muito fortemente, mas ela é uma atriz completa. E me dá um orgulho danado perceber que a Casa Laboratório e que todas as pessoas que por ali passaram, trocando experiências seja na função de “entre aspas”, difícil essa palavra pra mim, “ensinar”, vamos colocar ela errada neste caso, mas essa  experiência de ficar estimulando o outro a colocar e colocar e desbloquear as suas possibilidades, nós tivemos a oportunidade de conviver. Muitas pessoas que passaram por lá estão agora numa batalha linda, em diversas áreas, porque a Casa Laboratório não se preocupa apenas com a arte de interpretar, mas com a área de ser antes de mais nada, e de pensar e de agir. Eu torço para que os caminhos não sejam muito doloridos.

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