Entrevista de Quinta: “Estamos todos fodidos”, diz Mário Bortolotto

O diretor e dramaturgo Mário Bortolotto - Foto: Bob Sousa

O diretor e dramaturgo Mário Bortolotto – Foto: Bob Sousa

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Foto BOB SOUSA

Aos 53 anos, Mário Bortolotto ainda é um adolescente inquieto e inteligente que gosta de histórias em quadrinhos e rock’n’roll. Ele mistura as duas paixões com maestria no palco de seu Teatro Cemitério de Automóveis, na rua Frei Caneca, 384, obrigatório de ser frequentado na cena paulistana e no qual estreia neste sábado (4) a peça Potscards de Atacama.

Natural de Londrina no Paraná e radicado em São Paulo desde 1996, ele atualmente tenta sobreviver em seu teatro sem patrocínio nem Fomento. Mesmo assim, segue firme na luta, colocando suas peças no palco.

Sobre o Brasil atual, anda decepcionado e pensando em desistir de viver em sociedade, como confessa nesta Entrevista de Quinta, na qual fala também sobre arte, política, evangélicos, fascistas, os três tiros no peito que tomou na praça Roosevelt, teatro, amor e, claro, rock. Afinal, ele é um diretor roqueiro.

“Hoje já não há lugar possível. Estamos todos fodidos. Vamos ter que ir pra Berlim, sei lá”, diz.

Leia com toda a calma do mundo.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Por que você define Potscards de Atacama como uma comédia pop?
MÁRIO BORTOLOTTO — Não sei se eu defini assim. Tá no release, é?

MIGUEL ARCANJO PRADO — Está.
MÁRIO BORTOLOTTO — Não fui eu que escrevi. Na verdade é uma peça que fala sobre solidão, por isso a imagem de alguém que manda cartões postais do deserto mais árido do mundo. Não é exatamente uma “comédia pop”. Tem algumas cenas que eu acho que são bem engraçadas, mesmo porque acho que os solitários proporcionam situações engraçadas e não apenas melancólicas como querem nos fazer crer os poetas mais “pé na lama”. Por exemplo, na peça tem o sujeito que é fã do Brad Pitt e vai ao cinema ver o mesmo filme inúmeras vezes e discute com as outras fãs sobre quem é mais fã do ator. Quer dizer, é a solidão levada ao extremo e que não tem como não ser engraçada. Mas o fio condutor da peça é justamente o cara que desistiu de viver em sociedade como muitos personagens das minhas peças fazem e como eu quero fazer há muito tempo. Ele então se isola no deserto de Atacama com uma garota de programa e fica lá escrevendo poesia, bebendo cerveja e mandando cartões postais para a esposa. Cartões postais do lugar mais árido do mundo.

Getsêmani, com Alexandre Borges, deve voltar em breve ao cartaz - Foto: Divulgação

Getsemani, com Alexandre Borges, deve voltar em breve ao cartaz – Foto: Divulgação

