Entrevista de Quinta: “Pena que Bolsonaro e Feliciano não venham assistir”, diz Marco Antonio Braz ao estrear O Beijo no Asfalto

Marco Antonio Braz, entre os atores Alvaro Gomes e Marcos Breda - Foto: Lenise Pinheiro/Divulgação

Marco Antonio Braz, entre os atores Alvaro Gomes e Marcos Breda, durante os ensaios de O Beijo no Asfalto: obra de Nelson Rodrigues estreia neste sábado (5), no Teatro Augusta, em São Paulo, após sucesso no Rio – Foto: Lenise Pinheiro/Divulgação

Por MIGUEL ARCANJO PRADO

Prestes a completar meio século de vida em 2016, o diretor carioca Marco Antonio Braz, cria do mestre Antunes Filho, é conhecido como o maior especialista nos palcos atuais em montar peças de Nelson Rodrigues.

Tanto que pretende levar aos palcos até 2017 as 17 peças do nosso Anjo Pornográfico e viajar o País para apresentar os textos, na ordem em que foram escritos, às novas gerações que, infelizmente, ainda desconhecem o nosso maior dramaturgo.

A partir deste sábado (5), após temporada de sucesso no Rio, ele encena no Teatro Augusta, em São Paulo [veja serviço ao fim], sua quarta versão para o texto O Beijo no Asfalto: a história emblemática de um homem perseguido pela imprensa e a política. Tudo porque beija outro homem na boca, enquanto este agonizava após ser atropelado, e lhe fez o último pedido em vida: receber o tal beijo.

Estão no elenco os atores Marcos Breda, Pedro Paulo Eva, Alvaro Gomes, Cal Titanero, Danielle Scavone, Josias Souza, Leonardo Santos, Pamela Domingues e Stella Portieri.

O texto foi escrito por Nelson Rodrigues em 1960, mas, 55 anos depois de sua feitura, segue mais atual do que nunca. Já que, tanto tempo depois, o beijo entre dois homens, ou duas mulheres, ainda é digno de atenção na pauta política nacional.

E O Beijo no Asfalto volta com tudo. Tanto que há outras versões do texto nos palcos nacionais, entre elas a do diretor João Falcão, em forma de teatro musical, no Rio, e outra, em formato convencional, do diretor Jair Aguiar, no Espaço dos Parlapatões.

Braz prefere enxergar não como uma concorrência a profusão de montagens deste texto, mas como uma necessidade dos artistas do Brasil atual em confrontar um crescente pensamento conservador com a crítica moralista presente na obra.

Em busca de um teatro simples e clássico, nesta Entrevista de Quinta, Braz revela por que escolheu trabalhar com as artes cênicas, além de analisar sua montagem atual e expor a íntima relação com a obra do dramaturgo das tragédias cariocas: “Faço Nelson Rodrigues para economizar em psicanálise”, declara.

Leia com toda a calma do mundo.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Tem versão O Beijo no Asfalto em forma de musical, outra versão normal no Parlapatões dirigida pelo Jair Aguiar. E agora chega a São Paulo, após passar pelo Rio, sua nova versão para o texto de Nelson. Por que todo mundo resolveu remontá-lo na mesma época?
MARCO ANTONIO BRAZ — Esse é o destino das obras-primas, aberta, cheia de camadas de leituras e interpretações. Quantas versões para Hamlet? O Beijo mostra a mesma vitalidade. Estou extremamente curioso de assistir todas as versões. Mas há o agravante da nossa realidade hipócrita que prova diariamente a desgraçada atualidade do texto. Acho que estas escolhas de encenação acabam sendo uma reação a um conservadorismo que aí está e que acreditávamos ultrapassado.

Marco Antônio Braz, ao lado de Marcos Breda: O Beijo no Asfalto continua atual 55 anos depois de ser escrita por Nelson Rodrigues - Foto: Lenise Pinheiro/Divulgação

Marco Antônio Braz, ao lado de Marcos Breda: O Beijo no Asfalto continua atual 55 anos depois de ser escrita por Nelson Rodrigues – Foto: Lenise Pinheiro/Divulgação

MIGUEL ARCANJO PRADO — Esta é a quarta vez que monta O Beijo no Asfalto? O que esta montagem tem de diferente das outras?
MARCO ANTONIO BRAZ — Nesta versão, tentei realizar uma síntese de todas as experimentações que realizei. Neste sentido, é uma montagem clássica, para palco italiano e com uma pretensão gigantesca em arte: a da simplicidade. São as duas palavras que uso para nortear minha concepção: simples e clássico.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Você é aclamado como o diretor que mais conhece a obra de Nelson Rodrigues. Por que essa relação tão próxima com o dramaturgo? De onde veio esta paixão?
MARCO ANTONIO BRAZ — Primeiro a motivação foi artístico e estética, mas com o tempo foi se tornando uma necessidade existencial, um pretexto para mergulhar nas próprias sombras e angústias. Faço Nelson Rodrigues para economizar em psicanálise.

