Crítica: Peça faz encontro vigoroso de Salomé, João Batista e Oscar Wilde

Camila dos Anjos e Gustavo Haddad: intérpretes potentes - Foto: Vivian Fernandez

Camila dos Anjos (Salomé) e Gustavo Haddad (João Batista): potentes – Foto: Vivian Fernandez

Por Miguel Arcanjo Prado

O Teatro Sérgio Cardoso escondia do público um charmoso espaço: seu porão, localizado exatamente debaixo de seu palco histórico. O local estreia como sala teatral alternativa com a montagem “Diálogos de Salomé com João Batista”, com direção e dramaturgia do experiente Sérgio Ferrara a partir da obra do escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900). Quem ganha é a cidade de São Paulo, com mais um espaço cultural.

A peça é a segunda da “Trilogia dos Malditos” encabeçada por Ferrara com produção do incansável Elder Fraga. A primeira foi “Genet: O Poeta Ladrão”, inspirada na vida do poeta francês Jean Genet (1910-1986), e a terceira terá como tema o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini (1922-1975).

O que chama a atenção do público nesta encenação é o elenco vigoroso e o interessante diálogo que Ferrara estabelece entre a história bíblica da princesa que pede a cabeça de João Batista com o drama homossexual de Oscar Wilde e a cultura oriental como estética.

Camila dos Anjos e Tony Lee: presença oriental marcante - Foto: Vivian Fernandez

Ruben Espinoza, Camila dos Anjos, Tony Lee e Pablo Ginevro: oriente presente – Foto: Vivian Fernandez

Neste último aspecto, há na obra uma forte presença do ator chinês Tony Lee como Herodíade, a mãe de Salomé amaldiçoada por João Batista por viver em pecado com Herodes, rei da Judeia. Lee, falando em o tempo todo em chinês, traz à obra toda a riqueza do teatro oriental, com seus gestos precisos e simbólicos, em instigante diálogo cultural.

O próprio porão do Teatro Sérgio Cardoso colabora para que a estética oriental abarque tudo, com suas colunas adornadas, que faz o palco lembrar o pátio de um palácio chinês. Os figurinos de Kleber Montanheiro também colaboram para esta construção estética, assim como a luz de Caetano Vilela e a proposta cenográfica de Bonomi.

A mesma força presente em Lee segue, sobretudo, em Camila dos Anjos, que constrói uma Salomé visceral e perturbada por seus desejos lascivos, e em Gustavo Haddad, que demonstra maturidade como ator na construção de um corajoso e incorruptível João Batista. O embate de ambos é repleto de potência.

Ao sempre presente Fransérgio Araújo cabe encarnar o próprio Oscar Wilde, fazendo um importante contraponto à história bíblica, com a angústia de seu amor proibido por um jovem amante, interpretado por Pablo Ginevro – que a encenação transforma, nos momentos de nudez, em uma pintura renascentista. Completa o elenco o concentrado Ruben Espinoza, como o samurai que carrega a espada responsável por selar o destino de João Batista.

“Diálogos de Salomé com João Batista” é um espetáculo vigoroso que traz novo enfoque a uma história já conhecida, tornando-a repleta de significados que vão sendo degustados e descobertos pelo espectador mais atento.

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Pablo Ginevro e Fransérgio Araújo: o jovem amante e Oscar Wilde – Foto: Vivian Fernandez

“Diálogos de Salomé com João Batista” * * * *
Avaliação: Muito Bom
Quando: Terça, Quarta e Quinta, 20h. 50 min. Até 27/10/2016
Onde: Porão do Teatro Sérgio Cardoso – Rua Rui Barbosa, 153, Bela Vista, São Paulo – Tel. 11 3288-0136
Quanto: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia-entrada)
Classificação etária: 16 anos

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