Entrevista de Quinta – “O Cazuza renasceu”, diz Lucinha Araújo, 25 anos após morte do filho

Cazuza e Lucinha Araújo: "Exagerado ainda é uma das músicas mais tocadas nas rádios de todo o Brasil" - Foto: Sociedade Viva Cazuza

Cazuza e Lucinha Araújo: “Exagerado ainda é uma das músicas mais tocadas nas rádios de todo o Brasil” – Foto: Sociedade Viva Cazuza

Por MIGUEL ARCANJO PRADO

Lucinha Araújo é a mãe de Cazuza. Este é o título que ela mais gosta de ter. “Eu gerei um gênio, e olha que os gênios geralmente são feios, mas meu filho era lindo”, diz, bem-humorada.

No comando da Sociedade Viva Cazuza, que auxilia crianças que vivem com o vírus HIV, ela comemora a crescente onda em torno do nome de seu filho, 25 anos depois da morte de Cazuza, vítima da Aids em 1990, com apenas 32 anos.

Nesta exclusiva Entrevista de Quinta, Lucinha, que completará 80 anos em 2 de agosto de 2016, fala sobre a força da obra do filho, a situação da ONG que administra, como foi lidar com a morte do marido, o empresário da fonografia João Araújo, dá sua opinião sobre o crescente conservadorismo no Brasil e a perseguição política a homossexuais e ainda revela que está escrevendo um novo livro.

Leia com toda a calma do mundo.

Mãe de Cazuza, Lucinha Araújo fará 80 anos em 2016 - Foto: Sociedade Viva Cazuza

Mãe de Cazuza, Lucinha Araújo fará 80 anos em 2016 – Foto: Sociedade Viva Cazuza

MIGUEL ARCANJO PRADO — Lucinha, dá para acreditar que a partida de Cazuza já tem 25 anos?
LUCINHA ARAÚJO — Olha, Miguel, parece que foi ontem. Eu fico boquiaberta ao saber que ele não conheceu computador, telefone celular e como eu resisti 25 anos sem ele. Eu acho que eu sou sem vergonha, só pode ser! [risos]

MIGUEL ARCANJO PRADO — Você acha que o Cazuza iria gostar de toda essa tecnologia na comunicação?
LUCINHA ARAÚJO — Eu acho que de computador ele iria gostar, porque ele usava máquina de escrever elétrica. Mas, celular, ele ia perder um por dia. O Cazuza perdia tudo. Eu mandei fazer uma dúzia de lenços para ele e o João, com o nome bordado. O Cazuza perdeu um lenço por dia. Eu acho que as pessoas achavam bonitinho e roubavam. Quando eu fui perguntar onde estavam os lenços, ele me respondeu: “Ai, mamãe, eu não uso lenço, você que é velha que usa. As pessoas acham bonitinho e eu dou” [risos].

Lucinha Araújo ao lado de Cazuza pequeno - Foto: Sociedade Viva Cazuza

Lucinha Araújo ao lado de Cazuza pequeno – Foto: Sociedade Viva Cazuza

MIGUEL ARCANJO PRADO — Qual o efeito do tempo na obra do Cazuza?
LUCINHA ARAÚJO — Eu acho que vai-se o homem e fica a fama, como diria o Ataulfo Alves. A obra permanece intacta e cada vez mais valorizada. Exagerado ainda é uma das músicas mais executadas nas rádios brasileiras, 30 anos depois de ter sido feita. Isso não me conforma, mas dá muito orgulho.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como está hoje a situação da Viva Cazuza?
LUCINHA ARAÚJO — A Viva Cazuza está muito bem, obrigada. A gente atingiu a estabilidade financeira. O Cazuza, com essa volta, porque ele renasceu, ele toca na rádio diariamente, mil homenagens para ele, foi muito bom. E isso foi bom para nós, porque vivemos dos direitos autorais do Cazuza. Eles aumentaram consideravelmente e agora a gente respira aliviada. A gente gasta mais de 110 mil reais por mês, temos 24 funcionários, que fazem regime de 12 horas por 36, e atendemos 15 crianças.