Os atores Cal Titanero e Josias Souza em cena de O Beijo no Asfalto - Foto: Lenise Pinheiro/Divulgação

Os atores Cal Titanero (com o jornal) e Josias Souza (à dir.) em O Beijo no Asfalto – Foto: Lenise Pinheiro/Divulgação

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como é sua relação com a família de Nelson Rodrigues?
MARCO ANTONIO BRAZ — Excelente. Acho que desde muito cedo eles apoiam o meu trabalho e se sensibilizam com o esforço e o resultado.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como foi a temporada da peça no Rio?
MARCO ANTONIO BRAZ — Muito aquém do que deveria em termos de público e visibilidade. O espaço de divulgação e promoção de espetáculos está asfixiado, dominado no que resta pelas grandes produções. Mas conquistou o devido prestígio para prosseguir com a nossa proposta de trabalho de montar as 17 peças do autor até o final de 2017.

MIGUEL ARCANJO PRADO — O que você espera desta temporada em São Paulo? 
MARCO ANTONIO BRAZ — São Paulo é o berço do meu trabalho rodriguiano, aqui é a nossa sede de ensaios e do Núcleo de Pesquisas Rodriguianas. Acredito que por isso teremos maior repercussão em nosso objetivo de encenar o teatro de Nelson. O Beijo no Asfalto é somente o começo desse trabalho gigantesco. Já estamos ensaiando Valsa n. 6, Perdoa-me Por Me Traíres e Viúva, Porém Honesta, que devem iniciar ensaios abertos ainda este ano.

Danielle Scavone e Alvaro Gomes em O Beijo no Asfalto - Foto: Lenise Pinheiro/Divulgação

Danielle Scavone e Alvaro Gomes em O Beijo no Asfalto – Foto: Lenise Pinheiro/Divulgação

MIGUEL ARCANJO PRADO — Por que o texto de O Beijo no Asfalto segue tão atual mesmo 55 anos após ter sido escrito?
MARCO ANTONIO BRAZ — Porque o brasileiro é extremamente hipócrita e não assume suas contradições, nem mesmo pego em flagrante!

MIGUEL ARCANJO PRADO — Você acha que a imprensa no Brasil ainda é esta vilã apresentada pelo texto, assim como a polícia? Por quê?
MARCO ANTONIO BRAZ — Acho que na constelação do texto as instituições são reflexos da nossa sociedade. O grande vilão é a sociedade que alimenta e amplia o preconceito ao gesto puro de Arandir: não recusar o último pedido de um moribundo, um beijo.

MIGUEL ARCANJO PRADO — O Brasil vive atualmente um momento de crescimento de um tipo de pensamento conservador e homofóbico. Acha que a peça dialoga com este momento do País? Como ela contribui para este debate?
MARCO ANTONIO BRAZ — Ela parece escrita e dedicada ao Bolsonaro ou Feliciano. É uma pena que eles não venham assistir.

Marcos Breda e Danielle Scavone em cena de O Beijo no Asfalto - Foto: Lenise Pinheiro/Divulgação

Marcos Breda e Danielle Scavone em cena de O Beijo no Asfalto – Foto: Lenise Pinheiro/Divulgação

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como você se sente sendo o último diretor que dirigiu Cleyde Yáconis no palco?
MARCO ANTONIO BRAZ — Trabalhar com Cleyde foi o maior prêmio que o teatro já me concedeu. Espero que possa passar a força desse encontro teatral para as novas gerações que não conheceram a sua história e trabalho.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Você pretende levar, após São Paulo, a peça O Beijo no Asfalto a outras cidades?
MARCO ANTONIO BRAZ — O projeto é encenar as 17 peças de Nelson até 2017 e depois viajar pelo Norte e Nordeste apresentando, em apenas duas semanas em cada praça, o teatro completo e na ordem em que foram escritas. O Brasil não conhece o teatro de Nelson Rodrigues!

MIGUEL ARCANJO PRADO — Por que você faz teatro?
MARCO ANTONIO BRAZ — Para poder resguardar o menino que mora em mim da terrível vida adulta.

Alvaro Gomes, Pedro Paulo Eva e Josias Souza em O Beijo no Asfalto - Foto: Lenise Pinheiro/Divulgação

Alvaro Gomes, Pedro Paulo Eva e Josias Souza em O Beijo no Asfalto – Foto: Lenise Pinheiro/Divulgação

O Beijo no Asfalto
Quando: Sexta, 21h30, sábado, 21h, domingo, 19h. 70 min. De 5/9/2015 até 27/9/2015
Onde: Teatro Augusta – Sala Paulo Goulart (r. Augusta, 943, Cerqueira César, São Paulo, SP, tel. 0/xx/11 3151-4141)
Quanto: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada)
Classificação etária: 16 anos

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