MIGUEL ARCANJO PRADO — Recentemente você fez uma peça com o Alexandre Borges. Ele vai fazer mais coisas com o Cemitério?
MÁRIO BORTOLOTTO — O Alexandre é um grande amigo nosso e gosta do nosso trabalho. A gente deve fazer de novo a “Getsemani” com ele assim que ele tiver um pouco de folga da novela que estreou agora. E temos outros projetos sim. Estamos sempre conversando.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como está mantendo o Cemitério de Automóveis sem Fomento ou patrocínio?
MÁRIO BORTOLOTTO — Pois é. Tá sendo muito difícil. A gente tá no vermelho faz tempo. A bilheteria das peças tem que ser dividida entre os atores, caso contrário eles não ganham nada, e isso eu não admito. Não que a bilheteria seja grande coisa, já que é um teatro pequeno de 32 lugares e mesmo se lotar toda noite, os atores já vão ganhar muito pouco (os ingressos custam R$ 30 e a maioria do público paga meia). Quer dizer, ator que trabalha com a gente, decididamente não está trabalhando por dinheiro. Então temos que sobreviver do bar, mas é muito difícil que um bar dê lucro nesses tempos evangélicos que estamos vivendo. Temos que baixar as portas cedo (estamos baixando à meia-noite) por causa da lei do silêncio e todo boêmio e bom bebedor gosta mesmo é de beber de madrugada. Nós tentamos fazer o máximo de silêncio possível pra não incomodar os vizinhos, mesmo assim tem uma vizinha que liga pra reclamar dos aplausos da plateia. É foda. Nos resta então alugar o teatro e a sala de ensaio, dar cursos, etc que é o que estamos fazendo. Mas mesmo assim não há tanta procura por pauta. E tem o negócio de eu ser chato pra caralho, tipo não vou alugar o teatro pra qualquer grupo, mesmo com eles pagando. Tem que haver uma sintonia com o trabalho que a gente faz ou mesmo que não houver sintonia, o trampo tem que ter qualidade, o tipo de trabalho que eu diria “jamais vou fazer isso, mas admiro”, saca? Se eu alugar pra qualquer um, o público que costuma ir lá e que a gente conquistou com nossa integridade, vai se sentir traído. Então tá sendo muito complicado pra gente. Não sei até quando a gente vai aguentar.

Bar do Teatro Cemitério de Automóveis, de Bortolotto e Carcarah, seu sócio - Foto: Divulgação

Bar do Teatro Cemitério de Automóveis, de Bortolotto e Carcarah, seu sócio – Foto: Divulgação

MIGUEL ARCANJO PRADO — Acha que as políticas públicas para o teatro deveriam melhorar? Qual seriam suas sugestões?
MÁRIO BORTOLOTTO —
O problema das politicas públicas é que fica sempre na mão de meia dúzia de pessoas que decide pra quem vai a verba, ou seja, acaba indo pras mãos deles e dos amigos deles. Eles ficam o tempo todo se articulando pra ver quem vai ganhar a verba xis de projeto xis. Eu não tenho tempo pra fazer política. Eu faço teatro. E não teria orgulho de minha trajetória se estivesse fazendo politica no intuito de me dar bem particularmente e com isso negligenciando o meu trabalho em teatro que é o que eu tenho orgulho de estar fazendo. Glauber Rocha já dizia que “política e poesia é muito pra uma pessoa só”. Eu devia simplesmente fazer o teatro que faço e os caras olharem e falarem “pô, esse cara trabalha pra cacete. E faz um teatro bom, referendado pela crítica e pelo público. Vamos dar uma força pra ele continuar o trampo dele com um pouco mais de tranquilidade”. Mas não é isso que acontece.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como você encarou o impeachment da presidente Dilma? O que acha deste governo interino do Michel Temer?
MÁRIO BORTOLOTTO — Eu já escrevi sobre isso. Acho o impeachment um retrocesso. Não concordo com o governo que o PT vinha fazendo. Não votei no PT (aliás não votei em ninguém e não vou votar enquanto não aparecer um candidato que eu possa no mínimo entender que tem boas intenções e eu não poderia votar em um partido que faz alianças com evangélicos que na minha opinião é o maior perigo para a democracia do país. É impossível ter um país com liberdades democráticas se quem manda no país é uma igreja), mas eu acho que se o povo elegeu, a presidente devia cumprir todo o seu mandato e aí nas próximas eleições, tentem não fazer mais besteira, caramba. Mas eu não vejo esperança. Os próximos candidatos não serão melhores que os últimos que tivemos. Vamos continuar sem real opção de voto. E não vou discutir o Temer. Acho um absurdo esse negócio da presidente sofrer um impeachment e o vice assumir. Eles não estavam juntos nessa? Acho que o vice deveria assumir apenas se a presidente tivesse algum problema de saúde ou tivesse que viajar, enfim. Não consigo entender esse negócio do vice assumir depois de um impeachment. Tinha que cair todo mundo, caramba. Não consigo entender o Temer como presidente. A Dilma pelo menos tava lá porque votaram nela. O Temer só tá lá porque o PT queria os votos do PMDB e colocou o Temer de vice. Tiro no pé total.