MIGUEL ARCANJO PRADO — De onde vêm as crianças atuais?
LUCINHA ARAÚJO — Estou com dez bebês agora. Com o advento do crack, de uns dois anos para cá, a gente esta recebendo muitos bebês. A Aids está atingindo muito a população de rua por conta do crack. Aí, essas mães engravidam e deixam os filhos lá.

Cazuza no show O Tempo Não Para, de 1988 - Foto: Sociedade Viva Cazuza

Cazuza no show O Tempo Não Para, de 1988 – Foto: Sociedade Viva Cazuza

MIGUEL ARCANJO PRADO — Sempre vejo você na TV na propaganda, alertando sobre a Aids, dizendo que Aids não tem cara. Como você vê o aumento do número de casos de Aids entre jovens?
LUCINHA ARAÚJO — Toda coisa positiva tem o lado negativo. Tem 25 novos remédios retrovirais que deixam o paciente com a aparência muito boa. Isso teve o lado negativo, os jovens de hoje não verem mais como a Aids deixava as pessoas na época do Cazuza. A garotada de hoje não se lembra disso. Por isso, eu falo, quem vê cara não vê Aids. O maior índice de infecção é entre 17 e 25 anos. Não se pode deixar de fazer campanhas. Na época do Cazuza, toda hora passava na TV campanha falando de Aids, depois, houve uma banalização da doença. Hoje, fala-se mais de gripe do que de Aids, a Aids ficou de lado da mídia. Só que até hoje ela não tem cura. Tem de alertar.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Recentemente, o musical Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz levou 40 mil pessoas ao Memorial da América Latina. Como você vê este alcance enorme de público que seu filho ainda tem?
LUCINHA ARAÚJO — Eu fiquei sabendo dessa apresentação, infelizmente não pude viajar para São Paulo. Cazuza é muito atual. Eu não quero tirar o mérito dos atores, do produtor, do texto, do diretor. O musical foi uma felicidade. Faz dois anos agora em agosto e é um sucesso em todo o Brasil.

Cerca de 40 mil pessoas assistem musical Cazuza - Pro Dia Nascer Feliz no Memorial da América Latina, em São Paulo, em 26/6/2015 - Foto: Daniela Agostini/Divulgação

Cerca de 40 mil pessoas assistem ao musical Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz no Memorial da América Latina, em São Paulo, em 26/6/2015 – Foto: Daniela Agostini/Divulgação

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como é sua relação com o elenco?
LUCINHA ARAÚJO — Eu fiquei amiga de todos os atores. Os meninos me telefonam. Quando estava aqui no Rio, toda hora alguém me chamava para ir, era uma coisa louca. E eu ia. Eu não sou masoquista. Eu adoro o musical e sei que aquilo é a história da minha vida, fico muito orgulhosa do meu filho. Estou vivendo 79 anos, ele viveu 32 e marcou o mundo todo. Ele me ensinou muito mais do que aprendeu comigo. Eu era uma menininha que casei com o primeiro namorado, qual a graça disso, Miguel, me conta? [risos]. Mas tudo bem, eu amava o João [risos].

Susana Ribeiro, como Lucinha, e Emílio Dantas, como Cazuza, no musical Cazuza - Pro Dia Nascer Feliz - Foto: Leo Aversa/Divulgação

Susana Ribeiro, como Lucinha, e Emílio Dantas, como Cazuza, no musical Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz – Foto: Leo Aversa/Divulgação

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como você vê essa crescente onda conservadora no Brasil, com muitos políticos com discursos homofóbicos em Brasília?
LUCINHA ARAÚJO — Eu acho isso ridículo. É um retrocesso. O Brasil ainda não mostrou a sua cara. O Cazuza gritou tanto “Brasil, mostra a sua cara”, e 25 anos depois ele ainda está assim. Isso é uma besteira de perseguir homossexuais. Por acaso, eu me casei com o homem que amava. Mas tenho amigas e amigos homossexuais, todos muito bem casados, eu frequento suas casas e os vejo muito felizes. Hoje em dia, só tenho amigos gays. Eles cuidam de mim e eu estou muito feliz com eles.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Você é contra esse patrulhamento da vida sexual alheia?
LUCINHA ARAÚJO — É claro! A vida sexual pertence a você. Com tanta coisa mais importante para se meter do que orientação sexual dos outros. Dentro do quarto, cada um faz o que quiser. E isso não é da conta de ninguém.