Mário Bortolotto na peça Música para Ninar Dinossauro - Foto: Bob Sousa

Mário Bortolotto na peça Música para Ninar Dinossauro – Foto: Bob Sousa

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como enxergou a extinção do Ministério da Cultura e depois o seu retorno?
MÁRIO BORTOLOTTO — 
Acho importante que o Brasil tenha um “Ministério da Cultura”, inclusive pra Cultura não ser esse ítem de segunda mão que já é tipo “a Cultura é tão pouco importante que nem Ministério tem”, sacou? Mas se formos analisar friamente e sem a emoção que nos é peculiar, a nós artistas, não faz muita diferença. Tanto faz se é Ministério ou Secretaria ou Departamento de Cultura, o importante é que seja atuante e que faça realmente alguma diferença. O Ministério tava fazendo? Tava nos representando? Essa é a pergunta que eu faço. E agora com a volta dele, vai nos representar?

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como viu muita gente dizer por aí que artista é “vagabundo”?
MÁRIO BORTOLOTTO — Eu não vi muita gente dizendo isso. Eu vi um pastor falando isso. E alguns fascistas ignorantes concordando. A gente sabe o quanto trabalha.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Quais são os próximos projetos do Cemitério?
MÁRIO BORTOLOTTO — O projeto maior é tentar manter o teatro aberto e pra isso vamos ter que trabalhar muito. A gente ia montar a peça “Criança enterrada” do Sam Shepard. O Carcarah que é meu sócio no teatro comprou os direitos com o dinheiro dele. E aí a gente até ganhou um prêmio pra realizar a montagem, mas a grana não saiu. Tá vendo só? Quando a gente ganha, a grana não sai. Eu tenho que manter uma programação de terça a domingo no teatro. O que eu tenho é um repertório grande de peças capaz de abastecer sempre a programação, mas não adianta ter uma programação se a gente não consegue divulgar. Nós não temos dinheiro pra contratar uma assessoria. Vivemos da boa vontade de amigos que ajudam a divulgar. Mas vamos continuar trabalhando, até quando for impossível continuar. Quando ficar impossível, a gente fecha o teatro, infelizmente. Aí pelo menos eu tiro férias. Afinal eu sou um “vagabundo” que não tira férias há mais de sete anos. A última vez que tirei férias foi quando ganhei uma passagem da Gol e fiquei cinco dias em Maceió. Que merda de vagabundo que eu sou, né?

Mário Bortolotto (à dir.) em cena de Getsemani - Foto: Bob Sousa

Mário Bortolotto (à dir.) em cena de Getsemani – Foto: Bob Sousa

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como você definiria o teatro que faz?
MÁRIO BORTOLOTTO —
Eu faço um teatro que não existe por aí. Eu inventei o meu teatro. Não que seja originalíssimo, nada disso. É um teatro que sofre influências de vários outros tipos de teatro, mas não só de teatro. Você vê o Bob Wilson por exemplo, é evidente que ele sofre influências de artes plásticas no teatro dele. Bom, eu não entendo porra nenhuma de artes plásticas, mas eu entendo de histórias em quadrinhos e rock and roll e essas são as maiores influências no meu teatro. Quando morava em Londrina, eu via os grupos fazendo teatro. Grupos bons, grupos com nome que viajavam o Brasil inteiro e inclusive internacionalmente. Londrina era um polo teatral nos anos 80 dos mais respeitados. Mas eu não queria fazer parte de nenhum grupo daqueles. Eu admirava o trabalho que eles faziam, assistia todas as peças, mas não queria fazer nada daquilo. Eu queria fazer o meu teatro, por isso eu fundei o meu grupo. Eu era um moleque que gostava de rock and roll e histórias em quadrinhos e eu queria fazer um teatro que tivesse rock and roll e cara de histórias em quadrinhos. E foi o que fiz. Eu escrevo dramaturgia como se escrevesse roteiro de histórias em quadrinhos. Minhas maiores influências em dramaturgia não é o Plinio Marcos ou Tenessee Willians. É Giancarlo Berardi. É Garth Ennis. É Jason Aaron. É Alan Grant. Esse é o tipo de teatro que faço e que inventei pra eu fazer. Se não tivesse feito isso, talvez não fizesse teatro.

Londrina nos anos 1970, época do fim da infância e começo da adolescência de Bortolotto - Foto: Divulgação

Londrina nos anos 1970, época do fim da infância e começo da adolescência de Bortolotto – Foto: Divulgação

MIGUEL ARCANJO PRADO — Você está radicado há muito tempo em SP. Tem saudade do que no Paraná?
MÁRIO BORTOLOTTO —
Estou em São Paulo desde 96. Vim pra cá pra trabalhar com o Fauzi Arap a convite dele. Eu tenho saudades da Londrina dos anos 80. Mas o Brasil inteiro era bacana nos anos 80. Eu vinha muito pra São Paulo nessa época. Cheguei a morar em duas temporadas aqui nessa época e São Paulo era incrível. Mas Londrina também era. O Brasil era bacana. Eu viajei muito pelo Brasil nos anos 80. Era um país com esperança. A gente tava saindo de um período negro de ditadura e se respirava liberdade o tempo inteiro. Havia vontade de ser criativo, porque valia a pena ser criativo. Os festivais de teatro eram sensacionais. A gente vivia de festival em festival, passava a semana inteira nas cidades dos festivais, dormindo em beliches de ginásios de esportes, comendo em bandejão e assistindo peças todas as noites e se divertindo, enchendo a cara, arrumando encrenca. Era uma vida boa. Londrina era um polo teatral e musical muito forte. Tinha uma cena rock na cidade que era violenta com shows toda semana em repúblicas de estudantes. Os bares todos cheios a madrugada inteira. Ainda não existiam os evangélicos e consequentemente não existiam essas leis coercitivas  tipo “Lei do cigarro”, “Lei do Silêncio”, etc que foderam com a noite boêmia. Então o que posso dizer é que Londrina era muito foda nos anos 80, mas Araçatuba também era, e Presidente Prudente também. O Brasil era bacana. É por isso que eu não perdoo os nossos ex-governantes que numa sede desmesurada pelo poder acabaram entregando o país nas mãos dessa direita escrota e evangélica que está nos governando hoje tirando toda a nossa esperança em um país moderno, culturalmente avançado. Nenhum país vai ser culturalmente avançado se for governado por uma igreja, qualquer que seja. A igreja é um símbolo de retrocesso. Não interessa a eles a evolução de ninguém. Eles querem todo mundo burro e pagando o dizimo pra eles. Então todo mundo tem que dormir cedo, ninguém pode se divertir, ninguém pode gastar dinheiro com cultura e arte. Todo mundo tem que guardar dinheiro pra pagar o dizimo e enriquecer os caras. Então foi a partir dos anos 90 que começou a foder. Londrina já não era tão bacana e eu precisava sair de lá. Quando o Fauzi me convidou pra vir pra São Paulo foi um alívio pra mim. São Paulo ainda era um lugar possível. Talvez um dos poucos nos anos 90. Bom, hoje já não há lugar possível. Estamos todos fodidos. Vamos ter que ir pra Berlim, sei lá.

Mário Bortolotto com Patrícia Vilela no Festival de Curitiba de 2014 com a peça Whisky e Hamburguer - Foto: Jorge Mariano

Mário Bortolotto com Patrícia Vilela no Festival de Curitiba de 2014 com a peça Whisky e Hamburguer – Foto: Jorge Mariano