Cazuza sempre foi contra todo tipo de preconceito e defensor da liberdade - Foto: Sociedade Viva Cazuza

Cazuza sempre foi contra todo tipo de preconceito e defensor da liberdade – Foto: Sociedade Viva Cazuza

MIGUEL ARCANJO PRADO — Muitas mães se espelham na sua luta e têm você como referência. Elas lhe procuram?
LUCINHA ARAÚJO — Muito, pedindo ajuda. Eu não sou nada para ajudar ninguém. Eu aprendi muito com meu filho. Não nasci essa idealista. Eu sou mãe de filho único, ele também sofreu na minha mão. Mas eu pensei: eu vou entrar na dele para não perder meu filho. E vi que ele que era um filho maravilhoso, apesar de toda a loucura. O Cazuza é o ídolo da família até hoje. Apesar das loucuras. E olha que a família do João é caretíssima! [risos]

Daniel de Oliveira como Cazuza no filme Cazuza - O Tempo Não Para: cantor alcançou novas gerações - Foto: Sociedade Viva Cazuza

Daniel de Oliveira como Cazuza no filme Cazuza – O Tempo Não Para, de 2004: cantor alcançou novas gerações – Foto: Sociedade Viva Cazuza

MIGUEL ARCANJO PRADO — Você acredita que o filme Cazuza – O Tempo Não Para e a peça Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz ajudaram Cazuza a se aproximar das novas gerações?
LUCINHA ARAÚJO — Eu tenho certeza absoluta. Eu recebo email, cartas, de crianças de 12 anos falando de Cazuza. Isso é sinal da imortalidade dele. Noel Rosa morreu com 26 anos e até hoje nós cantamos as músicas dele. Com Cazuza é igual.

MIGUEL ARCANJO PRADO — E lembrar que a Veja falou naquela edição com Cazuza na capa que a obra dele não iria durar…
LUCINHA ARAÚJO — Foi a coisa que mais me doeu nele, foi o fim daquela matéria. Ele chorava tanto. Falar que a obra dele não iria durar… E hoje quem está falindo é a Veja.

João Araújo com o filho único Cazuza - Foto: Sociedade Viva Cazuza

João Araújo com o filho único Cazuza – Foto: Sociedade Viva Cazuza

MIGUEL ARCANJO PRADO — Seu livro sobre o Cazuza, Só as Mães São Felizes, com a Regina Echeverria, é um best-seller. Você está escrevendo um livro novo?
LUCINHA ARAÚJO — Sim. Eu estou fazendo um livro sobre o João, com a Regina Echeverria de novo. Porque eu vivi sempre à sombra de dois grandes homens. O João foi o maior cara da indústria fonográfica de todos os tempos no Brasil. E além disso, ainda teve um filho famoso. O João lançou Djvan, Caetano, Gal, Novos Baianos, Sandra de Sá, Fábio Jr…

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como foi lidar com a morte do João em 2013?
LUCINHA ARAÚJO — Olha, Miguel, eu me senti sozinha daqui pra frente. Eu achava que a gente, o João e eu, era imortal. Como ele morreu, estou deixando a minha vida resolvida.  Quero deixar tudo resolvido quando chegar minha hora. Em 2 de agosto do ano que vem eu faço 80 anos. Estou uma velhinha [risos]. Uma das minhas metas é deixar bem a Sociedade Viva Cazuza.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Para com isso, Lucinha, que você está ótima.
LUCINHA ARAÚJO — Enquanto minha cabeça tiver boa e meu corpo também eu quero ficar… Mas, quando não estiver mais aqui, quero que digam que eu gerei um gênio. Eu não tenho a menor modéstia de falar isso. Porque o Cazuza era um gênio, e olha que os gênios geralmente são feios, mas meu filho era lindo [risos].

"Eu gerei um gênio", diz Lucinha Araújo sobre Cazuza - Foto: Sociedade Viva Cazuza

“Eu gerei um gênio”, diz Lucinha Araújo sobre Cazuza – Foto: Sociedade Viva Cazuza

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