MIGUEL ARCANJO PRADO — Você gosta de se apaixonar? E a fossa, quando termina, é criativa pra você?
MÁRIO BORTOLOTTO —
Eu gosto muito de me apaixonar. Sempre valeu a pena. Já me ferrei muito, é claro, mas sempre valeu a pena. A vida sem paixão não tem graça. Mas com o tempo está muito mais difícil eu me apaixonar. Fico anos sem me apaixonar verdadeiramente. E é por isso que fico muito tempo sozinho. Não sou do tipo carente que precisa ficar com alguém. Pra eu estar disposto a negociar a minha solidão que eu prezo muito tem que ser com uma mulher que eu esteja apaixonado. E quando acontece de eu encontrar uma mulher por quem milagrosamente eu me vejo apaixonado, como diria Nelson Rodrigues, “é batata”, eu sempre me ferro. rs. A gente sempre se apaixona errado, né? Tem um músico que é o Flavio Rodrigues da banda “Flavio & Spirito Santo” que escreveu: “Meu coração é um pato louco que emigra em qualquer direção / quando voa, voa cego / tanto faz no inverno ou no verão”. E geralmente esse pato louco voa com o radar avariado, né? E mete a cabeça no primeiro baobá que aparece. Mas pelo menos temos essa válvula de escape que é a arte. É ela que faz com que ignoremos o revólver no fundo da gaveta. Cazuza já escreveu: “Obrigado por ter se mandado / por ter me condenado a tanta liberdade / e por ter me dado inspiração pra eu ganhar dinheiro”. Acho que é assim. Eu escrevo peças, poesias, faço música, tudo pra aliviar a dor filha da puta que vem com a impossibilidade da plenitude e concretização da paixão. E é claro que os textos, poemas e músicas ficam muito melhores nesse período nefasto de nossas vidas. Convenhamos, é muito mais inofensivo e seguro viver sem amor. Mas eu nunca fui de ficar atrás de uma vida segura. Então estou sempre pronto pro nocaute, pra cuspir o protetor fora quando a porrada for inevitável. Mas no meu caso especifico, nunca coloco a culpa nas mulheres que me deixaram. Eu fiz por merecer. Faço muita merda. Elas estão certas em não aguentarem ficar comigo.

Mário Bortolotto na peça Mulheres - Foto: Gisela Schlögel

Mário Bortolotto na peça Mulheres – Foto: Gisela Schlögel

MIGUEL ARCANJO PRADO — Você é um diretor roqueiro? Por quê?
MÁRIO BORTOLOTTO — Eu sou roqueiro. E também sou diretor. Consequentemente acabo sendo um diretor roqueiro. Eu só me encontrei no rock and roll. Eu não gostava de música quando era garoto. Meu pai ouvia música sertaneja o dia inteiro e aquilo me deprimia. Música sertaneja sempre me deprimiu. E eu ia pra igreja e ouvia música sacra. Achava aquilo chato. Quando ganhei minha autonomia de girar o dial do rádio lá de casa é que descobri a minha praia. Tinha um programa diário que só tocava Roberto Carlos. E era o Roberto da Jovem Guarda, da soul music. E aí eu comecei a gostar verdadeiramente de música, depois veio Raul Seixas. Quando ouvi “Ouro de Tolo” no rádio foi um choque. Lembro quando Elvis morreu. Eu tava no seminário e comprei o “Moody Blue” dele que nem é um disco muito bom. Mas eu ficava ouvindo o tempo todo. Depois ainda no seminário eu pegava o gravador, emprestava uns discos e ficava montando seleções em fita cassete pra ficar ouvindo. Seleções de Beatles, Stones, Led Zeppelin até descobrir o blues já no começo dos anos 80 e aí sim, foi foda. Mergulhei fundo na vida e obra dos caras. Robert Johnson, Muddy Waters, Leadbelly até chegar nos elétricos Albert King, B.B King, Clapton, Roy Buchanah e no impressionante e maior de todos Freddie King. Em Londrina tive um programa na Rádio Universidade FM que era o “Estação Blues” e era o programa de maior audiência na rádio. Caramba, um programa de blues com audiência, né? É porque eu gostava tanto de fazer que eu acho que contaminava quem ouvia. Em resumo, o rock e a minha vida não conseguem ficar dissociados. Então evidentemente como faço teatro, levei o rock pro teatro. Então pode me chamar de diretor roqueiro. Fico bem orgulhoso com a denominação.

Mário Bortolotto (à dir.) com seu sócio Carcarah em O Canal - Foto: Gisela Schlögel

Mário Bortolotto (à dir.) com seu sócio Carcarah em O Canal – Foto: Gisela Schlögel

MIGUEL ARCANJO PRADO — Quando você era criança e adolescente o que costumava ler? E hoje, quem são seus autores fundamentais?
MÁRIO BORTOLOTTO — Eu lia muito gibi, histórias em quadrinhos. Eu aprendi a ler com gibi. Meu tio que era surdo tinha um guarda-roupa cheio de gibis e eu passava tardes inteiras no sofá da minha avó lendo os gibis dele. Eu aprendi a ler antes de entrar na escola graças aos gibis do Tio Miguel. Lia tudo, Disney, Marvel, Tex Willer, o que o meu tio comprasse. Depois comecei a ler Asterix. Eu vi numa loja e pedi pra minha mãe comprar. Era um gibi mais luxuoso. Minha mãe não tinha dinheiro pra comprar, mas ela deu um jeito. Ela viu que eu queria muito. Era “Asterix contra os Helvéticos”. A partir de Asterix comecei a me interessar a ler livros de clássicos de aventura como “Moby Dick” (que livro incrível), “Os Tres Mosqueteiros”, “O conde de Monte Cristo”, etc. Eu lembro que no meu primeiro aniversário que passei no seminário ganhei de presente o livro “As Alegres Aventuras de Robin Hood”. Caramba, os caras acertaram no meu presente. Acho que eu sempre fui bastante óbvio e transparente. Com 14 anos descobri Homero. Li a “Ilíada” e a “Odisseia”. Aí foi o inferno. Eu vi que tava perdido de vez. Hoje os meus autores fundamentais além dos grandes roteiristas de quadrinhos que admiro são inúmeros. Posso citar alguns: Charles Bukowski, evidentemente. E Jack Kerouac, Raymond Carver, Don Winslow, David Goodis, Pedro Juan Gutierrez, Cioran, Cormac McCarthy, enfim, a lista é grande. E hoje ainda tem os roteiristas de séries americanas. Os caras são muito bons. Sujeitos como David Chase, Kurt Sutter, Nic Pizzolatto, Tom Kapinos ou David Milch estão fazendo uma verdadeira revolução e dando ao roteiro o status que no Brasil parece totalmente negligenciado .

Mário Bortolotto com integrantes de sua banda Saco de Ratos - Foto: Divulgação

Mário Bortolotto com integrantes de sua banda de rock Saco de Ratos – Foto: Divulgação


MIGUEL ARCANJO PRADO — Ainda te perguntam sobre quando tomou um tiro na Roosevelt? Fica incomodado quando alguém toca no assunto? Acha que o título do blog Atire no Dramaturgo trouxe má energia?
MÁRIO BORTOLOTTO — Não me incomodo. Acho que aconteceu esse fato lamentável na minha vida e faz parte da minha biografia. Não há porque eu ficar incomodado em tocar nesse assunto. Sempre vão me perguntar sobre isso até os meus últimos dias. Tá tudo bem. Quando ao lance do título do blog, foi só uma coincidência. Era uma homenagem ao livro “Atire no pianista” do David Goodis. Não me ligo nesse negócio de “má energia”. Não mudei um milímetro do que eu era a partir do acontecido. Alguém achou mesmo que eu ia me converter? Eu até achei que ia beber menos. Pobre iludido [risos].

MIGUEL ARCANJO PRADO — Por que você faz teatro?
MÁRIO BORTOLOTTO —Por que eu gosto de rock and roll. E acho que é possível com meus parceiros de banda (o grupo de teatro) contar 1, 2, 3, 4 e entrar em cena. Ok, rapaziada, vamos tocar rock and roll.

Potscards do Atacama
Quando: Sábado, 21h e domingo, 20h. 70 min. De 4 a 26/6/2016
Onde: 
Teatro Cemitério de Automóveis – Rua Frei Caneca, 384 – Consolação, São Paulo. tel. 11 2371-5744/99292-8707
Quanto: R$ 30
Classificação etária: 16 anos

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